domingo, 3 de dezembro de 2017

O Sr da Torre - Continuação III

Voltei para casa com a sensação de que perdi uma grande oportunidade, que não tinha conseguido informações suficientes do Sr. Garcia D´Ávila, como por exemplo, o fato da denúncia de Isabel, sua filha, contra Mécia Rodrigues a sua falecida esposa.   Queria confirmar mesmo que a denúncia se deu porque a Sra. Mécia era cristã nova, ou seja; ela e seus pais vieram de Portugal exatamente pelo fato de serem judeus e, coercitivamente, se tornarem cristãos, por isso mesmo eram chamados de cristãos novos, judeus convertidos.
Estes judeus convertidos comprometiam-se a não observar mais as práticas judaicas, entretanto, Isabel denunciou a madrasta dizendo que a mesma, em casa, continuava observando tais práticas, de acordo com Isabel ela “presenciara dita Mécia Roriz(Rodrigues) três ou quatro vezes em dias diferentes mandar lançar azeite nas panelas da vaca e galinha, dizendo que, porque eram magras o fazia”. Estão vocês rindo! Não riam não, isto era considerado um costume judaico. Em outra passagem, Isabel informa que Mécia Rodrigues comia carne nos dias em que se deveria comer peixe. Salvo engano, nós ainda mantemos o hábito de comer peixe na sexta feira santa, tão lembrados?  Aliás, se bem me lembro, acho que também tínhamos  um costume de comer peixe às sextas feiras. Ainda na denúncia, Isabel informa que quando morreu um escravo de Mécia, esta mandou deitar fora toda a água da casa
Na mesma época em que Mécia foi denunciada, ou seja; na Primeira Visitação do Santo Oficio à Bahia, (1591) sob o comando de Heitor Furtado de Mendonça, foi denunciada a Sra.  Ana Roriz, cristã nova que veio com toda a sua família, marido e filhos para a Bahia estabelecendo-se em Matoim, onde eram proprietários de um engenho de açúcar próspero, o que, entretanto, não evitou que a matriarca da família fosse denunciada e mandada presa para Lisboa, A Sra. Ana Roriz foi presa aos oitenta anos de idade.
Bom, mas não quero falar de Ana Roriz, quem quiser saber mais a respeito desta família, pode encontrar todas as informações nos arquivos da Inquisição na Torre do Tombo, todos os documentos da visitação do Santo Oficio na Bahia estão digitalizados e podem ser acessados através do site da Torre do Tombo.[1]
Voltando à Isabel e a sua denúncia, que não gerou qualquer consequência. Também ia perguntar ao Sr. Garcia D´Avila se foi realmente verdade que ele teve um outro filho que o denunciara ao Santo Oficio, já que estávamos tão íntimos, era melhor obter esta confirmação diretamente da fonte original, a ter de procurar  fontes históricas, mas foi esta a opção que restou, e, de acordo com  CALMON(1983:31), [2] a denúncia existiu mesmo, na denúncia o filho bastardo de Garcia D´Avila, João Homem, declarou-se filho do Sr. da Torre e de uma senhora de nome Catarina Roriz o homem gostava deste apelido) ao visitador do Santo Oficio.  Não encontrei qualquer informação a respeito das consequências desta denúncia, entretanto no seu testamento o velho da Torre reconhece, indiretamente, o filho, deixando um legado para as duas filhas deste, ou seja, para as inclusive determinando ao neto Francisco, o seu herdeiro, que as recebessem em Tatuapara, na casa da Torre.
“Declaro e mando, que o possuidor do prazo acima dito, suas benfeitorias hirá dando cinquenta mil réis em cadahum anno, cinquenta mil réis, os quaes se depozitarão e entregarão na Caza da Santa Misericórdia desta cidade athé a quantia de cento e cincoenta mil réis para dote e casamento da filha mais velha de João Homem, que Deos tem; o qual dote a dita Caza entregará ao marido que com ella cazar, cazada a dita filha mais velha hira dando pela mesma ordem outra tanta que se depozitara na mesma forma para casamento da outra órfã segunda filha de João Homem para caz doutra órfã, segunda filha de dito João Homem[...], [...] depois de cazadas, querendo ellas com os ditos maridos, acomodar-se nas terras do dito prazo, as acomode como melhor lheparecer desorte que comodamente possao nella viver em suas vidas com rossas e creações ; eem quanto não se cazarem  o dito possuidor as recolherá  em Tatuapara[...] Livro II do Tombo do Mosteiro de São Bento, pp.283-284. [3]
Fiquei pensando: volto outra vez a Casa da Torre?  As minhas entrevistas com o Sr. D´Ávila me deixavam aflita, embora a curiosidade da historiadora batesse forte, mas tinha que acabar com aquilo, até porque para ir ter com o dito senhor, eu precisava gastar dinheiro. Percebam bem: tinha de pegar meu carro, colocar gasolina, sair de Arembepe, dirigir até Praia do Forte, pagar a entrada, sim porque só tinha acesso às ruinas pagando a entrada, será que valia a pena tudo isto? Eu posso responder a esta pergunta, racionalmente valia muito a pensa, mas o meu emocional me dizia que tinha de acabar com esta história.
Bom tenho que decidir isto, mas, para minha surpresa, quando cheguei em casa, quem está sentado na minha sala? O Sr. Garcia D´Ávila, se não fosse um espirito e eu sabia disto, diria que em carne e osso. Tomei um grande e imenso susto. Meu deu ganas de perguntar-lhe como ele entrou na minha casa.
O desgraçado nem me deu tempo de recuperar-me: -   Sois casada? Quem é o vosso marido?  A quem ele paga o foro?
- Sr D´Ávila como me achou?
. Segui-te, simplesmente, foi difícil porque esta geringonça em que andas é muito rápida, mas meus cavalos são bons e cá estou.
- Sr D´Ávila o senhor não pode invadir assim a casa dos outros, faça o favor de retirar-se.
- Como? O que estas a dizer? Vais me expulsar da minha própria terra? Se alguém tem de sair daqui certamente  é a senhora. O homem estava vermelho de raiva. Eu já nervosa, tentando falar baixo, mas com uma vontade danada de gritar, corri para o quarto e me tranquei, como se isto fosse suficiente para afasta-lo, ledo engano!  O homem estava lá diante de mim parecia querer agarrar-me, me esganar.
-Não podes fugir de mim, não vês, não percebes?
Sr. Garcia o que o senhor quer de mim/
Quero saber o que sabes sobre a minha família, que termines o que começastes. Deixaste-me curioso, porque falas de coisas das quais não me lembro de ter passado ou acontecido.
-Claro senhor D´Ávila que não podes saber de coisas que aconteceram depois do seu passamento.
-Já vos disse que estou aqui, e que não houve qualquer passamento, mas não quero aborrecimentos consigo,s quero é que me contes mais, gosto da sua narrativa, mas daqui em diante teremos que marcar um dia, pois estas a me fazer perder muito empo e sou um homem muito ocupado, tenho que cuidar dos meus bens, do gado, dos escravos, do açúcar, das terras,  etc.´
Sr D´Ávila eu preciso comer, dormir, não podemos tratar disto em outra hora?
- Nem percebi que já está a escurecer. Não vai ascender as tochas e o azeite?  Onde estão os seus escravos para fazer isto?
-Em que ano o Sr está vivendo?
- Em 1592.
Pensem aí como seria difícil para mim explicar àquele senhor, acostumado a ser obedecido, o garanhão de Tatuapara,( pois o danado era mesmo um comedor, era um garanhão português, macho que demonstrava, em ações, esta qualidade tão cultivada pelos homens portugueses que aqui vieram, e penso que ainda cultivam orgulhosamente os hoje patrícios) transou bem, andou com as oficiais e reconhecidas pela sociedade da época, como também as extra oficiais, teve aventuras com mulheres brancas e com as índias,, teve a esposa Mécia, aliás, com quem casou obrigado, pois este seu casamento foi, como se dizia à época, na justiça. E  como diria minha mãe,  “quem puxa aos seus não degenera”, a  sua filha Isabel  andou adiantando o serviço e teve um casamento determinado pela Justiça ( foi deflorada pelo homem que se tornou o seu primeiro marido), Sim, voltando ao Sr D´Ávila, como eu poderia dizer a ele que o tempo havia mudado, que eu não tinha escravos, que a luz era elétrica, etc. então não expliquei nada, e lhe disse que mais tarde providenciaria tudo, que a luz do dia ainda era suficiente, mas que ele precisava  ir embora, que de lá de casa, Arembepe para a Torre, seu castelo, era longe e quando ele chegasse lá já seria noite alta.
Consegui convencer o homem que realmente montou no cavalo que estava apeado à porta lá de casa. Fui até a porta para vê-lo desaparecer, pedindo a Deus que ele não desse na telha de retornar e ainda preocupada com os vizinhos, que, certamente não iam entender nada, vendo-me a falar com alguém que só eu podia ver, falar, conversar.   
Quando tive a certeza de que não voltaria mesmo, passados duas horas ou mais que ele se tinha ido, peguei os livros e comecei a ler, afinal tinha de ficar afiada mesmo porque, com certeza, ele não ia desaparecer assim tão fácil da minha vida e agora eu estava perdida mesmo, pois ele poderia aparecer a qualquer momento e lá na minha casa. Este último pensamento me provocou calafrios, só faltava agora eu acordar com o homem da torre deitado ao meu lado.,.
Mas, o que descobri, será objeto de um novo capitulo. Kkkkkk, aguardem




[1] Digitarq.arquivos.pt
[2] CALMON Pedro. História da Casa da Torre – Uma Dinastia de Pioneiros, 3ª. Ed. Salvador, Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1983
[3] Livro II Tombo do Mosteiro de São Bento, p 284 ( a grafia é a da época, como está no livro de tombo)

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