Acordei, tudo claro, mas a claridade era muito diferente, um claro muito alvo. As paredes brancas pareciam querer sair do lugar, pareciam ter movimento. O branco delas parecia iluminado. Estranhei aquela claridade, pois não é que todas as manhãs a rotina era igualzinha: saia do quarto, ia até o fundo da casa, pegava a roupa da andada, vestia a roupa, vinha calçar o tênis, fazia o alongamento fajuto e lá me ia caminhar, sem nunca ter notado este brilho, esta iluminação, este branco tão branco.
Na caminhada, me parecia que o
verde das folhas das árvores era mais verde, o azul do céu mais azul, as cores
todas que se mostravam eram mais nítidas. E as pessoas: Ah as pessoas! estas
pareciam que estavam coradas, a pele viçosa, os dentes mais
brancos. Até o homem de cor foveira que levava o seu cachorro lindo, sim o
cachorro era lindo, todo branco como tudo que é branco, de uma luminosidade sem
precedentes, parecia que tinha passado algum tipo de óleo no corpo, porque ele
também brilhava.
Pensei comigo: será que sonhei
com alguma coisa boa? Tive sexo esta noite? Sorri deste pensamento, pois sexo
para mim já virou artigo de primeira, não é acessível kkkkkk. Bom se não sonhei
com nada bom, se não tive sexo; por que esta visão tão fantástica de tudo e
todos?
Não conseguia responder a estas
perguntas, e fui tentando fazer um exercício de memória: O que fiz nestes últimos
dias? Quais as notícias boas que tive nessa última semana? Quem eu encontrei?
Ia tentando lembrar-me de tudo, pois realmente queria uma justificativa para
tanta luz, tanta claridade, tanto brilho. Eu realmente estava impressionada com
tanta nitidez das coisas, dos bichos, das pessoas.
Pensei e repensei, mas não
encontrava mesmo uma resposta para isto. Dei as minhas cinco costumeiras voltas,
cumprimentando as minhas amigas domésticas, que como eu, acordam cedo para
chegarem ao trabalho a tempo de servir o café da manhã dos patrões. Bem verdade
que não faço isto, até porque o patrão daqui toma o seu iogurte e come a
banana, quando muito, e, aliás, eu não tenho mesmo nenhuma vontade de fazer
nada para ninguém, quanto pior pela manhã.
Vi a negona: a ela parecia
mais negona hoje. Fiquei olhando para a pele daquela mulher, feia como todas as
feias, não porque era negra, mas porque ela era feia mesmo, Vi com mais nitidez
as pernas tortas, o beiço grande, o nariz esparrachado no meio da cara, Tudo
isto emoldurado por um cabelo destes que
você emenda no seu próprio e fica aquela cabeleira enorme, mas que você percebe
nitidamente que não é natural. Recordei
do dia em que a negona, ainda não tão nítida, mas sem poder esconder a sua
feiura, falou comigo com a voz tenebrosa que tem: a miséria fala alto demais, ouço tudo que ela fala no telefone
quando está sentada na cadeira sem uma perna lá na porta da maloca onde ela
reside. Ah tenho que dizer que ela é segurança e que trabalha à noite: quando esta
é a razão de encontrá-la todas as manhãs, quando está chegando do
trabalho. Pois bem, a negona vira para
mim um certo dia e me diz algo referente à idade, dizendo que “que a gente (eu
e ela) não nos trocamos por nenhuma dessas meninas”. Dei risada para cacete. E ela continuava a falar, “eu, com 45 não me
troco mesmo por nenhuma menina desta”, eu só fazia rir e então lhe disse: Venha
cá, quantos anos você acha que tenho? Relutante ela disse: uns cinquenta e
cinco! Ri mais ainda, e quando falei em
65 anos, a negona disse que não acreditava de maneira alguma, e se eu tivesse
mesmo esta idade, ela queria chegar nela assim como eu. Não parei de rir hora
nenhuma depois desta conversa, pois não podia imaginar aquela senhora com a
minha idade. A mulher já era toda desengonçada aos 45, imagina com mais vinte
anos nas costas? Continuei rindo muito
ao lembrar disto, e então vi uma outra amiga que com um riso lindo me do bom
dia todos as manhãs. Sempre achei que ela tinha uma barriga enorme para o
tamanho dela, mas hoje, especialmente hoje, me pareceu que a barriga era maior
do que a de antes, uma bola toda fortinha, mas uma bola grande, o que de nenhum
maneira apagou ou apaga o belo sorriso e
a felicidade do bom dia daquela moça desconhecida que me brinda com o seu
sorriso todas as manhãs.
Bom, continuei andando e já na última
volta, continuo me questionando de qual o motivo de tudo aquilo? Passei a mão
no rosto, sabia que não estava de óculos, pois não vou andar de óculos, e,
nesta passada de mão no rosto foi que lembrei: o motivo de tanta nitidez,
abestada, é a operação de catarata que você fez.
Acreditem, é real, e olhe que eu só
fiz em um olho, estou esperando grana para fazer o outro: a claridade, a
nitidez, a iluminação são completamente diferentes. Sorri, fui para casa e já me
acostumei com esta claridade e nitidez, que eu achava que vinha da alma, mas
que era apenas o cristalino do meu olho direito que voltou a ter as suas funções
normais; mas bem que eu gostaria que outros fossem os motivos: talvez um dia,
quem sabe!.
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