segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Thomas Lindley - Um contrabandista na Bahia

 

Conheci o Lindley em plena pandemia.

 Tenho aqui em casa um livro cujo título é “Na Bahia de Dom João VI. [1] e ., tardiamente, pois já o tenho aqui há algum tempo e o fui deixando-o de lado por força da obrigação de outras leituras, comecei a lê-lo. Bom, todavia, o fato é que peguei o livro achando que  ele seria uma descrição da Bahia  no  tempo de Dom João VI.

Só para lembrar, Dom João VI[2] é aquele rei que todos aqui conhecem de uma maneira caricata, por ser muito porco, lembrem do seriado da Rede Globo, lembrem de Dona Carlota Joaquina e, do mais importante, Dom Pedro I.    Eu prefiro lembrar de Dom João VI como o Rei de Portugal que, fugindo de Napoleão Bonaparte, veio com a sua corte para o Brasil em 1808,  estabelecendo-se no Rio de Janeiro,  promovendo um desenvolvimento nunca  antes visto;  logo de inicio abriu os portos às nações amigas, lembram disto nas aulas de história no primário?  Isto não nos esqueceram de dizer!  autorizou a instalação de manufaturas no pais, autorizou a construção de faculdades de medicina, bibliotecas, museus, tipografias  e o banco do Brasil, dentre outras coisas.  

Bom, mas não estou aqui para falar de Dom João VI, até gostaria muito, porque um Rei que fez tanta coisa pelo Brasil e ainda conseguiu enganar o Napoleão Bonaparte, que é o que dizem os seus historiadores, tem mesmo muto ainda que dar em termos  de conhecimento da nossa história e da história mais imbricada à nossa, que é a Portuguesa, [3]  então vamos ao nosso personagem: LINDLEY

Era um “comerciante com idade de 30 anos, casado, homem de boas letras e suas tinturas de sciencias e medicina” TAUNAY;1926:5) Seu nome completo era Thomas LIndley

Mas por que diabos este senhor veio parar no Brasil? Segundo TAUNAY:   No ano de 1795 a Inglaterra tomou o Ceilão e a Colônia do Cabo à Holanda, que passava por dificuldades decorrentes da revolução francesa. Para o Cabo então, segundo o mesmo autor, afluíram muitos comerciantes britânicos, dentre eles estava o nosso personagem, entretanto, em 1801 começaram os boatos de que haveria paz entre a França e a Inglaterra, o que levaria à devolução da praça aos antigos donos, ou seja, à Holanda. O medo tomou conta dos comerciantes e eles passaram a procurar por novos mercados, e foi aí então que começa a nossa aventura com o nosso Lindley.

Lindley escreveu em seu diário: “

Em consequência disto procuraram-se outros mercados sendo logo despachados navios para as Ilhas Mauricias, bem como para o Rio da prata e várias outras praças, em todos os quadrantes

Foi por esse tempo que participei, entre os amantes da aventura, do financiamento de um brigue[4] com destino a Santa Helena e outro mercado e assumi o encargo de dirigir pessoalmente a viagem. Velejamos do Cabo no dia 25 de fevereiro de 1802, aportando em Santa Helena em princípios de março. Nossa estada foi aí de três semanas, aproximadamente, alguns dias após a partida, enfrentamos forte vendaval, que avariou consideravelmente o brigue, obrigando-nos a arribar no porto mais próximo do Brasil. Chegamos à Bahia (ou São Salvador) pelos meados de abril. [5]

 

Pronto, eis como o Lindley veio parar aqui, vejam só, coincidentemente, como Cabral, por culpa de tormentas marítimas.

Segundo ele, nenhum navio estrangeiro podia comerciar neste porto, e é verdade, lembrem-se que só com a chegada de Dom João VI ao Brasil é que os portos foram abertos às nações amigas, o que não impedia  o forte contrabando, mesmo com todo o rigor da fiscalização que só permitia a entrada no porto de embarcações estrangeiras que tivessem avarias, observando-se todo o aparato que ele mesmo descreve no seu diário. Apesar de toda a fiscalização ele diz:

Não obstante todo este rigor aparente, era costume haver apreciável contrabando frequentemente praticado pelo próprio tenente e pelos demais funcionários nomeados para impedi-lo, ou por indivíduos com eles acumpliciados. Agora, porém, dá-se o contrário, as leis que só existiam, até então, pró-forma tem sido rigorosamente aplicadas, foram infligidas severas punições.... (. LINDLEY, 1805:24)

Terminado o serviço no brique, isto após 1 mês   de estada, Lindley saiu do Porto  da Baía de Todos os Santos, isto já em maio, pretendendo rumar para o Rio de Janeiro, onde ele iria vender as suas mercadorias, entretanto, e mais uma vez, o vento trabalhou contra ele,  o que aconteceu durante 5 dias, quando foi avistado um barco de pescador e Lindely descobriu que estava  em Porto Seguro,  e guiado pelo mestre do pesqueiro resolveu que iria  parar e esperar o tempo melhorar, todavia o que não estava nos planos aconteceu:” na entrada do porto o brique foi  de encontro  a uns recifes que lhe arrancaram o leme.”( LINDELY, 1805: 25)

Segundo o então ainda comerciante, ele e a sua tripulação tiveram uma boa acolhida: O “Governador da Província, ou Juiz  e o capitão -mor, ou capitão militar, receberam-nos aparentemente  com a maior hospitalidade, dando-me permissão para comerciar, encomendando para mim  um novo leme e dispensando-me todo o conforto que o lugar podia oferecer” LINDLEY, 1808;25

Assim quedou-se Lindley em Porto Seguro, vindo a conhecer a família Dantas Coelho, família à recém chegada de Lisboa, ou seja, o Juiz estava em Porto Seguro há dois anos. “Um dos filhos desse senhor, Sr. Gaspar despachava os negócios oficiais imediatos do pai, ao passo que outro, Antônio tinha  sido enviado ao Rio Grande, lugar situado nos confins da Capitania, a fim de superintender a arrecadação proveniente do corte de madeira nas proximidades do rio. (LINDLEY; 1808:26)

Conta-nos Lindley que, logo no dia seguinte à sua chegada que em conversa com o Sr Dantas Coelho e o seu filho Gaspar sobre os produtos da terra, foi informado da grande quantidade de madeira – pau brasil – existente e do alto valor desta mercadoria na Europa e do interesse demonstrado pelo Senhor Gaspar, notem bem, o filho do Juiz, em trocar uma partida dessa madeira  com as minhas mercadorias.  Lindley, de cara aceitou, embora não tivesse a certeza de que era permitida esta negociação, mas, segundo ele, como a proposta partiu do filho do governador na presença do próprio, aceitou[6].

A partir daí o inglês começou uma saga, que certamente não estava nos seus planos, mas todas as consequências desta relação com o Governador, seus filhos, o pau brasil, virá numa próxima publicação, para que os senhores leitores não se enfadonhem, porque a história é longa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] TAUNAY, Afonso de E.  Na Bahia de Dom João VI, Imprensa Oficial do Estado da Bahia, Bahia, 1928, Edição fac- smile2012

[2] O nome de Dom João VI era João Maria José Francisco Xavier de Paula Luís Antônio Domingos Rafael de Bragança. (penso que a Vera é descendente dele, pois não é que a danada também tem o apelido Rafael, penso que herdou o gosto pelo frango no churrasco.

[3] Ler Ronaldo Vainfas, Jorge Pedreira, Oliveira Lima, Laurentino Gomes, Pedro Calmon, Evaldo Cabral de Melo Neto dentre tantos outros.

[4] Brigue – tipo de embarcação à vela, com dois mastros com velas quadradas transversais, embarcação de menor porte, por essa razão, mais veloz (Wikipedia)

[5] LINDLEY, Thomas. Narrativa de uma viagem ao Brasil, Londres, 1805. Brasiliana, Vol. 343, Direção de Américo Jacobina Lacombe, trad. Thomaz Newlands Neto, São Paulo, Cia Editora Nacional 1969 pág. 24

[6] LINDLEY, Thomas, ob cit, pg.25

Um comentário: