quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Cedo, ou tarde, ela aparece

Chegou o dia da audiência, ele comparece aflito, não somente pela questão em si, mas sim pelo próprio encontro que teria.

Há 16 anos não via o “rebento” a quem lhe atribuíram a paternidade. Separa-se da genitora dele quanto este tinha sete anos. Agora ele já estava com 24 e era, ele mesmo, o autor de uma ação de alimentos. Posições inversas, contrárias. Eram eles, agora, litigantes, cada um do seu lado defendendo os seus interesses, uma afirmando, o outro negando.

Quando se separou da mãe do “rebento” não tiveram uma separação amigável, o que resultou num afastamento completo entre ele e o seu filho. As coisas já não estavam boas antes, quanto pior quando da separação.

Apaixonara-se novamente, e isto causou grandes problemas com a companheira anterior, que fez de tudo, não porque gostasse dele, mas sim pelo simples fato de que era de má índole. Utilizou-se de tudo para tentar acabar com o que estava engatinhando: telefonemas para a atual, agressões ao ex-companheiro, que inclusive e, ridiculamente, apresentou queixa na policia, ebós: corações vermelhos alfinetados em belas embalagens entregues pelo correio, bonecas espetadas, baixaria enfim.

Os dois, tanto ele quanto a mãe do rebento, pessoas difíceis, naturezas ruins. Donos das suas próprias verdades; ela, pior que ele, porque as suas verdades tinham lhe sido incutidas e baseavam-se nas verdades maternas, comprometidas pelo ódio a homens, pois fora abandonada grávida e tivera de criar sozinha a filha, a quem transmitiu todo o rancor que a situação deu causa.

Quer por qualquer motivo, a filha lhe herdou o mau humor e este ódio quase incontido de homens, mesmo àquele a quem se uniu, embora sem a aprovação materna, que logo de inicio demonstrou toda a sua desafeição pelo escolhido. Afinal ela queria para a filha um doutor e ele era apenas, apesar de um alto funcionário de um banco, um bancário, não um banqueiro, prestem atenção; um banqueiro seria bem-vindo, ainda que ignorante, mas o dinheiro transporia estas dificuldades.

Bom o fato é que ela trazia todos os seus traumas causados pela sua criação, pela vida de sua genitora, que sempre trabalhou para lhe sustentar.

Ele, por seu lado, também fruto de uma relação problemática, de quem muito jovem perdera o pai exatamente porque esse, de livre e espontânea vontade, afastou-se de si e da sua mãe. Muito duro, embora tivesse, também, por si só, alcançado uma estabilidade financeira razoável, que, entretanto, não conseguiu esconder ou amenizar a sua instabilidade emocional.

Já estava no quarto ou quinto casamento, nunca conseguira ter filhos. Fez tratamentos, implantou cápsulas no corpo, mas não conseguira engravidar nenhuma das suas mulheres, e foram muitas, as oficiais e extra-oficiais, ele era um grande “comedor” com uma grande vantagem sobre os demais, trazia em si próprio um anticoncepcional, portanto as suas mulheres não precisavam de se desgastar com a prevenção. O fato é que, apesar de muitas tentativas falhadas, uma surpresa inesperada na sua quinta mulher, que ele conhecera quando esta namorava um seu “amigo”.

Pois é, a mulher ficou grávida e o “rebento” para sua satisfação e dúvidas vingou, para infelicidade total da mãe da sua companheira, que exigia um casamento que nunca aconteceu.

O rebento nasceu e lhe deram o nome de um vencedor. Foi crescendo e presenciando a vida dos pais, não uma vida normal, mas uma relação muito conflituosa, de grandes altos e baixos, de violência, ofensas, uma guerra particular.

O “rebento” era desconfiado, um pouco agressivo, teve perfeitamente a quem puxar. Não chamava o pai de pai, sempre o chamou pelo seu nome.

Separaram-se, e a vingança da mãe foi afastar o “rebento” completamente do convívio com o pai, que com todas as dúvidas, agora muito mais fortes, continuava a sustentar o “rebento”.

Quando o “rebento” fez dezoito anos a pensão de alimento foi retirada, mas o”rebento” ainda tinha direito a ela, porque era um estudante universitário e, portanto, e ainda por ser da área jurídica, ajuizou uma ação de alimentos, audiência á qual ele, agora, aguardava, procurando, nervosamente, identificar o autor. Sim o autor, porque agora já não era mesmo mais o seu filho, nem de fato e nem de direito, negava-o em todos os sentidos, quanto pior neste que agora se aflorava de uma maneira brutal: não sabia, das pessoas que ali estavam, qual era o acionante, aquele que alguém lhe disse um dia que era seu filho. Agora, mais velho, sentiu todo o peso de uma emoção, que jamais pensara sentir. Somente o identificou quando feito o pregão apresentara-se mãe e filho. A raiva da “criatura” lhe fez balançar, sentiu-se mal, a idade já não permitia emoções tão fortes. Ouviu o seu nome e encaminhou-se para a sala de audiências, onde, felizmente, uma pessoa de bom senso, o Juiz, não permitiu a presença da genitora. Estavam os dois sozinhos, um pseudo pai e um pseudo filho a reclamar direitos.

O pseudo pai com todas as suas dúvidas, nesse momento mais presentes ainda, pois a distância fez do seu pseudo filho um estranho, não se negou a dar os alimentos pretendidos, mas confessou ao juiz aos suas dúvidas, argumentando, exatamente, que durante toda a sua vida sexualmente ativa, tentou engravidar as suas mulheres sem consegui-lo, inclusive que tinha laudos médicos atestando a sua esterilidade, e, portanto, queria que fosse feito um teste de DNA para que todas as dúvidas se desfizessem e, se comprovada realmente a sua paternidade, restaria somente o seu pedido de desculpas, porque o tempo perdido não seria jamais recuperado, o amor entre filho e pai jamais existiria, a vida os tinha afastado mesmo, mas caso ele não fosse seu filho as coisas parariam por ali, não tinha intenção de reivindicar nada, não cobraria o que pagou, mas, com certeza, iria retirar o seu nome da certidão de nascimento, e mostraria a todos que sempre tivera razão.

O “rebento” não se abalou, disse que já esperava esta reação, mas o Juiz disse que naquela ação ele não poderia fazer tal teste.

Advogado procurado e ajuizada a ação negativa de paternidade cumulada com anulação de registro de nascimento e todas as conseqüências disto advindas.

O “rebento” é citado e é obrigado a fazer o teste do DNA. A mãe não quer que ele se submeta a isto. Sabe perfeitamente, sempre soube, que ele não era filho do “pai”.

Agora o “rebento” começa a ter dúvidas, Por que ela não quer que eu faça o teste? Será que ele tem mesmo razão?Será que ela me enganou durante todos estes anos?

Está nervoso, angustiado. Não pode voltar atrás. Procura o pai, desta vez vai lhe pedir que desista da ação. Não quer expor a pessoa que ele mais adora na vida, a sua genitora. Prefere conviver, para o resto da sua vida, com a “dúvida”, aquela que atormentara e atormenta o seu pai até hoje Ele, por sua vez, desistiria da ação de alimentos. Pronto! Tudo estaria sanado. A resposta, entretanto, é dura e seca: - Não, não vou desistir, vou até o fim, pois não vou morrer com esta dúvida cruel que me desgasta, que me afastou de você, que me deixou pior do que sou em termos de pessoa.

O “rebento” sai dali frustrado, vai ter que expor a sua genitora, a sua avó, ele próprio. O seu mundo vai se desmoronar. Dirige o carro sem rumo, quer pensar, quer saber o que fazer. Sabe que não pode se negar a fazer o exame, afinal pretendendo ser um advogado já sabe que não poderá fazer isto, não vai começar a sua vida jurídica com um tamanho erro provocado por uma atitude, talvez impensada, influenciada pelas duas mulheres que odeiam o seu pseudo pai. Para o carro em frente ao mar, fica ali muito tempo parado vendo se as águas podem lhe dar uma resposta, se ele consegue ver através dos olhos turvos pelas lágrimas.

Anda pela praia, grita, pede ajuda a Deus. Pede que lhe mostre o caminho. Horas mais tarde entra no carro e dirige-se para a auto-estrada, dirige em alta velocidade. De repente o carro derrapa, ele está sem o cinto de segurança e é lançado para fora do veículo, caiu do lado errado da estrada e o carro que vinha atrás do seu passa por cima do seu corpo. Pronto! Não ha mais dúvida alguma, ninguém precisa mais se machucar, ele morre como filho daquele pai que lhe nega este direito, o de ser filho, e com a dúvida de ter sido enganado pela sua própria mãe.

Agora, os pais choram a sua morte, que foi causada exatamente pelos dois. Fruto de uma vingança idiota de duas pessoas que nunca se amaram, que cultivaram o ódio em todos os momentos da vida, que arquitetaram vinganças uma para a outra, mas a vida lhes deu a vingança maior, que é passarem o resto das suas vidas lamentando a dor de não saber o que  é“ter um filho” o que é ser, efetivamente “pai” e “mãe”.

Este é um caso que medeia entre a ficção e a realidade, mas real do que fictício. Se resolvi, apesar da sua tristeza, contá-lo, o faço como um “alerta”. Uma mentira começa e segue a sua trilha, vai aumentando e se desenvolvendo, cria braços e alcança quem nada tem a ver com os que a inventaram. Portanto, pensem bem antes de tentar fazer uma mentira se tornar uma “verdade”, em muitos momentos da vida não se pode “sofismar”, não vale a pena, porque “é possível enganar parte do povo todo o tempo, é possível enganar todo o povo parte do tempo,mas jamais se enganará todo o povo todo o tempo” (Abraham Lincoln)

“A wulombe ri nandziya ha roche” : Provérbio changana – etnia moçambicana- que significa: A verdade pode tardar, mas sempre chega.



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