quarta-feira, 8 de junho de 2011

Jogada certeira

Os olhos se fixaram: ali, do outro lado, parecia surgir uma situação, um belo final de noite.

A plataforma onde a mesa estava situada era giratória, girava no sentido inverso de onde estava o alvo.

Olhos fixos, abertos, brilhantes, atentos, tudo isto acontecia, mas a conversa com a amiga seguia o seu rumo natural, nada de comentários outros que não estivessem ligados ao assunto que conversavam.

Era efetivamente um jogo, jogo que a amiga não sabia jogar, ou então, um dia soubera e perdera o treino. Limitava-se a rir, achar interessante aquela maneira de se conseguir o que se queria num pequeno espaço de tempo, de uma maneira educada, sedutora, sensual.

De repente a garçonete se aproxima da mesa e diz:

- Com licença senhoras, o Sr. Muhad quer vos oferecer um drink. Aceitam?

A amiga fica séria e surpresa, a outra não, parece já conhecer todo o desenrolar da ação.

-Ah! Ele quer pagar um drink? Claro que aceitamos. Falou pelas duas, até porque, se a pergunta fosse dirigida a si a resposta seria não.

A amiga começa a ficar um pouco incomodada com a situação, não esta habituada, perdera o ritmo daquele jogo; já não sabia como entrar nele, dar as cartas, receber os códigos, decifrá-los e aceitá-los.

O jogo exigia “parceria”; a estratégia dependia do “outro”, de como ele se comportasse, como respondia a ao jogo, pois, dependendo da resposta a estratégia podia, rapidamente, ser modificada, uma outra técnica seria utilizada.

A garçonete volta e diz:

- “Estou me sentindo num filme” e pergunta: O que as senhoras querem: Um espumante? Um licor?

Ela se apressa em responder: - Não, vamos continuar a tomar a mesma bebida, pode ser?

- Claro que sim.

Dois uísques são servidos.

Na mesa ao lado dois casais assistem a cena. Uma das mulheres, a que estava mais próxima da mesa, e ouvira toda a conversa, fala com os outros, mas o importante não é o falar, é mesmo a expressão: o olhar diz o que as palavras não poderiam descrever naquele momento. A reprovação era manifesta.

Bebem o uísque, o fariam da mesma maneira, sendo elas mesmas a pagar, este não era um problema.

-Um brinde! Ela sugere. Um olhar mais fixo; mais penetrante, um agradecimento.

De repente a amiga ouve:

-“Venha para cá você”. Entende o que esta acontecendo, fica a espera, mas nada acontece.

Todavia, agora as coisas não podiam continuar assim. A situação teria de ter alguma definição: mais olhares, mais algumas palavras, mais gestos.

- “Não, pode vim você” Eu não saio daqui.

De repente ela diz à amiga:

-Vou ao WC.

Ok, e a amiga percebe mais uma jogada, esta, com certeza, um cheque mate. Ela agora vai mostrar todo o seu poder. Passará em frente às pessoas, se exibirá. As pessoas podem avaliar o corpo, a roupa, o rosto, enfim, ela vai ser avaliada, avaliação que já tem aprovação antecipada.

A amiga, que sempre esteve de costas não sabia quem era a pessoa, ou melhor, as pessoas, mas virou-se para ver a outra andar e mostrar todo o seu potencial.

Sorri e continua de costas tomando o seu uísque. Diz para si mesma: - Bom é assim; você é que está fora da realidade, as coisas funcionam assim mesmo, é este o jogo. Aprenda a jogá-lo, você esta em frente a uma grande professora; aproveite.

Ela volta, bebe mais um pouco e diz:

- Ta demorando muito, vai dançar. Diz outras coisas que a amiga não entende e ato contínuo pede a conta para ir embora.

Evidente que isto é mais uma jogada, uma grande cartada, o tudo ou nada, aliás. Onde estavam era assim mesmo, tudo calculado, muitas jogadas. A intenção sempre era ganhar. Ali, os perdedores, apesar de muitos, sempre tinham o sonho da vitória, apostavam nele, mas viam estes sonhos se desfazerem pelos bolsos numa rapidez descomunal.

Pagam a conta e dirigem-se para a saída. Na porta, ainda do lado de dentro, uma parada, uma espera, e aí acontece:

Um homem grande, louro, de camisa de listras aparece de longe: olha na direção das duas, desaparece, volta.

Ela percebe e diz, vamos esperar só mais um pouco.

O homem reaparece e se dirige a elas.

Num português bem enrolando diz:

- Meu nome é Paul e eu quero entregar isto da parte do meu amigo Muhad. Do you speak english?

Há um cartão e algo escrito em um guardanapo.

Ela recebe e pergunta:

- Why he didnt came? Tell him Im here waiting.

O homem vai, mas há uma pequena demora, certamente, a falta de coragem do outro em vim ter com ela.

Vira-se para a amiga e pede o telemóvel. Vai ligar para o número que esta no cartão, quando, de repente, o homem vem andando, se aproximando. Ao chegar junto dela fala algo que a amiga não entende, também não precisa entender nada. Os fatos e atos estão ali, a vista, nada precisa ser dito. Percebe quando ela diz que querem ir a algum lugar dançar, conversar. Ele pede que ela espere, tem de pagar a conta e falar com os amigos.

O homem é indiano e demonstra bem isto, a sua cor, o seu rosto, não deixam dúvidas.

Uma pequena demora que já a aborrece um pouco, ela não quer ficar ali na porta a espera. Lá vêm eles, eram três.

Um deles se aproxima e diz: - Meu nome é Tomas, sou o único que fala português aqui. Meu carro está ali no estacionamento, vamos pegá-lo.

Todos se encaminham para o parque do outro lado da rua.

Num misto de espanto, incertezas, pensamentos mis, a amiga segue a todos. Ela vira-se e lhe diz: Não seja grossa com a pessoa. Resposta automática. - Grossa não vou ser, vou tentar apenas ser educada, e mais nada.

Um dos homens diz: percebe que foi o Tomas:

- Eu vou para casa porque tenho três filhas para cuidar, mas o carro vai ficar com o Muhad e ele vai levá-las ao melhor lugar atualmente aqui, o “Urban Beach”.

A amiga não dizia nada, estava ali somente acompanhando o desenrolar dos fatos, não tinha quaisquer pretensões a nada e nem a ninguém. O carro é branco e é bonito, um bom carro, antes de deixarem o bairro onde estavam, deixam o Tomás em casa. A amiga percebe que não estão em companhia de qualquer um. O local onde o Tomás mora é de classe media é, enfim.

Seguem para o local de destino, atravessam quase toda a cidade, vão de um extremo a outro, embora isto não seja nenhuma grande viagem, tudo fica perto e pela hora, o trânsito estava livre. Muito próximo ao local aonde iam, há um retorno, que, se não feito, torna o caminho muito mais longo e aí:

- Onde esta o retorno? E o fogueteiro que estava ao lado do carro responde: - Logo em frente e você vira a esquerda no viaduto.

Ela, no mesmo instante que percebe que o Muhad entendeu tudo diz: - Que maravilha! Você já sabe falar português.

A jogada, mais uma vez deu certo. O homem sorri. A amiga vê isto pelo retrovisor. Ficou satisfeito com o comentário. Ela acertara, mais uma vez, no alvo, agora ele estava realmente em suas mãos. O tiro fora certeiro, aquele já não mais escapava.

Carro estacionado, rua cheia, música boa. “Barry White”, “Michel Boublé” a discussão não tem sentido, o que importa era a música boa que ambos gravaram em tempos diferentes.

Encaminham-se para o “Urban Beach”, infelizmente não podem entrar. A festa daquele dia é privada.

Muhad diz: - Im ashamed

Ambas se apressam em contornar a situação e dizer que não havia qualquer problema. “Dont worry”

Vão para outro espaço onde tocava a música de Michel Boublè, ou Barry White. Entram. O lugar é ótimo; a música boa.

Ela e o Muhad se entendem. A amiga se esforça para com o seu “little” inglês conversar com o Paul, que é mesmo muito divertido. Conversam, dançam. Sorriem, mas como nada vai passar disto e está a ficar tarde, despede-se e lhe diz: “Amanhã te vejo no aeroporto”. Paul, educado e inteligente, entendera perfeitamente que nada iria acontecer, também vai embora, leva-a até o taxi e pega outro.

Pronto, como sempre, está sozinha outra vez, segue de taxi para casa torcendo para que aquela jogadora, que lhe deu uma aula de sedução, e que parece não gosta de perder, seja uma vencedora, não só ali, mas em todos os momentos da vida. Ela sabe jogar, e quem assim faz, merece vencer sempre.

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