quarta-feira, 11 de abril de 2012

Cheira bem, cheira a Lisboa!

O cheirinho do café invadia tudo. Ela não tomava muito café, mas gostava imenso daquele cheiro, porque isto lhe remetia às viagens; aeroportos, metros, estações de comboio, rodoviárias, enfim, o aroma realmente era associado a coisas boas.
Era um dia especial para ela, afinal, depois de longos três anos e meio, acabara a tese e ia entregá-la para a impressão e, depois, fim: ao menos desta fase. Agora era só esperar que marcassem a defesa, o que ainda ia demorar.
Descia as escadas para pegar o metrô e ir até à Faculdade e pensava: “Por que não estou tão alegre como deveria? Afinal está tudo pronto; o resultado de tanto sacrifício, tanto dinheiro gasto, tantas dívidas aumentadas estava alí”. Bem verdade que ainda falta a defesa, mas o caminho já está mais de 70% percorrido. Ainda que não venha a ser considerada uma tese brilhante, perder é que ela não vai mais, com certeza. Então algum orientador de renome iria deixar que uma tese fosse apresentada se ela não tivesse a mínima condição de aprovação? Acredita-se que não, então...
Todavia, nem este pensamento lhe alegrava. O cheiro do café ainda persistia, embora ela já estivesse mesmo na plataforma de parada dos trens. Olha os trilhos, pensa, por segundos, idiotamente, tudo podia acabar ali, era só uma questão de coragem e de alguns segundos.
Surpreende-se!  “Por que teve este pensamento? O que se passa?”
O trem chega, ela entra e esquece-se de procurar a resposta para pensamento tão idiota.
Chega à Cidade Universitária, sai do metrô, sobe as escadas lentamente; mais uma vez o cheiro forte de café bom invade suas narinas ela pensa: “por que será que no Brasil eu não sinto este cheiro tão bom”? Por certo não andava ela nos lugares adequados.
Não está feliz mesmo: está com a consciência do dever cumprido, de ter, mais uma vez, alcançado uma meta, mas feliz não está. Tenta procurar o motivo de não se sentir como deveria, pois sabe, perfeitamente, que não é todo dia que alguém apresenta uma tese de doutoramento, nem todos os dias e nem qualquer um. Ela era uma privilegiada e sabia disto, afinal tivera condições, mesmo se endividando toda, de estar fora do seu país, da sua casa, fazendo a sua pesquisa e realizando sonhos, tentando esquecer pesadelos.
Está quase a chorar. Entra na faculdade, vai até o local onde marcara com a orientadora que tem de autorizar a entrega da tese. A orientadora chega rapidamente, não lhe dando tempo de chorar e nem de pensar na sua tristeza, que já é mesmo visível.  Chegam à Secretaria e a funcionária diz que não é preciso entregar qualquer papel, que apenas eles queriam a garantia de que a orientadora sabia que a tese poderia ser entregue. Não sabe se chora ou si ri. Orientadora e ela entreolham-se, ambas não acreditam muito no que está a se passar, mas enfim... É assim e pronto!
Sai da secretaria e vai pagar uma parcela da semestralidade que lhe dizem que está em aberto. (2010). Não entende bem o motivo, pois sempre cumpre religiosamente as suas obrigações, e agora esta! Logo agora, quando tem de gastar tanto com impressão, com emolumentos, com propinas, tem esta infeliz notícia de que deve um semestre. Bom, como não acha o recibo e tem de entregar a tese, não tem muita alternativa faz o pagamento, (687€) contrariada claro, mas tem de o fazer, e ainda tem de pagar a atual, a de 2012.
Comprova o pagamento na Secretaria e se dirige a “Reprografia” que fará o serviço de impressão, entrega a “pen” para que façam a gravação e sabe do preço que terá de pagar. Toma um susto da porra, pois, por 15 exemplares tem de pagar 388,00€, isto já com um desconto de 7%, que não sabe se efetivamente foi dado, mas como o serviço ficara bem feito quando do mestrado, tudo bem.
Sai da faculdade, e volta a fazer o percurso inverso. Pega o metro e segue, outra vez, para Marques de Pombal. Agora ela iria, mais uma vez, porque era quinta feira, à tasca do Sr. David, comer o cozido à portuguesa, comida que aprendera a gostar e da qual não abria mão neste dia, mas nem isto melhora o seu interior: Está, efetivamente, triste.
Rio Tejo
No metro fica querendo entender a sua tristeza e começa a fazer a ligação entre ela e a sua volta, definitiva, para o Brasil. “O que vai lá fazer? Vai ficar morando onde tem a sua casa, o que lhe sobrou da partilha de um casamento? Vai tomar conta da mãe? Vai ter de assumir mais uma vez a responsabilidade total sobre ela? O que será da sua vida agora?”. 
Estação de Comboios do Rossio
Estas perguntas lhe deixam mais triste ainda. O metro chega à Restauradores, onde tem de sair. Sai e, por um momento breve, esquece-se dos pensamentos e olha, extasiada, a estação do Rossio. É linda! Extraordinariamente linda!  Fica ali parada por uns segundos, o suficiente para que de novo o seu pensamento volte à pergunta anterior: “E agora? O que vai ser de você? Quando você vai ter oportunidade de ver isto outra vez?” Chora, não tem mais condição de segurar o choro, as pessoas lhe olham: Ela esta parada na frente da estação olhando em direção á Avenida da Liberdade: Faz a ligação entre o nome da avenida e à sua liberdade, que a acaba ali. No momento em que entregar a tese na secretaria da faculdade já não tem mais motivo algum para estar em Lisboa, tem de voltar a sua medíocre vida na sua terra, onde tem de dar satisfações, onde não pode andar sozinha à noite, não pode entrar em bares, onde não tem bailaricos, onde não recebe elogias, onde não é minimamente feliz, onde só tem problemas e eles estão mais próximos (“o que os olhos não vêm a alma não sente”, é o que dizem), onde ninguém lhe espera, onde vai estar só, e esperando que migalhas de amor lhe sejam dadas em formas de: “relógio”, “óculos”, “biquíni”, “perfume”, “saias”, “discos”, “até de presença ausente” coisas materiais que, se bem que bonitas, de nada lhe adiantam porque não lhe fazem bem à alma. Não haverá mais caminhadas no Estoril; não mais irá à Marina de Cascais; não irá mais ao Alto de Santa Catarina; serra de Carnaxide, não haverá mais travessias do Tejo. Adeus às almeijoas à bulhão pato, bacalhau à lagareiro, favas, moambas, etc. etc. Adeus vinhos do Alentejo, adeus mojitos, adeus viagens ao interior de Portugal. Adeus a liberdade, a tantas coisas boas enfim.
Todavia, tem de se acostumar, reacostumar, e é o que vai tentar fazer, esperando não encontrar em nenhum lugar onde esteja, o cheirinho do café da estação de metro da Marques de Pombal, para não se lembrar do cheiro que “cheira bem, cheira a Lisboa”. 
 
 

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