segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Uma péssima escolha

Fui jantar num restaurante indiano, que também serve comida chinesa. Fica na mesma rua do hotel, aliás, faz esquina com a rua. Como estou cansada de comer atum enlatado, milho enlatado, cenoura enlatada e alface lavado dentro de um saco, com muito vinagre, na pia do banheiro do meu quarto de hotel; resolvi variar.

Nunca gostei de mudanças, isto pode não parecer real para muita gente, mas gosto mesmo é da habitualidade, da rotina, do dia-a-dia, embora me permita, de vez em quando, algumas variações.

Vivi com pessoas que gostavam de variar tanto, que resolveram variar de mim também, mas isto não vem ao caso. Sou fiel a muitas coisas, e não gosto de mudanças, embora tenha tido, ao longo da vida, de passar por elas, muitas delas provocadas por terceiro.

Pronto, divaguei para chegar ao mesmo lugar, o restaurante hibrido: indiano-chines.

Por conhecer um pouco de comida chinesa, porque há muitos restaurantes deles, tanto em Salvador como em Lisboa; viu que chic, sou mesmo uma internacional metida, resolvi comer a comida indiana.

Enquanto esperava a comida, fiquei observando, como sempre, as pessoas que estavam no restaurante. Do meu lado direito havia uma mesa com indianos, cinco homens e umas dez mulheres; as mulheres com idades variadas. Lembrei da novela Caminho das Indias, porque havia Mama Di e muitas outras mamas. As mulheres completamente separadas dos homens, você notava claramente a distinção: homens à direita da mesa, e as mulheres à esquerda.

O que mais me chamou atenção nas indianas é que elas estavam todas com as roupas que apreciam na novela: calças com boca fina e túnicas muita trabalhadas, bordadas de pedrarias, deviam estar comemorando algum aniversário, acho eu. Cada roupa mais bonita de que outra. Os cabelos, Ah que cabelos! Longos, lindos e brilhantes. Todas, invariavelmente, com cabelos além dos ombros. Todas muito bonitas. Como estava quase em frente a elas, tive a oportunidade de bem obervá-las. Falavam baixo, bem comportadas, nao se ouvia sons vindos da mesa, e olhe que tinha mais de 15 pessoas. A Mama Di estava de “sari” de um estampado lindo, embora bem discreto. Somente ela trazia os cabelos presos.

Olhava aquelas mulheres com curiosidade. Primeiro com inveja dos cabelos, que são realmente lindos; segundo com inveja das roupas, algumas muito lindas mesmo, terceiro, e aí já me refiro a todos da mesa, tanto homens, quanto as mulheres, pela maneira de comer. Eles comem tudo com as mãos. Já tinha visto paquistaneses comendo da mesma maneira, quando estive em Barcelona com a promoter, aliás, a única profissional do tipo que conheço; eles colocam um molho de qualquer coisa no prato e molham o pão, que nao é pão, parece um taco mexicano, embora mais fino e estaladiço e comem aquilo como entrada. Não é so isto, tem uma outra coisa mais espessa que eles também introduzem no molho e acompanha a refeição principal. Até então, nada de talhares. De repente vejo o homem que estava na cabeçeira, bem próximo de mim, a comer com uma colher. Estranhei e dei uma olhada para as mesas que estavam ao meu lado ainda vazias, embora prontas para receber os clientes, e vi que os talheres dispostos nelas eram só garfos e colheres. Não havia facas.

Eu já tinha pedido a minha comida e estava a espera, um carril de cabrito com arroz branco. Detalhe, tudo é pago separadamente, pois o cabrito nao tem acompanhamento, como se a gente pudesse comer aquilo sem nada.

Neste momento começaram a chegar os pratos principais da mesa ao lado. Muito arroz e umas cumbucas muito pequeninas. Notei que as cumbuquinhas traziam algo com caldo, não consegui identificar o que era, alguma especie de carril. O certo é que quem não comia com a mão, comia de colher.

Acabaram de comer e vi uma das indianas pedi a uma outra que segurasse uma criança. Que droga! Não sei porque tenho de ficar olhando a vida alheia. Era uma criança com problemas: não tinha movimentos. Não sustentava a cabeça, os braços não dobravam, as pernas também não, ficava babando: um horror! Fiquei deprimida na hora e me perguntando: Por que me queixo da vida? Será que tenho razão de tantas queixas? O que eu faria diante de uma situação daquela? Não nego que as lágrimas cairam, porque eu não consigo mesmo entender qual o motivo que leva Deus a permitir que estas coisas aconteçam. Não adianta as pessoas espiritualizadas me dizerem que isto é carma, que são atitudes de vidas passadas, que são cobradas desta maneira para que a alma se purifique, sei lá mais que tipo de explicação para o inexplicável.

Quem fez errado que se lenhe pagando a sua merda com a própria vida, com a própria pele. Nao venha para cá descontar suas asneiras em quem nada tem a ver com isso. Purificação de alma uma porra! Isto é muito injusto, injusto mesmo.

Minha comida chegou. Provei e não gostei. Uma mistura de muitas especiarias, que termina tirando o sabor da carne. Pedi cabrito lembrem! Sentia gosto de pimenta, de piri-piri, de açafrão, mas não conseguia sentir o sabor da carne. Trouxeram molhos em uma espécie de castiçal com três tigelas: duas delas com molho vermelho e uma com um molho verde. Bom, o molho verde era pimenta verde batida com alguma coisa que a deixava pastosa; o vermelho parecia aquele molho chinês meio doce, e o terceiro era pimenta mesmo, molho de pimenta vermelha.

Não gostei da comida e não repito, mas enquanto disputava o dinheiro e matava a fome, pois só como uma vez por dia aqui em Maputo, sempre à noite, continuava a observar os indianos. Todos, sem exceção, tratavam aquela criança com um grande amor, pelos menos é o que aparentavam Os homens começaram a se reservar segurando-o. Tudo tinha de ser feito com cuidado, talvez, com técnica, pois a cabeça da criança nao podia ficar pendente e sempre tinham que estar llimpando a baba.

Um dos homens, quando o segurou, conversava com ele. A criança dava urros, parecia entender o que aquele homem lhe dizia. Pelo relacionamento dos dois, aquela conversa parecia ser um hábito entre eles.

Olhava aquilo e chorava. Me perguntava se seria eu capaz de suportar uma situação daquela; de brincar com a criança, de tê-la nos braços. Não sei se seria capaz mesmo.

Mesmo com tudo isto, continuei a observar os indianos como um todo. Vi o garçon se aproximar com um balde de inox, um prato com uns rolinhos e algumas tigelas. Pensei que era “deserts” e fiquei olhando atenta para descobrir o que era. Que sobremesa que nada! Era cumbuca para lavar a mão. O que eu pensava ser um doce era uma espécie de lenço pequenino bem dobradinho, que era colocado na água para que eles lavassem as mãos. Tem de ser porque, já que se come tudo com a mão, não seria provável que todos tivessem de ir ao lavabo para lavar as mãos: é melhor  que o  lavabo venha até à mesa daquela maneira peculiar. Parece com aquilo que, nos restaurantes que servem mariscos, lhe dão com água e limão; evidentemente que isto não acontece em barracas de praia e nem nas "cabanas dos joãos" da vida.

Todos lavaram as mãos com aquilo e se foram. Eu ainda fiquei ali comendo aquela comida, que não recomendo, chorando e dando a desculpa ao empregado de que a pimenta era tão forte que me deixou assim, lacrimejante.

Paguei a conta, sem qualquer entusiamo, e voltei para o hotel.

Espero que tudo isto me leve a uma reflexão sobre a vida, sobre o que penso, sobre mim mesma e minha relação com os demais que me circundam: mas nada disto afastará a pergunta que vou continuar a fazer ao de lá de cima: Por que?



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