sábado, 30 de abril de 2011

As guias dos orixás

Sabia que seria o centro das atenções. Mas o que fazer se tinha mesmo de ir àquela festa? Era o aniversário de uma grande amiga de seu namorado, aliás, o primeiro de uma série dos quais participou.

Ela coitada! pobrezinha: uma universitária linda, mas pobre. Desde o dia em que soube que teria de ir a esta festa não deixou de preocupar-se. Como iria? Como se vestiria? Será que não passaria por ridícula?

O namorado queria lhe mostrar a todos, claro! Era a mesmo uma mulher linda, e estava no frescor da sua beleza completamente natural, sequer se pintava. As suas roupas eram despojadas, não seguia moda porque não havia possibilidade de fazê-lo. Nesse tempo usava calças pijamas e o auge mesmo era a calça jeans, que, na sua grande maioria, e aliás para ter mesmo um grande valor, tinha de ser uma contrabandeada. Ela tinha uma, presente de um dos seus admiradores.

Bom, mas a calça jeans destoava da ocasião, pelo menos ela pensava assim; teria mesmo de arrumar uma maneira de ir a essa festa. Pensou em tomar uma roupa emprestada, mas não fez, porque o namorado parece ter entendido a sua ansiedade e lhe presenteou com uma saia lindíssima, do estilo que ela gostava. Estilo! Como se pobre tivesse direito à estilo, mas na verdade ela tinha mesmo um: era meio “Hippie”, gostava das roupas menos convencionais, “batas”, “calças estilo pijama”, “sandália de couro”, “roupas largas e compridas”, apesar de vestir muitos vestidos curtos que lhe valeram o apelido de “belas pernas” e de “bailarina das pernas grossas”. O fato é que seja de longo, seja de curto, seja de calça, sempre, mas sempre mesmo, chamou atenção.

Voltando às preocupações da festa. Ganhou a saia, e junto com ela uma sandália. A saia tinha nesgas. Era uma saia comprida com nesgas de um pano estampado e outras nesgas “jeans”, que se alternavam, era realmente linda.  A cintura meio baixa e a saia tinha muito movimento, porque do meio para o fim as nesgas cresciam e ela ficava bem rodada. A sandália acompanhava a saia; era também, de “jeans”, alta, com uma tirinha na frente, deixando a mostra todo o seu pé, que, sem falsa modéstia, sempre valorizou o calçado, porque muito bem feito. Bom, já estava mais de que vestida, mas faltava uma coisa: a blusa. Como arrumar uma blusa para usar com aquela saia? Já não podia falar com o namorado sobre isto, afinal ele já lhe presenteara com a saia e a sandália, seria, pois, uma grande sacanagem falar da blusa.

Teve uma idéia. Tinha em casa calças jeans antigas, velhas, desbotadas e entrou em ação, isto já na manhã da festa. A mãe costurava e ela pensou que ela poderia fazer a blusa.

Cortou as calças na altura da coxa, mediu o seu corpo na altura dos seios e pensou: Faço um "bustiê", deve ser assim que escreve, ou seja; uma tira de pano para cobrir os seios e já está. E foi o que fez. Cortou a tira, pediu à mãe que fizesse uma emenda no pano, dado que a largura não deu por inteiro, e que fixasse alguns colchetes no fundo. O que foi feito. Vestiu tudo, olhou-se no espelho, mas não gostou do resultado. A tira de pano parecia amassar seus peitos, não tinha movimento, ficou muito sem graça.

A hora da festa se aproximava e não se tinha solução para a blusa. De repente ela viu as contas de “santo” da sua mãe: colares de pedrinhas coloridas, muitos deles. Sem pestanejar pensou: E se eu colocasse estes colares como um suporte para esta blusa? Faria um nó na parte que ficava entre os seios e puxaria as contas até o pescoço, como se elas fossem mesmo um colar. Implorou á mãe que a deixasse fazer isto. A mãe não queria, porque as “contas” eram mesmo das suas obrigações com os santos, foram “lavadas”, “bentas”, enfim, tinham participado de todo o contexto da sua própria história, demonstravam quais os guias daquele “cavalo”(pessoa em que os orixás se manifestam), que era a sua mãe: “oxum", "omolú", "Iansã" "Nanã", e tantas outras, um belo colorido: amarelo ouro, azul turquesa, branco, verde. Depois de muito insistir a mãe cedeu, e ela colocou as contas como idealizara. O efeito foi maravilhoso. As contas fizeram a divisão dos seios e realmente salientaram a silhueta.

Quando o namorado chegou para pegá-la ficou entusiasmado. Ela estava simplesmente linda, a simplicidade da roupa, a excentricidade simples das contas, a sua própria beleza estava acentuada pela roupa, que lhe deixava à mostra a cintura delineada, o umbigo, o colo valorizado pelo desenho feito pelas contas. O cabelo encaracolado que lhe valera o apelido na faculdade “cabelo de ovelha”, completava o quadro.

Saiu de casa sabendo que estava realmente linda, mas, ainda assim, não sabia muito bem como se comportar em uma casa, para ela, “de ricos”. Afinal o dono da casa era um catedrático da faculdade. A filha aniversariante era colega de faculdade do namorado. O noivo dela, também era universitário, ambos estavam acabando o curso de direito. Moravam numa casa "chic" em um bairro "chic". A casa era freqüentada por empresários, artistas, professores, enfim, era um mundo completamente diverso do seu. O namorado lhe dava força, afinal ele queria mesmo é que todos conhecessem a sua nova aquisição.

E foi assim que ela entrou, pela primeira vez, naquela casa, que seria, durante longos anos da sua vida, um ancoradouro. Triunfante, viu os olhares sobre ela, tanto de homens quanto de mulheres. O seu namorado em nenhum instante desgrudou dela, parecia saber bem onde estava e com quem lhe dava. Os colegas de faculdade que ali estavam lhe diziam da sua beleza; estavam encantados, até porque nunca lhe viram tão arrumada assim. O dono da casa não lhe poupou os elogios, aliás, que se prolongaram até o resto da sua vida, ele era mesmo um admirador do belo, e ela estava incluída neste conceito, sempre lhe falava dos seus traços “gregos”. Ela ficava entre o envergonhada e o lisonjeada, tamanha a ênfase do admirador.

Nesse dia, conheceu muitas pessoas que seriam muito importantes e, em alguns momentos, fundamentais na sua vida.

Seguiu sua vida no meio daqueles que conheceu naquele dia de setembro do ano de 1973. Sabe que com o seu jeito simples conquistou muitos deles, que ainda hoje seguem os seus passos e continuam a se surpreender consigo, porque ela conseguiu mostrar que não era só bela, e sim uma grande e forte  mulher, capaz de driblar todas as adversidades, inclusive aquelas causadas por quem lhe apresentou àquela casa de sonhos e realizações.

As guias dos orixás da sua mãe, certamente, tiveram um papel fundamental em tudo isto: seguraram o seu peito e protegeram-na dos “maus olhados”. Eparrê! Atotô babá! 



Um comentário:

  1. Amiga, li pra mim e pra minha mae esta crônica do meu aniversário de 22 anos... que bom, amiga que esta casa chic lhe serviu de ancouradouro sempre... lembro vagamente deste tempo, imagens distantes sem contornos reais... Mas lembro de vc e dos caracóis dos seus cabelos... e de como lhe fiz bem vinda no meu coraçao pra todo e sempre... Beijo saudoso,
    Até um novo setembro... 48 depois... Ângela

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