domingo, 26 de março de 2017

Atenção ao Protocolo

Estou assistindo a solenidade de posse do mais novo Ministro do Supremo Tribunal Federal. Fico admirada com a pompa completamente injustificável e despicienda. Para que aquela guarda fantasiada na entrada  do Supremo?  Gostaria de uma justificativa para tudo isto. Sinceramente não entendo, não gosto  e não concordo . Pior, entretanto que a pompa, é a presença de pessoas que não deviam, sequer, passar da porta de entrada, quanto pior, participar de uma solenidade em que está sendo empossado um novo Ministro  que vai julgar “n” destas pessoas que ali se fazem presentes: estão ali Edson Lobão , Jose Sarney,  Rodrigo Maia, Eunicio Oliveira e tantos outros que  serão  julgados quando e com certeza, estiverem na condição de réus. Não sei como o Lula não apareceu.

Enquanto a sessão é aguardada, vejo e ouço os comentários  dos repórteres que mostram  como será a composição da corte e das turmas, quando o ministro tomar posse. Ele, coitado, participará da turma que é formada por Gilmar Mendes, Dias Tofoli, Levandovisky e, salvo engano, Marco Aurélio. Também mostra-se um gráfico demonstrando o assento do novo membro no plenário: ele ficará no primeiro lugar do lado direito, começando do fim, ou seja, começando do púlpito onde ficam os advogados quando das suas sustentações. Toda esta parafernália me fez lembrar de um extenso processo administrativo, que foi gerado, exatamente por causa da posição que uma autoridade deveria estar nas solenidades  públicas, do qual tomei conhecimento quando fazia  a pesquisa do doutorado em Moçambique e analisava documentos produzidos pelo Governo Colonial.
Apesar de nada ter a ver com o texto, ouço o apresentador falar em “expertise”. Acho a palavra linda para a nossa antiga experiência, especialização, e por falar nisto, ou seja em expertise, vejo o quanto eu estou defasada em tudo, mui principalmente na moda, pois quando vejo os modelitos que são usados vejo como me falta conhecimento nesta área, penso até que não lograria qualquer aprovação para assistir a posse. Pois não é que to vendo as mulheres vestidas com  aqueles vestidos rodados, cintados.
Voltemos, entretanto  as posições que devem ser ocupadas pelas autoridades nas solenidades em Moçambique colonial. Acreditem se quiserem:
No ano de 1938  o Presidente do Tribunal da Relação de Moçambique, Alfredo N. Lancastre da Veiga através  de Oficio  datado de  30.08.de 1938, pede ao Ministro do Ultramar que se pronuncie a respeito da posição que deveria ser ocupada pelo  Presidente da Relação de Moçambique nas solenidades. Alega ele que é uma questão de  direitos honoríficos, que se não for observada demonstra  a fraqueza do Poder Judiciário, que é representante da soberania do Estado.
Diz que o Código Administrativo é claro : “logo a seguir à mais graduada  autoridade administrativa da colônia – neste caso o Sr. Governador Geral, deve ser mencionado a mais graduada  autoridade judicial, neste caso  O Sr. Presidente da Relação “[i][1]
Argumentado ele continua:
“Nesta  colônia de Moçambique não tem sido fácil a adopção de um critério definitivo como se mostra por exemplo de alguns convites publicados no Boletim Oficial para as solenidades de 28 de maio e de 08  de outubro o Presidente da Relação chega a não ser nomeado em taes convites e nessas e outras solenidades a precedência em atos oficiais tem sido dada ora ao Governador do Sul do Save, ora ao Presidente da Relação  cujo exercício, contudo, além da representação da magistratura judicial abrange todo o distrito judicial, toda a colônia e que as taes solenidades geralmente comparecem como representante de um dos  órgãos de soberania da nação, que pela Constituição da República, constituem os Tribunais”
Ele continua afirmando que se esta praxe continuar, vira um princípio a ser observado na colônia, que  ofende a lei e que deixa o Presidente da Relação em situação vexaminosa, tanto diante dos cidadãos da colônia, quanto aos olhos dos estrangeiros, que comprando com o que acontece nas suas próprias  colônias,  constatam a desonra do Judiciário. Termina por pedir providências e informa que somente retornara às solenidades, quando a situação for esclarecida pelo Ministro.
O Governador Geral  também dirige-se ao Ministro e faz  ao mesmo  o seguinte questionamento:
“Deve o Presidente da Relação ter precedência nas cerimonias oficiaes sobre o Governador da Província do Sul do Save e ocupar o 1º lugar depois do Governador Geral?”
Não achei no Arquivo a resposta do Sr. Ministro do Ultramar, que foi, no meu entender, incomodado por uma questiúncula, que poderia ser resolvida no âmbito da própria colônia, apenas observando o código administrativo, que continha a norma reportada pelo próprio Presidente do Tribunal da Relação. Todavia isto não é importante para absolutamente nada, mas serve  para  que fiquemos bem atentos  às formalidades, à liturgia do cargo, à organização do cerimonial, pois uma quebra nesta formalidade pode demonstrar o desprestigio  daquele  que foi preterido, como bem informou o Sr Presidente da Relação, ferido, como demonstra, no seu orgulho como pessoa e desprestigiado na profissão e na representação dos poderes do Estado..


[1] Toda esta documentação encontra-se  no AHM no Arquivo da Repartição do Gabinete, Pasta a/18, Cx 66, Fundo Governo Geral.



Em  março de 2017.[i]

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