Estava, mais uma vez, em Lisboa
e, portanto, não lhe custava nada tentar um contato com o Madeira. Já vinha
pensando nisto no avião e, assim que colocara os pés no solo português, ainda
dentro do aeroporto da Portela, decidiu que tentaria contatá-lo.
- Será mesmo que ele ainda lembra-se
de mim? Tanto tempo se passara desde o último contacto, quando ela decidira que
seria mesmo o último. No seu consciente, no seu racional, sabia que era melhor
não tentar nada, mas o diabinho interior, com os seus tridentes futucando ali e
aqui já decidira por si. Sim, ela ia entrar em contato, só não o fazia naquele
momento porque estava sem rede no tele móvel e ansiosa pelas malas que não
apareciam na esteira. Já se passara quase quarenta minutos do desembarque ela não
via as malas.
De repente uma figura chama a sua
atenção: ela gela. “Aquele gajo de sobretudo marrom que se dirigia apressado à saída
era o Madeira”.
Será? “Ai meu Deus, não faz isto
comigo. Não agüento mais tantas coincidências e desencontros”. Tentou seguir
com o olhar o sobretudo marrom, mas ele estava mesmo muito apressado e a dúvida
ficou: “Teria mesmo sido o Madeira?
As malas aparecem na esteira, ela
as retira e se dirige à saída. Vai pensando: “Tomara que estes sacanas não me
parem.” Não dá outra, ela está com duas malas e é parada, resultado: mais perda
de tempo e mais justificativas, felizmente, logo na abertura da primeira mala,
muitos livros de direito, inclusive o Código Cil português. Algumas perguntas
de praxe e de “exclusiva curiosidade do agente” e ela sai dali, chateada;
sempre ficava assim, apesar de saber e ter a consciência de que eles apenas
estavam cumprindo a sua obrigação.
Segue diretamente para o Café Lisboa,
não abre mão disto: é só chegar ao aeroporto de Lisboa e vai direito ao café para um cafezinho. O aroma é mesmo convidativo e ela saboreia o “pingo” do café
que lhe é apresentado por um euro e alguma coisa. É pouco, mas adorável. Sente-se mesmo em Lisboa, agora chegara definitivamente
a Portugal,
Enquanto toma o café vê, outra
vez, o sobretudo marrom que,mais uma vez, apressadamente, passa por si. Agora
não vai mais só, já está acompanhando de um outro sobretudo preto, com características
femininas. Fica irritada imediatamente e, procurando uma justificativa para a
sua raiva, diz: Não, eu me enganei, aquele não é o Madeira, eu já nem me lembro
da sua fisionomia. Aliás, quem poderia lembrar-se de uma pessoa que fora vista,
em alguns segundos, há quase dois anos atrás. Sim, aquele não era o Madeira.
Segue para o ponto do taxi,
estava muito cheio e ela tem de esperar muito, aproveita para pensar o que vai
fazer durante o resto do dia. Já passava das doze quando conseguiu deixar o
interior do aeroporto. Decide que vai chegar a casa, deixar as malas e voltar
para o centro, o dia era propicio: quinta feira, dia de cozido à portuguesa no
seu David. Sim, era isto mesmo que ia fazer.
Chega à casa e, de imediato, vai
ao computador: quem sabe dá a sorte de encontrar, de cara, o Madeira. “Tá boba mulher, um homem que tem tantas
atividades ia estar em algum bate papo numa hora desta?" Mesmo assim decide e entra
no chat. O Madeira não está lá. No histórico da conversa dos dois a última
mensagem dele. “ Estou indo ao Brasil contacte-me com urgência”.
Não contatara, e agora queria restabelecer
uma conversação: “bem idiota você”, mas deixa uma mensagem: “Chego hoje a Portugal,
contacte-me”.
Toma um banho e pega um taxi e
vai para o centro de Lisboa. Ela adora,
acha tudo lindo, embora os odores não sejam os mais agradáveis. Não entende porque as pessoas fazem xixi em
lugares públicos e maculam a beleza e o cheiro da cidade. Também não entende
porque a Câmara de Lisboa não faz um mutirão e lavar todas as escadarias dos acessos
as estações de metro de Lisboa; odeia ver o granito coberto com uma crosta de
sujeira preta. As pedras lindas soterradas pela sujeira, mas, ainda assim, adora
a cidade, gosta de andar pelas ruas e becos, olhar os monumentos, ver as
praças, passear pela Augusta, ver os portugueses apressados e a olhar os pretos
do Largo de São Domingos com olhares poucos lisonjeiros.
Dos Restauradores ao Sr David vai
olhando tudo, a estação de comboios, o café Beira Gare, o Teatro, a Praça do
Rossio, o sorriso é imenso, qualquer pessoa que a olhasse saberia da sua
felicidade. Finalmente o pequeno arco da rua do restaurante a Merendinha do
Arco. Sabe que braços abertos lhe esperam, são as boas vindas do Felipe, filho
do dono do restaurante, os sorrisos do Sr David e da sua esposa que lhe olha
pelo vidro da cozinha. Gosta de estar ali, mas desta vez, ao adentrar ao
restaurante, uma surpresa: em carne e osso está o Madeira. Sim, com certeza
aquele cidadão que está sentado na terceira cadeira da segunda fileira de mesas
é o Madeira, mas ele não está sozinho: o sobretudo preto que o acompanhava no
aeroporto está de frente a si e ela percebe que o Madeira é mesmo um passado
que se faria futuro se não houvesse um presente que sempre atrapalhou. Recebe o
abraço afetuoso do Felipe, o aperto de mão forte do Sr. David, o sorriso enorme
e sincero da esposa dele de lá do alto espreitando pelo vidro. Fica no balcão
esperando a mesa, tenta disfarçar a sua inquietação, tenta não olhar em direção
à mesa em que o Madeira está, mas o destino é miserável e sórdido quando lhe apetece,
e a mesa que vaga é exatamente a que está ao lado daquela onde o Madeira e o
sobretudo preto estão sentados.
Ela não tem alternativa e
senta-se ao lado do Madeira; sim estão ali juntos, mas separados pelo destino
que, decididamente, não os quer assim. O seu braço toca no dele quando ela tenta
pegar o copo, ele a olha, o seu olhar é vago, um pedido de desculpa e pronto,
mais nada, e ela percebe toda a sua insignificância. Também o que ela estava
querendo, ausenta-se da vida de alguém durante tanto tempo e ainda achar que
pode ter alguma chance? É idiota mesmo, mas não pode deixar de ouvir a conversa
da mesa ao lado e percebe que o sobretudo preto é uma herdeira do sobretudo marrom,
isto lhe dá uma felicidade imensa, e ela pensa: “Vamos ver o que acontecerá à
noite quando encontrá-lo no chat”, e come, vagarosamente, o seu cozido atenta a
cada detalhe da conversa entre pai e filha, quem sabe o destino lhe dera a
chance de conhecer um pouco mais daquele desconhecido que,evidentemente, tinha
um ENCONTRO MARCADO consigo?
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