Chego na hora marcada e vejo que o profissional esta atendendo alguém.
Sento e espero.
- A senhora vai fazer o que? Pé, mão, depilação?
- Sou vou pintar e cortar o cabelo.
- Que um cafezinho? Um chá? Água?
- Não obrigada.
Pego uma revista e começo a folhear, é o único momento em que leio “Caras”, ou no salão, ou então nas recepções de consultórios médicos, aliás, bendita seja a “Caras”, porque é mesmo um saco ficar esperando em recepções de consultórios médicos. Na última vez que precisei de um especialista em “braço” fiquei três horas a espera, já estava a desistir, e pela espera, ainda paguei R$ 350.00 (trezentos e cinqüenta reais) para o doutor me dizer que eu precisava fazer uma porra qualquer computadorizada do braço, mas isto é outra estória.
- Sabe da última, aquela minha amiga, fulana de tal, separou do marido
- Quem? Aquela morena linda?
- Sim, ela mesma.
- O que aconteceu? Eles pareciam um casal tão bem!
- Ele a pegou na cama com “outra”!
- O que? Aquela mulher linda daquela maneira com “outra”?
- Sim, com uma mulher, você entendeu bem. Eu bem já desconfiava, ela tinha umas coisas de vez em quando, me pegava de uma maneira, um dia passou a mão, safadamente, no meu peito, eu não disse nada, mas achei estranho, agora já sei que não era tão estranho assim.
- Ah! Sabe aquela casa, aquela que fica lá na beira da praia, linda perto da casa do Bel, lembra? Vai ser leiloada!
- O que? Quem diria; tanta pose nê! E agora, eles vão para onde ou fazer o que?
- Soube que vão tentar arrematar a casa através de um amigo. Jogadas.
-A senhora não quer fazer as unhas? Temos alguém livre.
Devido à demora porque a mulher que falava tanto da vida dos outros está a fazer “alongamento”, aceito a sugestão e vou para a outra sala, mas continuo a ouvir a conversa que corre na sala anterior, eles não têm pudores, falam alto e, portanto...
Sento na cadeira apropriada e uma mocinha pequenina, com os cabelos extremamente lisos a força, com aquele corte imbecil que faz pontas, me pergunta. Qual o seu nome? O meu é Sandra; como a senhora gosta da unha, quadrada, redonda?
Dou risada, porque as minhas unhas são ruídas, faço apenas para tirar cutícula, nem sequer pinto (colocar esmalte). Os pés tampouco, apenas quero limpar a cutícula e tirar as calosidades quando estão muito grossas. Mostro-lhes as mãos e digo a ela, se você conseguir cortar, deixe quadrada.
- Vou apenas lixar e pronto, mas a senhora tem um formato de unha muito bonito devia deixar crescer, iam ficar lindas!
Continuo a sorrir. Alguém se aproxima de nós duas. O Mario está pronto, pare aí um pouco que vou levar a senhora para a outra cadeira.
Mario é um “viado”, viado mesmo, mas daqueles viados que você pensa que é homem. É musculado, moreno, bonito, e não faz nenhum trejeito, mas você percebe que é “viado”, pois em algum momento a mão descamba, uma resposta á alguém no telefone deixa a impressão, as vezes a certeza, de que ele é mesmo “viado”. Bom vocês sabem o que é isto não é? Há viados, bichas, travestis, cada um no seu quadrado. Não gosto de bichas, porque elas são muito espalhafatosas, baixas, fofoqueiras, querem aparecer da pior maneira possível. Travestis, também não gosto, pois é a pior das imitações de mulher que vejo, to falando destes que andam por aí pela rua, não daqueles travestis que fazem você duvidar de que você é mesmo uma mulher, tipo Roberta Close no seu auge e tantas outras; agora, tem gente até que desfila em passarelas, e de biquíni, fico pensando onde eles/elas colocam a trouxa. Um dia ainda pergunto a um “traveca” que trabalha em um salão que freqüento do outro lado do Atlântico. Aliás, para este tenho de tirar o chapéu: é mesmo uma mulher; fala como mulher, se veste como mulher, anda como mulher, tem até o marido, que ela chama de “o meu Roberto”, como naquelas paragens as mulheres se referem aos maridos. Acho mesmo interessante.
- Que cabelo é esse, esta uma bucha! O que você anda fazendo com ele?
Nada, o de sempre, lavo todos os dias e coloco creme para fixar os cachos.
- Não, mas você tem de tratar este cabelo, hidratar, olhar os fios, cauterizar. Vamos fazer um tratamento de choque nele.
- Que shampoo você está usando?
Não tenho marca certa.
- Não é possível! Você vai usar um de andiroba, temos toda a linha aqui, shampoo, creme, máscara e o creme de enxágüe.
Sinto uma dorzinha na espinha, já sei que vão me empurrar aquela porra toda e sei o valor que vou pagar, da ultima vez foi uma fortuna.
Mario, se é aquele mesmo que comprei da última vez, não vou levar porque não deu em nada, inclusive o creme final era uma porcaria, eu ficava toda peguenta no pescoço.
-Claro, não sabe usar, é para colocar somente um pouquinho.
- Mas este cabelo tá mesmo estragado.
Alguém do nosso lado segura uma vasilha e traz os tubos das tintas. O expert, que é o Mario, um verdadeiro, aliás, como todos os bons profissionais cabeleleiros, faz mistura. Não gosto do cheiro, mas tenho de suportar, afinal, não posso permitir que a velhice mostre a todos que me alcançou, eu já sei que ela se instalou, sinto nos ossos, na pele, no coração até, mas os outros não precisam saber disto, e mesmo que saibam, gosto de ouvi-los, dizer: Vc esta ótima, excepcional, claro que numa falsidade tremenda, que se eles pensam que eu não percebo, são uns idiotas. Tenho espelho e sensibilidade suficiente para saber e ver que os anos se refletiram muito bem em mim.
- Ele próprio começa o trabalho. Reparte o cabelo em quatro partes, e começa, com o cabo do pente a abrir o cabelo em linhas, passa o pincel com a tinta, é um serviço interessante, técnico, que todos os “especialistas”, nunca vi tanto especialista em uma profissão como é a de cabeleleiro, todos são especialistas, todos são “o melhor”. Se você muda de salão, o seu anterior especialista vira uma merda, não soube tratar o seu cabelo, não é um profissional categorizado, enfim, uns esculhambam os outros. Não há certezas em relação à cabeleleiros, seja ele famoso ou não. A química faz miséria, por melhor que seja o profissional os produtos acabam com os cabelos, tudo que deixa de ser natural tem as suas conseqüências, quanto pior para aqueles que vão ao salão por necessidade, eu no caso.
Uma moça linda, bem jovem com uns cabelos longos entra no salão chorando, ela e a mãe, dirigem-se ao Mario, a menina chorosa lhe diz que o cabelo tá caindo, que ela só fez o “procedimento” porque ele garantiu que nada ia acontecer, e agora ela estava perdendo o cabelo.
- Não querida, o problema não fui eu quem causou, é a química, você esta com um corte químico, mas vamos resolver isto, vamos aplicar isto e aquilo, uma porção de merda que não entendo, mas que, pessoalmente, acho que vai fazer o cabelo cair mais ainda, mas ele é que é o especialista. A menina é recolhida para a outra sala, segue a atendente como se fosse para a guilhotina.
- O que fizeram com a sua sobrancelha?
Como? Vc ta falando comigo?
-Claro que sim, parece que afinaram, tiraram a forma. Temos uma pessoa aqui que desenha sobrancelha, você não quer falar com ela?
Olho para o espelho e não vejo nada demais na minha sobrancelha, que, por acaso, acho bonita, a Núbia faz um trabalho excelente. E digo: não, não quero nada, fica para outra oportunidade.
A mulher loura faladeira continua alongando o cabelo, fico olhando e pensando como uma pessoa consegue ficar tanto tempo no salão, e pergunto a ela,: Quanto tempo você já esta aqui.
- Hoje já são quatro horas.
O que? Como você consegue?
-Ontem vim pela tarde e passei umas 3 horas para tirar o alongamento anterior.
Ta doida, faço uma zorra desta nunca, não tenho o menor saco.
Acabou de passar a tinta, volto para as mãos na outra sala. Tenho de esperar 40 minutos. Nestes quarenta minutos ouço a vida de tantos quantos moram nas proximidades e frequentam aquele salão. Não sei quem são, aliás, depois de ouvir tantas coisas, nem quero mesmo saber, é melhor ficar afastada de tanta merda, de tanta futilidade.
- Mario, você se lembra daquela moça que foi candidata a vereadora?
- Claro que lembro; nunca mais ela veio aqui, acho que esta viajando.
- Qual nada, ela tá aí, mas devendo a todo mundo, academia, massagista, lojas de roupa, enfim, ninguém quer vê-la por perto, gastou na campanha o dinheiro e agora não tem como pagar as contas. O pai disse que não vai dar nada, ela tá desesperada.
- Poxa que situação, gosto muito daquela mulher. Aqui ela não ficou devendo nada, e se ela vier aqui atendo, porque ela sempre foi uma boa cliente, aliás, uma amiga.
Com a resposta a outra se cala e muda de assunto, fala agora da festa que vai logo mais a noite.
- Vou com a Nicinha, vc lembra nê? Meu marido não quer ir e eu vou sozinha. Já pensou o que vou aprontar, sozinha naquele lugar com tanto gato.
Procuro me recordar da cara da mulher, e lembro que ela já não e mais nenhuma menina, é loura oxigenada, tem a cara redonda, é feia, e ainda faz alongamento. Penso que ela não tem futuro, mas quem é que sabe?
Mario manda tirar a tinta, o que uma mocinha se apressa em fazer.
Volto para a sala e pelo espelho fico olhando a loura que alonga o cabelo, o natural é horrível.
-A cor ficou ótima, como vamos cortar?
- Cortar? Tá maluca, eu aqui querendo alongar e você vai cortar?
Fico olhando para a mulher e pensando, O que ela tem com isso? O cabelo é meu, a cara e minha, por que ela tá se metendo?
É para cortar sim Mario, não muito, mas corte e dê mais balanço ao cabelo.
Nisto o cara é bom mesmo; com uma maestria de fazer inveja á “Edward mão de tesoura” ele corta o cabelo em uns cinco minutos. Apenas com o corte já sinto o cabelo mais jeitoso, com mais balanço, o rosto já aparece mais, se ilumina.
Normalmente não faço escova, e, portanto, o trabalho tá acabado, penso eu, mas ele diz:
- Agora o tratamento de choque! Vou colocar a hidratação.
Quanto tempo mais Mario.
Mais uns 40 minutos.
Penso, puta merda vou ficar aqui ouvindo, mais uma vez, a vida dos outros, vendo estas “peruas” entrarem e saírem falando delas mesmo, das suas aventuras, dos maridos, dos cornos, enfim.
Acabo as mãos e os pés e fico aguardando o tempo da hidratação, que, a esta altura, rezo para que passe bem depressa. Já não agüento aquela futilidade toda. Levei um livro que não posso ler por causa da zoada, não consigo me concentrar. As vozes me deixam aturdida, já não percebo o que falam o que dizem.
- Pronto, vamos tirar a hidratação.
Hora maravilhosa aquela. Acabou! Já posso sair dali, não sem antes deixar um belo cheque de quase 500,00(quinhentos reais) e levar comigo o tratamento, que, com certeza, não ira fazer efeito, e quiçá, não será utilizado, mas pesa muito, pois são 4 vasilhames com produtos diversos, um shampoo, uma máscara que deve ser usada antes do enxaguante, o enxaguante, e o creme final.
Pois é! E ainda tem gente que gosta e faz questão de estar num salão todas as semanas, até mais de uma vez.
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