Quando estive interna, conheci três irmãs que moravam no colégio. Uma delas muito mais velha que eu.Na época, para mim, era como se fosse quase minha mãe, embora ela não tivesse nem 30 anos. Eu tinha 10 a 11 anos e quem tinha mais de 25 para mim, creiam, àquela época, já era velha; outra com uns vinte e poucos e a terceira, mais nova, devia ter uns 16 a 17.
Diziam que elas eram irmãs, mas eu as achava tão diferentes que nunca acreditei, talvez pelo fato de serem órfãs e morarem mesmo com as freiras, fabricaram aquele parentesco, possivelmente, irmãs em Cristo.
A mais velha era uma mulher magra, não muito alta, tinha os cabelos chegados para o ruivo, não sei se eram pintados. Trabalhava fora do colégio e, portanto, estava sempre muito bem vestida. Ela já não dormia no dormitório; ficava numa parte do colégio em que moravam senhoras solteiras que trabalhavam e não tinham parentes na cidade. Era uma pessoa que não se podia dizer bonita, mas tinha lá o seu charme. Tinha um sotaque diferente na fala e, acho que por isso mesmo, tinha o apelido de “paulista”. Creiam em Deus! Passei quatro anos interna nesse colégio e nunca soube o nome desta senhora, aliás, continuo sem saber.
A irmã seguinte, ou seja; a do meio, chamava-se Gardênia, olhem que nome! Como colocaram este nome na criatura? Era baixinha tinha o cabelo castanho muito claro, chegando já para o louro, olhos claros e usava óculos. Era muito séria e tomava conta, junto com Zoraide, uma outra loura imensa e feia, da fileira do dormitório do lado direito; o meu lado. Não me lembro de ter visto esta moça feliz, saltitante, dando risada. Era compenetrada, cumpria as suas obrigações exemplarmente e nunca dava muita chance de aproximações, penso que estava sendo educada para virar mais uma irmã de caridade, sem caridade e sem graça.
A terceira chamava-se Georniete, nunca entendi nome tão estranho. Era alta, magra, loura dos cabelos encaracolados, brilhantes e lindos. Tinha olhos bem azuis, mas não conseguia ser uma pessoa bonita. Era simplesmente interessante. Por ser a mais jovem das três, era vigiada pelas duas mais velhas e cerceada em todos os momentos para evitar qualquer deslize. Ela não viveu a sua juventude porque não lhe deixaram,embora fique difícil viver em um internato em qualquer fase da vida. Espero que, mesmo com este nome tenha arrumado um marido, falo isto porque era o sonho de muitas internas, mui principalmente destas que eram órfãs e criadas pelas irmãs. O casamento era uma espécie de conquista de uma “liberdade”.
Salvo engano, Gardênia aprendia pintura, por sinal, uma das coisas que eu mais queria na vida à época, mas que era impossível para mim, pois as aulas eram pagas, porque o ensino era explorado por uma pessoa que não pertencia à escola. Olhei tanto o pessoal a aprender a pintar, isto aos dias de sábado quando tinha tempo, que terminei aprendendo a reproduzir, aliás, era o que era ali ensinando. Vi reprodução da reprodução, da reprodução dos Girassóis de Van Gogh ser ali feita por uma aluna, acho que de nome Eliane, e não só por ela, tanto que a reprodução, da reprodução, da reprodução que servia de modelo, estava toda gasta: os girassóis quase desfolhados e pálidos. Devia ser por isso que as reproduções ali feitas eram tão ruins. A professora de pintura era uma senhora que mais podia ensinar bruxaria, de tão feia que era, aliás, neste particular, competia com a irmã que tomava conta da rouparia: uma freira baixa, de bigodes, com um sinal do lado direito do rosto, bem perto da boca, que lhe acentuava a feiúra: deve ter sido por isso que resolveu ser irmã de caridade e trabalhar na rouparia, onde quase sempre estava escondida. Com aquela feiúra, entretanto, podia realmente voar, como fazem as bruxas, com uma diferença: ela ia ser levada pelo vento que impulsionaria os dois vértices formados por uma porra de um chapéu horrível que as freiras usavam, do tipo que era usado pela Noviça Voadora. Lembram do filme? Aquele que foi estrelado por Shelly Fields. Acho eu. Eram asas na cabeça.
Não me lembro se a Georniete também aprendia pintura, acho que não, ela era muito agitada para poder ficar tanto tempo parada em frente a uma tela e com tantos tubinhos de tintas na sua frente.
Lembrei destas três porque tinha uma vontade danada de saber o que foi feito delas. Será que as duas menores casaram? Viraram professoras e continuaram na própria escola? Viraram freiras? Fugiram do colégio? Esta última, se eu fosse uma delas, seria a opção escolhida.
E a Paulista! O que será que lhe aconteceu? Já morreu? Ainda vive? Será que, por um completo golpe de sorte, se casou? Olhe que se estiverem vivas, todas três já passaram dos 60, devem ter agora 75, 65,61 respectivamente.
Pois é. Não sei se só aconteceu isto comigo. Quando deixei o colégio nunca mais soube de nenhuma das pessoas dali. Um dia, por total acaso, encontrei Zoraide, que com toda a sua feiúra conseguiu se casar. Quando ela me disse isto, passei a acreditar que ninguém, por pior aparência que tenha, pode perder a esperança de encontrar um par, ainda que seja para completar a própria feiúra, ou diminuí-la um pouco, porque quando se encontra alguém mais feio de que nós mesmos, a nossa própria feiúra diminui, somos até capazes de acreditar que somos bonitos. O certo é que não sei de ninguém, que também, com certeza, não sabem de mim, e se souberem, por fazer a ligação do nome com a minha figura, certamente não acreditam que se trata daquela menina que dava tanto trabalho a todos no internato, aquela que quase foi expulsa por chamar freira de vaca, por desobedecer ordens e por, enfim, aos 10 11 anos, contrariar a ordem estabelecida e que, por isso mesmo, ninguém acreditava que seria “alguém” na vida.
Bom!Não acredito que nenhuma das pessoas aqui citadas vai ler isto, mas, se, por uma coincidência qualquer, isto acontecer, não duvidem: esta pessoa sou eu, aquela menina que vocês conheceram, que se fez notar pelos “erros”. A Esmeralda da portaria da escola, a bell girl do internato.
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