quinta-feira, 15 de março de 2018

O Sr. da Torre e a Vereança


Estava no comboio entre o Cais Sodré e Cascais e, passando pela Torre de Belém lembrei-me do Sr. da Torre fiquei imaginando como teria sido a sua partida. Confesso que este pensamento me deixou muito triste, não por causa do Sr. Garcia D´Ávila, embora a lembrança dele, que desencadeara todo o pensamento, me deixava aflita, pois pensei no sofrimento daqueles que partiam e daqueles que viam partir os seus filhos, esposos, pais.
Torre de Belém -Pt´
Este pensamento me incomodou anto que fiquei mesmo triste e perguntando-me, quem teria ido se despedir do Sr. Garcia D´Ávila.  Uma irmã, sua mãe, um irmão?  Continuo sem saber, porque a vida do Garcia antes de sua ida para o Brasil é uma verdadeira incógnita. Ninguém fala nada, e alguns arriscam a dizer que ele era criado de Tomé de Souza, sendo criado no sentido de ser criado na casa, e não criado no sentido de empregado.
Por causa destes pensamentos fui reler os Lusíadas de Camões, pois lembrei que tem uma passagem que ele fala literalmente desta partida dos portugueses para mares longínquos e, para ratificar os meus temores e tremores, pois o pensamento me angustiava tanto que me dava arrepios, encontrei:

   
     
Cascais Pt
A gente da cidade aquelle dia

(Huns por amigos, outros por parentes
Outros por ver somente) concorria,
Saudosos na vista, e descontentes,
E nós, com a virtuosa companhia
De mil Religiosos diligentes,
Em procissão solemne a Deos orando,
Para os batéis viemos caminhando.
Em tão longo caminho, e duvidoso,
Por perdidos as gentes nos julgavam
As mulheres com choro piedoso,
 Os homens com suspiros que arrancavam,
Mãis, esposas, irmaõs, que o temeroso, Amor mais confia, acrescentavam
A desesperação o frio medo
De já não nos tornar a ver tão cedo

      Já a vista pouco a pouco se desterra
      Daquelles  patrios montes que ficavam,
      Ficava o charo Tejo e a fresca serra
      De Cintra  e nella os olhos se alongavam
      Ficava-nos também na amada terra
     O coração que as mágoas la deixavam
     e já depois que toda se escondeo
     Não vimos mais, em fim, que o mar, e o Ceo"[1]  

Praça do Comercio Pt 
Vocês podem bem  assimilar, através dos versos deste ilustre português, que participou de tantas viagens, portanto ele mesmo sentindo a dor da partida e a dor de quem ficou à espera de quem podia,  como se sofria em cada uma destas despedidas.

Bom, mas eu não podia ficar assim tão triste e deprimida, afinal estava em Lisboa e tinha de me animar para aproveitar muito a terrinha do Sr Garcia D´Avila, e ai já comecei a me preocupar com ele. Será possível que ele podia aparecer por ali! Fiquei apreensiva só de pensar na possibilidade. Imaginei a cena: o Sr. Garcia me enchendo a paciência, me perguntando coisas e eu calada, sem poder responder nada, porque estava no comboio e muita gente a me olhar. Que droga que seria!  Procurei afastar o pensamento do Sr. Garcia, mas parecia que o homem estava querendo aparecer de qualquer maneira.
Felizmente ele não apareceu nem ali e nem em lugar algum, enquanto eu estava em Lisboa. Pensei até em ir em Rates, mas desisti.
Cheguei em Salvador e, chegando em casa, ao abrir a porta, e isto era quase meia noite, quem é que está de um lado para outro na varanda: O Sr. da Torre, que parecia muito irritado.
Logo atrás de mim estava o meu irmão, e eu vi o Sr. da Torre vindo na minha direção  indignado e bradando. Dei uma recuada e meu irmão perguntou-me: o que houve? Você está amarela! Viu alguma coisa aí?
Não, nada, penso que é a emoção de estar chegando em casa mesmo.
- Por que você não diz a ele que eu estou aqui? Ou melhor, este homem aí não está a ver-me?
Não podia responder nada e deixei o Sr. Garcia falando sozinho, o que o irritou mais ainda.
Meu irmão ajudou-me com as malas, olhou a casa toda e em seguida foi embora, e aí foi que eu pude me dirigir ao Sr. Garcia, que estava mesmo irritadíssimo
-Quem é este moleque que veio ai consigo?
-Meu irmão Sr. Garcia, meu irmão.
-Nunca disseste-me que tinhas irmãos!
-O Sr nunca me perguntou.
- Onde ele mora?
-Tenho vários irmãos e cada um mora em um lugar, aqui em Arembepe, e em outros lugares em Salvador, uma delas mora em Sergipe Del Rey
- Onde? Sergipe Del Rey! É outra que vive nas minhas terras sem pagar-me foro?
- Sei lá Sr. Garcia se esta parte, onde ela mora, é vossa.
- Isto agora não interessa? Onde estivestes? Vim aqui inúmeras vezes e não estavas em casa.
- Viajei Sr Garcia, fui em Portugal?
- Onde? Em que nau viajastes? Não soube de nenhuma partindo por estes tempos, tampouco de nenhuma chegada de qualquer nau hoje.
 acesso à Capela Sistina-Vaticano
Fontana de Trevi - It
Meu Deus, como explicar a este homem que fui de avião?. Era melhor não.
Como fui não vem ao caso, mas o certo é que fui e estou chegando agora, como o senhor pode ver. Estive na Itália e em Portugal.
-Itália? Que fostes fazer na Itália?
-Fui ver o Papa?
-O que! Tu fostes ver o Papa, a troco de que?
- A troco da fé Sr Garcia, apenas isto.
- E ele recebeu-te?
-Não, não o vi
-Tinha graça, ele jamais receberia uma mulher sem eira nem beira.
Dei risada, então era assim que aquele filho da mãe me via, uma mulher sem eira nem beira, talvez até uma desclassificada.
-Sabe Sr Garcia pensei muito no senhor enquanto estava em Portugal, principalmente quando estive em Belém: Quem foi chorar a sua vinda para o Brasil?
-Ninguém foi chorar a minha vinda para o Brasil, eu vim com o Tomé de Souza e quem se despediu de nós foi a esposa e a família dele, afinal eu morava na casa dele.
-Por que o senhor morava na casa dele?
O homem me olhou de uma maneira que parecia querer me matar, tive, imediatamente, de mudar o rumo da prosa.
-Senhor Garcia, como foi que o senhor se tornou vereador?
- Fui escolhido entre os homens bons da cidade?
-Como era feita esta escolha?
-Então não sabes? Sabes de tudo e não sabes disto?
-Não, não sei, eu gostaria muito de saber de tudo, mas não sei.
-Bom fui vereador em 1591, na vigência das Ordenações Manuelinas, embora já existissem as Ordenações Filipinas, que ainda não tinha sido promulgada. A esta época eu era já muito rico e influente, fazia parte do que se denominava “homens bons” e, portanto, podia participar da lista para concorrer à vereança. Se fazia uma lista com o nome do homens bons, escolhe-se dos listados três nomes para cada oficio. Tais nomes  são colocados nos pelouros e, no final do ano, estes pelouros são abertos e aí fica-se sabendo quem serão os vereadores, juízes do período.[2]    
- Quais as funções do vereador Sr. Garcia?
- As funções dos vereadores estão descritas nas Ordenações Manuelinas[3], somos responsáveis pelos bens dos concelhos, suas aguas, posturas, comércio,enfim. Mas qual é mesmo o vosso interesse em saber destas coisas?
-Quem sabe quero ser uma vereadora
-kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk, nunca, es mulher e mulheres não participam das listas.
- Saiba Sr. Garcia, que na atualidade as mulheres participam de toda a vida politica dom país, podem ser vereadoras, deputadas, senadoras, Juízas, procuradoras, ou seja: podem exercer qualquer profissão.
-Estás a sonhar, em que época vives? Lugar de mulheres é na cozinha, cuidando da casa e servindo aos seus homens.
- No vosso tempo Sr. Garcia, no vosso tempo.
Notei que o Senhor da Torre estava ficando, como sempre, possesso, pois ele tinha um tic especial, começava a ficar vermelho, a voz ficava alterado e começava a bater o pé no chão, mas o que eu podia faze. Na realidade eu queria mesmo era aborrecê-lo um pouco para ele ir logo embora, afinal eu tinha acabado de chegar e estava cansada.
-Vou-me embora, estás muito ousada hoje, deve ser, se é que é real que fostes ao Reino, o que duvido, a não ser que sejas mesmo uma bruxa, influências dalgumas mulheres da terra.
Achei ótima a decisão do Sr. da Torre de ir embora, ele já estava saindo todo zangado, quando, antes de chegar ao portão, virou-se e disse:
Só escapas da Inquisição porque gosto de ti, apesar das suas loucuras, e ainda vou levar-te para Tatuapara, onde vais viver comigo e me dar os herdeiros que quero.
Confesso que tremi com estas últimas palavras, o fato dele ser espirito e da impossibilidade do seu desejo materializar-se, não me deixava tranquila, muito prelo contrário, cada dia eu ficava muito mais preocupada, quanto pior quando lembrava de Dona Flor e seus dois maridos. Nem queria pensar na hipótese de, ainda que no campo espiritual este homem tocasse em meu corpo, Ave Maria! Jesus é mais!
E fui deitar-me rezando pela alma do Sr, da Torre                                                                                                                                                             



[1] Luis de Camões, Os Lusíadas [1] Canto IV e V do LUSIADA  de Camões. –  Tomo I, Lisboa, Typografia Lacerdina 1805 pgs 154,155 e 162 - A edição citada dos Lusíadas pertence ao acervo pessoal de Vera Correia.
[2] Pelouros eram pequenas bolas de cera onde era introduzido um papel com o nome da pessoa que fora escolhido para vereador ou para Juiz Ordinário. No final de cada ano fazia-se o sorteio e o nome que estivesse na bola sorteada é que era o vereador ou o Juiz no ano seguinte.
[3] Título XLV do Livro I das Ordenações Manuelinas e LXVI  do Livro I das Ordenações Filipinas

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Uma nova visita a Lisboa




Lisboa
Estou cá em Lisboa. A cidade está completamente renovada: muitos bares, restaurantes, museus novos, tudo muito bonito. Inúmeras casas sendo remodeladas, sempre com o cuidado de manter a fachada antiga, para não modificar  a fantástica arquitetura. Do Cais do Sodré até a Praça do Comércio o passeio pelo Tejo é fantástico. Apesar do frio, o sol brilha, e as pessoas estão sentadas nas escadarias feitas exatamente para isto, penso eu, aproveitado o mínimo de calorzinho que o sol oferece.
Chego à Praça do Comércio e do Tejo observo o Arco da Rua Augusta. Fenomenal, é lindo, não só lindo, passa para todos um sentimento de poder, uma representação muito grande do poderio.  A rua Augusto com as suas pedras portuguesas que brilham tanto, penso sempre que por muito pisadas, esta apinhada de gente. Não são portugueses, são turistas de muitos lugares, inclusive do Brasil, aliás, muitos são mesmo brasileiros, o que me desperta para questionamento de como vem assim aos montes, estando o Brasil a passar por tantas dificuldades económicas e o euro alcançando a casa  dos  R$4.30. Não sei o que fazem para arrumar dinheiro, eu só estou aqui porque pagaram a  passagem  e estou na casa da Vera, caso contrário estaria  lembrando de Portugal e  chorando de saudades sem nada poder fazer.   
Rio Tejo
Apesar de saber que esta invasão turística é boa para o país, sinceramente, não gosto  dela, porque  ela me impede de ver a minha Lisboa como gosto, andando solitária pelos becos e escadarias da cidade, agora, em cada canto, há uma tasca e lá estão os turistas aos montes, gargalhando, falando alto, maculando a paz de cada recanto  desta  bela e altiva cidade. O Tejo, Ah o meu Tejo! parece passar mais depressa, possivelmente para não ver a quantidade de gente que fica a olhar para ele, talvez, como eu, a chorar mágoas e a pedir-lhe coisas, além de  pisar sobre a sua amada, sem qualquer respeito.
Farol em Cascais
Ainda ontem estive em Cascais e, no trem, vi cinco jovens, acho que alemães; tenho certeza que no país deles jamais fariam isto, e eles estavam sentados  nas poltronas virados para o corredor, ou seja, as pernas passadas por cima dos braços das poltronas; fiquei pedindo a Deus que   um daqueles fiscais bem chatos entrasse na carruagem, mas, não apareceu nenhum. Eles saíram no Estoril, estavam todos quatro rapazes, porque havia uma mulher no meio deles,  com uma garrafa de cerveja na mão, e já pareciam bem alterados.
Enquanto aguardava o trem na estação de Oeiras vi um cidadão que estava sentado com as pernas esticadas, ou seja,  as pernas empatando as pessoas que estavam passando, e o que era pior: se alguém tropeçasse nas pernas dele cairia direito nos trilhos do trem.  Um senhor idoso que ia passado falou para o rapaz encolher as pernas, e o jovem simplesmente destratou o velho que estava reclamando da coisa mais racional possível para um ser humano normal. Fiquei observando a cena : o velho  refilou muito, mas o jovem só tirou a perna na hora que o comboio chegou. O pior disto é que no trem notei que o jovem era português e não um turista.
Igreja de Fátima
Cheguei em casa com vontade de escrever de Portugal e para Portugal, mas como ia me emocionar muito  não o fiz, o faço agora, aproveitando a tranquilidade da casa da Vera, no nono andar de um prédio em Oeiras, de onde posso ver umas boa parte da cidade e, ao longe, o Castelo dos Mouros em Sintra, vendo ainda todo o contorno da serra. Sim, gosto desta paz, do lugar, da vista)embora preferisse ver o Tejo, claro), penso que poderia viver aqui para sempre; claro que não nas circunstâncias em que me encontro, mas  viver mesmo, morar, estar aqui para sempre para poder andar por Lisboa vagarosamente para vê-la como deve de ser. Sair sem ter qualquer hora para voltar, sem estar preocupada em ir para outro lugar, porque tem de ser tudo rápido. Queria sentir Lisboa minuto a minuto, desfrutar do Tejo, ir com calma à Merendinha do Arco, encontrar com os meus “velhos amigos”. Ah! Mas como isto está distante de mim, assim tenho de correr mesmo, ir aonde quero, e são tantos os lugares!,  com tempo  marcado.
Ainda não fui a Belém, nem sei se irei, mas como aquele sitio é tão vivo dentro de mim, e não só de mim, como dos portugueses e mui particularmente, dos brasileiros em geral, vou declinar mesmo, entretanto, só a lembrança de Belém me transporta para  um outro mundo, um outro tempo, aquele dos descobrimentos, e eu fico pensando como seria a partida daqueles homens, que deixavam as suas esposas, mães, pais, filhos, para se aventurarem em “mares antes nunca d´antes navegados[1]”. Devia ser horrível para todos. O sentimento de pavor ao se pensar no não retorno dos entes queridos devia ser uma tristeza imensa.
Por um momento lembro do diabo do Sr. Garcia Dávila, e até rezo para que ele não me apareça aqui, mas não posso deixar de pensar que ele era um homem muito do estranho; então será que ninguém chorou a sua partida? Por que diabos ele não fala disto nas suas aparições?  Não é possível que ele não tenha deixado ninguém por aqui. Será que nem mesmo a senhora sua mãe se importou?
Fico pensando nisto e vou me encaminhando para  o Cais do Sodré, porque estou voltando para casa já,  desisti de ficar em Lisboa, tá uma confusão danada de gente para lá e para cá. Lembro-me que do comboio posso ver a Torre de Belém nitidamente, é um belo passeio inclusive, ir de comboio do Cais Sodré a Cascais, uma delícia mesmo. Meu pensamento continua no tempo dos descobrimentos, pois dá uma vontade danada de chorar, parece que participei daquela história e vi alguém parti para não mais voltar, um português bigodudo que ia casar comigo, mas foi descobrir novas terras e cá deixou-me, o que me faz vim todos os dias no cais para esperar o seu retorno. Dou risada com o pensamento e percebo que estou reproduzindo, em mim, um pedaço da música  que a Carminho canta. “Na beira do cais quem me vê já me conhece, sou aquela que não esquece que é do mar que tu virás”; dou risada sozinha, quase gargalho: Tá doida mulher! Penso comigo.
A Torre está bem nítida a meu lado e chego a ouvir os suspiros de dor, os soluços abafados com lenços brancos,  que acenam para aqueles que, sem olhar para trás, para evitarem maior sofrimento ainda, e para também esconderem as lágrimas, por terem de demonstrar a firmeza, a macheza dos homens portugueses,  embarcam nas naus que estão a se preparar para partir, e isto me leva, outra vez a Camões :
“A gente da cidade aquelle dia
(Huns por amigos, outros por parentes
Outros por ver somente) concorria,
Saudosos na vista, e descontentes,
E nós, com a virtuosa companhia
De mil Religiosos diligentes,
Em procissão solemne a Deos orando,
Para os batéis viemos caminhando.[2]
Em tão longo caminho, e duvidoso,
Por perdidos as gentes nos julgavam
As mulheres com choro piedoso, Os homens com suspiros que arrancavam,
Mãis, esposas, irmaõs, que o temeroso, Amor mais confia, acrescentavam
A desesperação o frio medo
De já não nos tornar a ver tão cedo[3]

      Já a vista pouco a pouco se desterra
      Daquelles  patrios montes que ficavam,
      Ficava o charo Tejo e a fresca serra
      De Cintra  e nella os olhos se alongavam
      Ficava-nos também na amada terra
     O coração que as mágoas la deixavam
     e já depois que toda se escondeo
     Não vimos mais, em fim, que o mar, e o Ceo"[4]  

Lágrimas escorrem por minha face, felizmente estou chegando em Oeiras. Saio do comboio e, como uma mágica, todo este pensamento se esfuma e sigo para a casa da Vera, como Camnões vou ver, ainda que por hoje, a Serra de Sintra.















[1] Canto Primeiro I do LUSIADA  de Camões. – Lusiadas de Luis de Camoens, Tomo I, Lisboa, Typografia Lacerdina 1805 pg 1.
[2] Idem,  Canto IV LXXXVIII, pg.154
[3] Ibdem  Canto IV LXXXIX pg 155
[4] Ibdem,  Canto Quinto III g.162, 
OBS - A edição citada dos Lusíadas pertence ao acervo pessoal de Vera Correia.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Garcia D´Avila VIII - O naufrágio da Nau Santa Clara

Praia do Piruí-Arembepe
Eu andava muito preocupada com as aparições o Sr. D´Ávila, o homem não tinha limite e estava em todos os lugares, agora ele já não escolhia a minha casa, estava em qualquer lugar que eu estivesse. Hoje, especialmente hoje, sai para andar pela praia, faço isto sempre, acordo cedo e vou caminhar, vou até o hotel que fica lá no final da praia do Piruí em Arembepe, já chegando  num condomínio de luxo que tem por ali, por trás da Milenium, antiga Tibrás. Vou pen sando em mil coisas, inclusive no próprio Sr. D´ Ávila, mas não imaginei que ele apareceria ali, na praia.
- Estás a andar nua? Que tipo de roupa é este que vestes? Não é roupa de índia, não é roupa de brancos, o que é isto? Não tens vergonhas de mostrar assim os seus pudores?
Reconheci de logo aquela voz, aliás só o Sr. D´Ávila é que falaria comigo assim.  Olhei para os lados e lá estava ele guardando uma certa distância de mim, que estava andando bem à beira d´água. Acho que ele não queria se molhar,
Pôxa Sr. D´Ávila, nem aqui o senhor me deixa em paz?
Arembepe
-Por que eu a deixaria em paz? Não sei porque ficas tão incomodada com a minha presença, devias gostar muito dela, porque es tão sozinha, nunca vejo-te com alguém, estás sempre so naquela casa, só vejo-te em companhia de livros, e daquela madeira preta, pareces que não fazes nada além disto na vida.
Dei risada e continuei andando e olhando o Sr. Garcia se livrado das ondas que insistiam em quebrar na areia bem próximo de onde ele caminhava a seguir-me.  Era muito engraçado, ele todo vestido com suas roupas  de “nobre” tentando se equilibrar na areia.
- Sabias  que houve um naufrágio aqui nesta zona?
-Ouvi falar, mas não sei de muita coisa a respeito.
- A nau foi a “Santa Clara, que ia para a Índia , estando sobre amarra, e foi tanto tempo que sobreveio, que a fez ir à caceia, que foi forçado cortarem-lhe o mastro grande, o que não bastou para se remedear, e os oficiais da nau, desconfiados da salvação, sendo meia noite, deram à vela do traquete para ancorarem em terra e salvaram aas vidas, o que lhe sucedeu pelo contrário, porque sendo esta costa toda a limpa, afastada dos arrecifes, foram varar por cima de uma laje, não se sabendo outra de Pernambuco até a Bahia, a que laje está um tiro de falcão ao mar dos arrecifes onde se esta nau fez em pedaços e morreram neste naufrágio passante de trezentos homens com Luis de Alter de Andrade, que ia por capitão” (SOARES, 1587:71)[1]
- Foi mesmo Sr. Garcia, não sabia que tinha sido nesta proporção, alguém aqui tinha me falado de um naufrágio por estas bandas, mas ninguém tem muita informação a respeito.
- Pois é, morreu muita gente e nada se pode fazer
- Sr Garcia, não se faça de inocente, todo mundo sabe que o Sr mandou os índios mergulharem para pegar o ouro que estava na nau, não só o ouro como pedras preciosas, alguns até afirmam que toda a sua riqueza foi proveniente do que o senhor encontrou na nau.
Arembepe
- Ah sim, eu que não trabalhasse muito e multiplicasse o meu gado, os meus escravos, não fizesse crescer as minhas olarias e não construísse os meus currais e embarcações, para ver se eu tinha algum dinheiro, ou melhor, tinha enriquecido.  Todavia, o vulgo diz o que quer.
- Sr. Garcia  quando se deu este naufrágio?
- Em 1573.
O Frei Salvador também falou deste naufrágio.
-E o que foi que ele disse a respeito, falou em meu nome?
-O que é Sr. Garcia, tá com medo de que, o senhor não disse que a estória do tesouro é  conversa do vulgo?
-É sim, mas diga-me lá o que o Frei Salvador escreveu.
“Também neste tempo deu a nau Santa Clara indo para a Índia, à costa no rio Arembepe à meia-noite, dando por cima de uma laje, um tiro de falcão do recife, e se perderam  mais de trezentos homens, que nela iam com o capitão  Luiz de Andrade.
Dista o rio donde  nau se perdeu cinco ou seis léguas desta cidade, e assim acudiu logo lá muita gente e se tirou do fundo do mar muito dinheiro de mergulho, de que se pagaram per si os búzios, e nadadores, e muitos que nada nadaram.  A isto acudiu o bispo com a excomunhão da Bula da Ceia contra  os que tomam os bens dos naufrágios; não se aproveitou alguma coisa, só sei, que ouvi dizer a um, dali a muitos anos, que aquele fora o tempo dourado para esta Bahia pelo muito dinheiro que nela corria, e muitos índios, que desceram do sertão, e bem dizia dourado e não de ouro, porque para  estes outras coisas se requeriam’ (FREI VICENTE DO SALVADOR, pp65-66).[2]

-Estás a ver: este Frei Salvador não disse nada a respeito de mim.

-Sim, ele não citou o seu nome, mas todos sabem que o senhor foi quem mandou os índios mergulharem para catar o tesouro

-Já disse-te disse que isto é conversa mole! Então a nau vai a pique em 1573, depois de 24 anos que estou cá, e foi o ouro que tirei dela é que me deixou rico?  Em 1573 eu já tinha meu gado, minhas olarias, minha casa em Tatuapara, meus currais, era vereador, fazia parte da fidalguia, era um dos “homens bons da cidade”, enfim, eu já estava rico.
- Começo notar que o Sr. Garcia estava a ficar nervoso; é que ele efetivamente não gostava de ser contrariado.
 Eu continuava a falar do naufrágio, e ele parecia estar mais preocupado em não se molhar com as ondas de que com qualquer outra coisa, erar muito engraçado vê-lo correr das ondas, porque eu ficava me perguntando, será que espirito se molha?
Era já difícil para mim achar que o homem da Torre era só um espírito, é que, para mim, ele era tão real, tão palpável, embora eu nunca tenha, sequer me atrevido a tocá-lo; primeiro não saberia a sua reação, aliás garanhão como ele era e com o que ele já tinha dito-me a respeito de me levar para Tatuapara, todo cuidado era pouco: segundo porque eu tinha medo mesmo, sei lá, se eu pegasse nele e sentisse mesmo ele vivo, real! Acho que eu teria uma sincope.
-  Diga-me lá homem, quanto de ouro foi tirado do navio, e é verdade mesmo que o Bispo lhe excomungou?
Arembepe
-Então achar que o Bispo ia me excomungar? Eu que  vivia ajudando as autoridades, recebendo visitadores na minha, fazendo doações ao clero, permitindo que aldeamentos fossem instalados nas minhas terras, ia ser excomungado? Mais fácil seria  mandar o Bispo embora.
-Tenho uma curiosidade grande para saber como o Sr. Tornou-se vereador
- Por que?  Qual o seu interesse neste assunto?
-Bom Sr. Garcia, eu queria saber mesmo como foi, porque na atualidade um vereador é eleito pelo povo.
-Kkkkk, é o que? Eleito pelo povo! Estás parva ou o que para dizer uma barbaridade desta? Então o povo sabe lá de nada, ainda mais aqui nesta terra onde quem não é índio, é mameluco, quem não é mameluco é negro escravo, e quem não é nada disto são portugueses que vieram para cá como degradados, gente da gentalha de Portugal.
-Que coisa retrógada senhor Garcia, e as pessoas que vieram para ajudar na construção e povoamento da cidade, não conta?
Uma meia dúzia de profissionais especializados.
-E as mulheres Sr. Garcia, as mulheres que para cá vieram, elas não contam?
- Não, não contam, além do mais, algumas mulheres que vieram parar aqui também vieram por conta do cumprimento da pena de degredo. Algumas eram feiticeiras e foram condenadas pelo Santo Oficio, quando aqui foi instalado em 1591, a exemplo de Maria Violante, Arde-lhe o Rabo, outras era taberneiras, mundanas. As que vieram com seus maridos, pouco ou quase nada poderiam fazer, a não ser cuidar da casa e dos criados, as vezes com eles se confundindo.
-Arde-lhe o Rabo? Que alcunha é esta? Por que a chamavam assim?
Não sei, não a conheço, só ouvi falar.
Conte-me mais Sr. Garcia s ore a vereança, como o senhor foi escolhido
 Como me tornei vereador! Ora então eu não sou um dos homens mais ricos destas terras, não faço parte dos “homens bons”[3] desta terra! Não tenho interesse em fiscalizar as coisas de mais perto e de fiscalizar os atos do Governador e demais administradores?
- Vamos Sr Garcia, diga-me lá como foi. Acho muito interessante que o sr tenha sido vereador com tantos interesses que o senhor tinha a defender em benefício próprio.
-Senti, olhando-o de soslaio, que êle não gostou muito deste comentário, também vi que, apesar de não ter gostado tinha um sorriso maroto nos lábios.
Piruí - Arembepe
Sei que o Sr. E o Gabriel Soares eram vereadores.
Estás muito bem informada, isto mesmo, eu o Gabriel éramos vereadores na época.
O que um vereador fazia mesmo?
-Olhe eu estou muito cansado, vou-me agora.
Dizendo isto, simplesmente desapareceu, e eu terminei a minha caminhada pela praia, agradecendo a Deus que não tinha ninguém por ali, pois, se tivesse alguma alma por aquelas bandas,certamente constataria o que todos dizem de mim, que sou maluca e que estou piorando, pois  agora dei para falar sozinha, conversando com uma pessoa imaginária.







[1] SOARES. Grabriel S. Tratado Descritivo do Brasil, 1587, pg 71
[2] Frei Vicente do Salvador, Historia do Brasil, p. 65
[3] Homens bons – homens que participavam da vida pública, homens ricos, livres, proprietários, de sangue limpo, no Brasil, os senhores de engenho, os grandes proprietários de terras, os donos dos gados.

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Ifgrejas pelo Mundo

Igreja deSanto Antonio -Requengos de Monserrat - Alen
Nossa Senhora da Lagoa Monsarraz - Alentejo - Pt

Monsarraz
São Jose  de Matosinhos - Pt
C ascais

sábado, 20 de janeiro de 2018

Garcia D´Ávila VII - Falando de Mem de Sá

O Sr. da Torre demorou a voltar a parecer, quando, após uns quatro meses de ausência, adentrou ao meu quarto, como sempre, quase caio, porque a presença dele me assustava mesmo, depois de quase dois anos de aparições eu ainda não estava acostumada com aquele senhor prepotente, audacioso, safado que sempre aparecia em horas pouco convenientes.  Neste dia ele me pegou quase nua, estava de calcinha mudando a roupa e o miserável aparece e fica em frente a mim a me olhar com uma cara voraz. Nem mesmo sabendo que ele não era matéria, ficava completamente atordoada. Pensei comigo, hoje vou atordoá-lo um pouco.
-Bons dias Sr. D`Ávila. Que ventos o trazem aqui.
- Podes não crer, mas sinto saudades tuas, das tuas conversas, da tua maneira de falar sobre mim. Tenho ganas de levar-te para Tatuapara e não deixar mais que te afastes de mim!
Caraças, pensei eu. Filho da mãe, eu que pensava em atordoa-lo, é que fiquei atordoada. Será que o Sr. Garcia estava se apaixonando por mim! Que lástima Meu Deus, agora eu era apenas uma obsessão de um espírito! Que final de vida amorosa para uma pessoa de 60 e poucos anos. KKKKK: É, só rindo.
Para quebrar esta leva de pensamentos horríveis e tenebrosos perguntei ao Sr. Garcia:  então, estavas com alguma rapariga? Vais casar outra vez?
-Casar! Eu, és parva: nesta idade vou lá mais me casar com ninguém, além do mais tenho tantas mulheres quanto quiser, as minhas índias sempre gostaram, e gostam.   de fornicar comigo, não preciso de uma mulher, mulher só serve para dividir nosso patrimônio, atordoar nossas cabeças e dar dinheiro aos padres: não te lembras o que a Mecia fez? Até hoje tento reverter esta situação.
- Ah senhor Garcia se o Sr. conhecer a Dona Maria Augusta Sobral, o senhor muda de opinião.
-E quem é esta tal de Dona Maria Augusta Sobral?
- Ela chegou recentemente da metrópole, é de Évora, Alentejo, agora está viúva e tem muito dinheiro, fala alemão, francês, é muito prendada, é uma verdadeira dama.
-E que diabos vem uma mulher desta fazer neste inferno?
-Ficou viúva, tem muito dinheiro e quer fazer um engenho.
-E onde está esta mulher agora? Não que tenha interesse, mas sempre é bom conhecer um rabo de saia novo.
- Neste momento eu não sei, mas penso que ela é hóspede do Governador
-Desgraçado, não me disse nada e estive com ele ontem. Mas diga-me lá, como se mantem tão bem informada das coisas que se passam na Baía?
-Já vos falei, eu leio muito e tenho acesso à documentação do tempo que o Senhor era o Grande Senhor da Torre de Tatuapara, vereador da Câmara, o homem rico e influente nos destinos desta terra.
- Tu sabes bem levantar a moral de um homem.
- Deixe de modéstia Sr. Garcia, o Sr. era um retado mesmo
-Era o que?
Ri, só me apercebi do palavreado que usara com a interrogação dele.
-Poderoso Sr. Garcia, muito poderoso, destemido, aventureiro, ganancioso, determinado.
O homem estava com cara de pavão, ele gostava mesmo destes elogios: quanto pior, eu estava falando a verdade, era mesmo tudo isto, cheio de defeitos, pois era mais de que prepotente, tratava mal seus indígenas escravos, trabalhava sempre em seu favor e dos “homens bons” e ricos da terra, sem se preocupar minimamente com os seus indígenas, com a exploração deles, com a invasão das suas terras, com a dizimação de aldeias inteiras.
Sr. Garcia, como era o seu relacionamento com Mem de Sá, olhe que passou bem tempo por estas bandas.
-Sim, sim, ele faleceu aqui e foi enterrado na Igreja dos Jesuítas.
-Na Catedral?
-Não, na Igreja dos Jesuítas, na Igreja do Colégio
Bom, eu sabia que era na Catedral, mas para que discutir:  a Igreja era a mesma mesmo, se não a mesma, fora ali a dos jesuítas.
-Sim, senhor Garcia como era o Mem de Sá?
- Um homem enérgico, já chegou aqui com todo folego, veio para o lugar de Duarte da Costa, encontrou os índios num tremendo levante, além dos franceses no Rio de Janeiro. Ele aqui chegou em 1557 e foi um grande administrador, “ele era um letrado que, dentro da hierarquia do serviço real, conseguira atingir um cargo na Casa de Suplicação e recebera o título honorifico de Conselheiro do Rei”( SCHWARTZ,1979:29) Isto significa que ele chegou aqui todo poderoso e realmente não fez por menos, comunicou de logo ao rei que a “terra estava cheia de exilados e malfeitores, muitos dos quais mereciam a pena de morte, por terem como única ocupação tramar coisas más”[..] [...]Quando  não estava ocupado com assuntos militares o governador geral devotava muito tempo e energia à supressão do vício, da usura, do descaso para com o dever e da má administração.(SCHWARTZ,1979:30).[1]
- É parece que o Mem de Sá era mesmo um homem muito preparado e governou bem o Brasil.
- É, mesmo tendo trazido para cá o mamposteiro.
-Mamposteiro? O que é isto?
- Um funcionário civil designado para cada capitania a fim de proteger e resguardar a liberdade dos índios,[2] isto desagradou muitos, mui principalmente a mim.
- Mas. soube, pelo Gabriel Soares de Sousa, que ele e o seu comandante Vasco Rodrigues de Caldas acabaram com os índios, queimando umas trinta aldeias.[3]
- Por quem soubeste disto?
-Por Gabriel Sr. Garcia, ele escreveu um tratado sobre o Brasil, aliás já lhe falei dele, porque o senhor é bem citado no livro, isto ele fez em 1587.
-É o Mem de Sá foi bem duro com os índios, afinal ele tinha de demonstrar força para amedrontar os indígenas, que são impossíveis mesmo.
 -Todavia parece que ele era muito respeitado pelos jesuítas. O Sr sabe que José de Anchieta fez um poema para êle?
-Não, não sabia, esses jesuítas adoram babar o ovo das autoridades e dos ricos, afinal vivem da caridade deles.
Sinto uma ponta de inveja e sarcasmo nas palavras do Sr da Torre, mas fui em frente e li alguns trechos do poema para êle,  que ficou bem incomodado:

 “Ó que faustoso sai, Mem de Sá, aquele em que o Brasil
te contemplou! quanto bem trarás a seus povos
abandonados! com que terror fugirá a teus golpes
o inimigo fero, que tantos horrores e tantas ruínas
lançou nos cristãos, arrastado de furiosa loucura!

 “Assim se expulsou a paixão de comer carne humana,
a sede de sangue abandonou as fauces sedentas;
e a raiz primeira e causa de todos os males,
a obsessão de matar inimigos e tomar-lhes os nomes,
para glória e triunfo do vencedor, foi desterrada.
Aprendem agora a ser mansos e da mancha do crime
afastam as mãos os que há pouco no sangue inimigo
tripudiavam, esmagando nos dentes membros humanos.
Há pouco a febre do impuro lhes devora as entranhas:
imersos no lodaçal, aí rebolavam o fétido corpo,
preso à torpeza de muitas, à maneira dos porcos.
Agora escolhem uma, companheira fiel e eterna,
vinculada pelo laço do matrimônio sagrado
que lhe guarda sem mancha o pudor prometido.”

“Como quando as baleias sobem do fundo do abismo
e se acolhem às enseadas do litoral brasileiro
na quadra em que se entregam ao serviço da espécie:
então travam combates ferozes ao soçobro das ondas
e lançam até as nuvens jatos de água espumante:
Atônitos na praia os homens assistem à luta gigante
dos monstros descomunais entre as vagas encapeladas.
Elas desfecham golpes tremendos e horrendas feridas
com as caudas e dentes agudos, até que as ondas vomitem
os cadáveres monstruosos às areias da praia.
Assim nossos índios, em pleno mar, a braços com as ondas
vibram golpes terríveis: a uns despedaçam, a outros
já semimortos puxam-nos, enlaçando-lhes os longos cabelos
com a mão esquerda, enquanto com a direita cortam as vagas
e vitoriosos arrastam até as praias a presa,
indo depor aos pés do Chefe os corpos de seus inimigos,
e despedaçando aos semivivos os crânios com os rijos tacapes.”

 “O Governador ouviu com bondade essas palavras
e respondeu: “Se vos fiz guerra cruel de extermínio,
devastando os campos e lançando em vossas moradas
o incêndio voraz, levou-me a isso vossa audácia somente.
Já agora, esquecidos os ódios, vos concedemos contentes
a aliança e a paz que quereis e sentimos vossa desgraça.
Porém, deveis vós observar as leis que vos dito.”
Manda então que refreiem suas rixas contínuas
que expulsem do peito a crueldade e o hábito horrendo
de saciarem o ventre, à maneira de feras raivosas,
com carnes humanas. Também lhes ordena que guardem
os mandamentos do Pai celeste e a lei natural
e ergam igrejas ao eterno Senhor das alturas
em seu torrão natal; aí serão instruídos
na lei divina e de vontade abraçarão com os filhos
a fé de Cristo, porta única do caminho do céu,
Além disso, tudo quanto roubaram dos Cristãos às ocultas
ou por assalto, em tantos anos, os próprios escravos
mortos ou devorados, tudo pagarão e mais os tributos.”[4]

Bom, como o Sr Garcia não gostava muito de ouvir elogios feitos para outra pessoa, levantou-se e foi-se, nem mesmo deu até logo.

Eu voltei ao que estava fazendo, me perguntando: Por que eu? Por que não escolheram outra pessoa para conversar com este sujeito? Ele é muito temperamental, e eu fico apreensiva por todos os motivos.





[1] SCHWARTZ. Stuart B. Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial – A Suprema Corte da Bahia e seus Juízes – 1609-1751, SP, Perspectiva, 1979
[2] Idem,pg 30
[3] SOUSA, Gabriel Soares de Tratado Descriptivo do Brasil.pg 132, 1587