Serviram feijoada para mais pessoas, mas agora do lado de fora, depois de acabada o ritual lá dentro
De repente os tambores começam a tocar. Fico arrepiada, as filhas e filhos de santo dançam ao redor daquele altar que já fora desfeito no que diz respeito à comida, mas há plantas e comida ali. O terreiro é grande, as pessoas estão sentadas ao redor da sala. Na parte de cima da casa,junto ao telhado, panos azuis e prateados decoram o ambiente, Há muita vegetação no centro do terreiro, concentrada no local onde antes serviram a comida.
Fico olhando aquilo tudo, é ao mesmo tempo bonito e surreal. As pessoas vão entrando em transe. Parecem que realmente não estão ali, os olhos estão semicerrados, alguns estão mesmo fechados, outros reviram. As expressões mudam, algumas ficam grosseiras, outras amenizam. O batuque continua e há uma crescente no toque. A cada toque um passo diferente, é a música e dança de cada orixá.
Continuo inebriada. Olho tudo com curiosidade e emoção, estou visivelmente emocionada, as lágrimas correm. De repente os atabaques param para recomeçarem um pouco mais forte e mais ritmado; os Orixás entram devidamente caracterizados com as suas roupas e os seus instrumentos e armas, as lágrimas escorrem aos borbotões, não consigo controlar. Os pelos estão eriçados, tento disfarçar, mas não adianta, tudo em mim, naquele momento, vibra. Estou atenta quero ver tudo, registrar tudo, tento tirar fotos: tiro várias, quero registrar este momento e o quero levar para alguns,que jamais viram qualquer coisa semelhante.
Os dois Oguns estão ali. Os cavalos, um homem e uma mulher estão com as suas vestes brancas, as roupas são lindas. Ambos estão lindos. Os rostos estão contritos, mas não estão endurecidos. Dançam, olho os pés, o vaivém deles me deixa um pouco zonza, queria saber dançar como eles, os braços acompanham o movimento. O tom do batuque muda; os pés também: movimentam-se diferentemente, o mesmo acontece com as mãos, os braços.
Os Oguns, o do cavalo homem tem uma faca, ou uma espada, não sei bem, que ele coloca, durante todo o tempo em que ali esteve, com a ponta virada para o seu próprio corpo à altura do ombro direito.
Ha mais Orixás na sala, não sei o nome, alguém me diz que ali estão Iansã, Oxum, Oxossi. Há duas Iansãs, vestem roupas lindas: brancas com uma faixa na barra, uma azul e a outra vermelha, as roupas são mesmo maravilhosas, embora eu não consiga entender como, com um calor daqueles, as pessoas suportavam tais roupas. Uma calça branca por baixo, muitas saias por cima, saias armadas para que fiquem bem rodadas.
Oxossi, cujo cavalo era uma mulher, estava lindo. O rosto do cavalo era ameno, mas muito sério, concentrado. A dança fica frenética, os Orixás mostram toda a sua beleza, parecem estar felizes gritam, pulam, mostram as suas armas.
Estou na porta de entrada do terreiro, os Orixás saem da roda e vem, um a um, separadamente e em momentos diversos, do lado de fora. Acho interessante a maneira que eles saem e entram. Sempre de costas, ou, então, de lado. Ogum, ambos, falam comigo, me abraçam, sinto o suor dos cavalos, não me importo, deixo me levar pela emoção mesmo. Quando do abraço do Ogum do cavalo homem peço que ele olhe o meu filho, peço com fé, com emoção, aperto num abraço emocionado o Orixá, um momento completamente mágico, porque o abraço é mesmo correspondido, apertado, sentido. Todos me vêem chorar, estou visivelmente e completamente emocionada. Não consigo parar de chorar.
O Oxossi esta dando um show particular, a dança é linda. Antes as Iansãns dançaram, suspenderam as barras das saias, balançaram os panos. Algumas vezes pararam diante de determinadas pessoas e davam os seus gritos de saudação; saudam-nas, abrançam-nas; outras vezes deitam-se no chão diante delas. Sei que tudo isto é um ritual, sei da hierarquia, mas não sei como funciona e só sei que estou ali, extasiada.
Pessoas que estão participando da festa incorporam seus guias. Alguém lhes coloca um pano amarrado por sobre a roupa que vestem, os sapatos são de logo retirados, a expressão de todos eles muda. Juntam-se à roda e dançam, alguns são retirados e levados para dentro de um espaço que não vejo como é; só vislumbro a entrada, é dali que também saíram os Orixás e para onde retornam quando se ausentam da sala.
Ha um negro muito bonito, agora ele esta vestido de azul, deve ser uma autoridade bem grande ali dentro, porque ele tem um instrumento na mão que ele chocalha; parece chamar alguém, e ele canta as músicas dos Orixás, a língua para mim é ininteligível.
Dentre os participantes da roda, duas crianças, uma, mais nova, dança sem a seqüência correta, mas dança, o outro sabe todos os passos e movimentos da mão, esta feliz, não sorri, aliás, uma característica, ninguém sorri, todos estão concentrados, os rostos estão sérios, tudo é feito com muita seriedade mesmo.
Alguém me chama e diz que a feijoada esta servida. Eu não ia comer, porque já tinha comido feijão dois dias direto e queria me preservar, mas não resisti, a comida cheirava muito e vou buscar o prato no balcão. Tudo organizado, uma panela imensa, nada parecida com as minhas. Acho que realmente pode se cozinhar uma pessoa de baixa estatura dentro dela. Dão-me o prato e eu fico olhando sem saber bem o que fazer, porque não há talheres, você tem de comer de mão. Bom, o que não tem remédio, remediado está, já dizia minha mãe, portanto, comecei a comer com o dedo indicador somente. A feijoada esta ótima. Como todo o prato com o dedo indicador. Tomo dois copos de cerveja e volto para apreciar o restante da festa. Limpo as mãos com dois lenços perfumados. As pessoas me olham, estou toda de azul, vestido longo, cabelos soltos, sandália azul, destôo um pouco daquilo tudo, depois estou muito emocionada e envolvida, que, de repente, as pessoas me olham sem muito entender, não me importo e estou ali, de novo, á frente da porta.
Os atabaques param. Tudo para, Acabou. Agora todos podem beber e comer à vontade. Eu não quero mais nada, estou cansada, parece que recebi tanta energia positiva, que fiquei cheia, sem ter o costume de o estar, porisso o cansaço.
Esta na hora de ir embora, e é o que fazemos, eu Ronaldo, Roberto, Rita e mais uma senhora que eles chamam de Neguinha, que por acaso é “loura”, há outro senhor de cujo nome esqueci.
Chego a casa, tomo banho, fico pensando em tudo o que vi e o que senti, e me pergunto: Por que resolvi fazer História da África? Será que há alguma ligação com o que presenciei hoje e a emoção que senti? Oxalá que sim. Ogunhê...
Saravá São Jorge, ogum-nhê-ô >
ResponderExcluirSaravá Ogum, ogum-nhê-ô > bis
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Salve Ogum Akuan,ogum-nhê-ô
Salve Ogum Yara, ogum-nhê-ô
Salve Ogum Naruê, ogum-nhê-ô
E Seu Beira Mar, ogum-nhê-ô
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Salve Ogum de Lei, ogum-nhê-ô
Salve Ogum Nagô, ogum-nhê-ô
Salve Ogum Megê, ogum-nhê-ô
E seu Matinata, ogum-nhê-ô
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Adúpé Ogum!
Adúpé Iyá!
Fábio Martinez
Muito bom... No próximo ano gostaria de ser informada das festividades da terra (arembepe).
ResponderExcluirSaudade, vera.