A flor do deserto, mais uma vez, desabrochou. Desta vez ela foi para lá de generosa, porquanto estão brotando, em um só momento, treze delas
num único ramo. Estou feliz, mas isto
não apaga a sensação desértica da minha
vida. Queria florescer como esta planta conhecida por flor do deserto. Acho que o nome deve ter sido colocado pela
aparência, pois o seu caule é grosso, as folhas também; deve ser para aguentar
as intempéries do seu local de origem, mas o fato é que ela, mesmo em poucas
vezes no ano, não sei se apenas uma ou duas vezes, floresce. Não floresce ela de qualquer maneira, ela se
amostra linda, a sua cor não tem comparações, acho que a cor é grená, mas é tão
lindo, tão encarnado, que a gente fica na dúvida de que cor é mesmo.
Pois é, queria florescer como a flor que
florescer, mas tá difícil, porque, se ela, planta, tem a mim para, ainda que ela
seja do deserto, ser molhada, ter a terra ao seu redor revolvida para que ela
possa respirar melhor e crescer mais, colocar veneno nas pragas que a atacam,
eu não tenho nada, estou sempre só, ninguém me rega, ninguém me revolve. Há
muito que ninguém coloca um basta nos venenos que foram colocados na minha
alma, que vai morrendo um pouco a cada dia, perdendo o brilho, a cor, que era resplandecente.
Agora vivo no opaco. Parei com tudo, não quero escrever exatamente porque o
escrito sai um lamento. Não quero ouvir músicas porque elas me trazem
recordações que não quero ter. Agora
mesmo ouço Nana Cayme numa música em que ela fala do
tempo e do vento. A música é linda, a
letra também, mas ela me reporta à minha própria vida, ao meu tempo, ao quanto
fico sem jeito quando ele passa sorrindo e me deixando chorar, porque ele, como
bem diz a musica, sabe passar, mas eu não sei. Ah como queria eu que o tempo,
ou voltasse, ou então passasse
bem depressa para que o que tiver de chegar chegue mais rápido.
O que tiver de chegar! Será
melhor ou pior do que o momento que passo?
Estou inútil, pois nem mesmo o que mais gosto de fazer na vida, que é
ler, estou conseguindo. Não tenho concentração, a cabeça fervilha de
questionamentos que não recebem
respostas, nem minhas e nem de ninguém, porque são perguntas silenciosas que faço a Deus. Sim, a Deus, como se ele pudesse
responder alguma coisa.
Um telefonema e tudo rui, até os
pensamentos que começam a tomar uma forma. Vou embora, vou deixar tudo para
trás, vou procurar sonhos. Que sonhos?
Acham vocês que alguém pode sonhar aos sessenta? Dor na perna, dor no pé, dor no ombro,
herança maldita de uma família artrosiada, ou artritiosa: não sei, só sei dos
efeitos . Penso em minha mãe: Será que
vou ficar igual a ela? Respondo a mim
mesmo, querendo um consolo: “não você não vai ficar assim, você foi sempre
ativa, você faz yoga, você anda.” Não isto não me consola. Minha mãe andava
para cacete, não como eu, mas andava.
Subia uma ladeira imensa se quisesse
sair de casa e ir a rua, e olhe que ela gostava de rua, pois ela frequentava a igreja, adorava ir a médicos,
por sinal fez muitos amigos nas filas
dos consultórios: brancos, pretos, até estrangeiros, ela era assim,
quanto pior: e ainda os levava todos
para almoçar lá em casa, caso eles
tivessem que ficar mais tempo na fila.
Pois é, eu não fico em filas,
não subo escadas, mas faço yoga e ando uma hora dia. Será que isto vai resolver
alguma coisa? Acho que não, o calcanhar está aqui para me mostrar isto.
Fico então pensando em que
velhice vou ter: sozinha, chata, frustrada, mal humorada. Este é um futuro que
quero reverter, mas está difícil, difícil mesmo. Nem a esperança da flor do
deserto me faz mudar o pensamento.
Olho em volta, estou sozinha, não
tenho nem mesmo a quem me queixar. Todo tem compromissos, nos quais não estou incluída.
Promessas! Para que as quero? Não, não as quero, até porque elas não serão
cumpridas, a gente vê que elas não se realizarão. Se acontecerem elas serão
efêmeras como a orquídea lilás linda e delicada que floresceu a semana passada
e agora desapareceu, deixando apenas uma
marca da sua passagem. Será que ela foi feliz nesta momentânea aparição? Será que ela não precisa ser feliz, que ela
se contenta com a beleza que ela permite que alguém aprecie? O fato é que
ela floresceu, viveu três ou quatro dias e simplesmente murchou. Seria
bom que as coisas fossem efêmeras assim
como a orquídea
que aqui floresceu. Se as coisas ruins fossem efêmeras não estaria eu
aqui agora traduzindo a minha dor em
palavras para ver se diminui a pressão, não a pressão do corpo, esta só diminui
agora com remédio, mas a da alma, que está mesmo a ponto de explodir.
Penso mais uma vez, será que ninguém consegue ver os sinais? Eles
estão aí, se mostrando a todo momento e ninguém
olha, ninguém vê, ninguém ajuda. Todos preocupados consigo mesmo. Um com
a casa que precisa será terminada, outro em enganar e deixar de pagar o que
deve, outro com um caso extraconjugal, muitos com a aparência tão somente,
alguns com a responsabilidade de ter
assumido mais do que devia e não pode dar conta. Pois é, ninguém tem tempo, e o
deserto do que necessita aumenta, está completamente árido, não adianta chover,
nem mesmo a chuva é suficiente para deter o processe de desertificação. É a pessoa
não vai florescer mais, embora esteja procurando uma maneira de fazê-lo.
Mudei a música. Quem sabe sem
entender direito a letra isto fique melhor, mas é um engano, porque coloco
Michel Boublé e ele canta: "You`ll never find another love like mine". Digo a
mim mesmo: Really it is true: he will never find another love like mine,
someone who loves him like I do. But its not important for anyone, because noone
will read it, then anyone wont
know how my love is great and deep.
Vou continuar olhando a minha
flor do deserto, agora ouvindo Luis Miguel a cantar “La puerta se cerrou detras
de ti”, esperando que amanhã uma porta se abra e que mais uma flor do deserto desabroche, e com ela a
esperança de que também possa florescer.
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