Voltei para casa com a
sensação de que perdi uma grande oportunidade, que não tinha conseguido
informações suficientes do Sr. Garcia D´Ávila, como por exemplo, o fato da denúncia
de Isabel, sua filha, contra Mécia Rodrigues a sua falecida esposa. Queria confirmar mesmo que a denúncia se deu
porque a Sra. Mécia era cristã nova, ou seja; ela e seus pais vieram de Portugal
exatamente pelo fato de serem judeus e, coercitivamente, se tornarem cristãos,
por isso mesmo eram chamados de cristãos novos, judeus convertidos.
Estes judeus convertidos
comprometiam-se a não observar mais as práticas judaicas, entretanto, Isabel
denunciou a madrasta dizendo que a mesma, em casa, continuava observando tais práticas,
de acordo com Isabel ela “presenciara dita Mécia Roriz(Rodrigues) três ou
quatro vezes em dias diferentes mandar lançar azeite nas panelas da vaca e
galinha, dizendo que, porque eram magras o fazia”. Estão vocês rindo! Não riam
não, isto era considerado um costume judaico. Em outra passagem, Isabel informa
que Mécia Rodrigues comia carne nos dias em que se deveria comer peixe. Salvo
engano, nós ainda mantemos o hábito de comer peixe na sexta feira santa, tão
lembrados? Aliás, se bem me lembro, acho
que também tínhamos um costume de comer
peixe às sextas feiras. Ainda na denúncia, Isabel informa que quando morreu um
escravo de Mécia, esta mandou deitar fora toda a água da casa
Na mesma época em que Mécia
foi denunciada, ou seja; na Primeira Visitação do Santo Oficio à Bahia, (1591)
sob o comando de Heitor Furtado de Mendonça, foi denunciada a Sra. Ana Roriz, cristã nova que veio com toda a
sua família, marido e filhos para a Bahia estabelecendo-se em Matoim, onde eram
proprietários de um engenho de açúcar próspero, o que, entretanto, não evitou
que a matriarca da família fosse denunciada e mandada presa para Lisboa, A Sra.
Ana Roriz foi presa aos oitenta anos de idade.
Bom, mas não quero falar
de Ana Roriz, quem quiser saber mais a respeito desta família, pode encontrar
todas as informações nos arquivos da Inquisição na Torre do Tombo, todos os
documentos da visitação do Santo Oficio na Bahia estão digitalizados e podem
ser acessados através do site da Torre do Tombo.[1]
Voltando à Isabel e a sua
denúncia, que não gerou qualquer consequência. Também ia perguntar ao Sr.
Garcia D´Avila se foi realmente verdade que ele teve um outro filho que o
denunciara ao Santo Oficio, já que estávamos tão íntimos, era melhor obter esta
confirmação diretamente da fonte original, a ter de procurar fontes históricas, mas foi esta a opção que
restou, e, de acordo com CALMON(1983:31),
[2] a denúncia existiu mesmo,
na denúncia o filho bastardo de Garcia D´Avila, João Homem, declarou-se filho
do Sr. da Torre e de uma senhora de nome Catarina Roriz o homem gostava deste
apelido) ao visitador do Santo Oficio. Não
encontrei qualquer informação a respeito das consequências desta denúncia, entretanto
no seu testamento o velho da Torre reconhece, indiretamente, o filho, deixando
um legado para as duas filhas deste, ou seja, para as inclusive determinando ao
neto Francisco, o seu herdeiro, que as recebessem em Tatuapara, na casa da
Torre.
“Declaro e mando, que o possuidor do prazo
acima dito, suas benfeitorias hirá dando cinquenta mil réis em cadahum anno,
cinquenta mil réis, os quaes se depozitarão e entregarão na Caza da Santa
Misericórdia desta cidade athé a quantia de cento e cincoenta mil réis para
dote e casamento da filha mais velha de João Homem, que Deos tem; o qual dote a
dita Caza entregará ao marido que com ella cazar, cazada a dita filha mais
velha hira dando pela mesma ordem outra tanta que se depozitara na mesma forma
para casamento da outra órfã segunda filha de João Homem para caz doutra órfã,
segunda filha de dito João Homem[...], [...] depois de cazadas, querendo ellas
com os ditos maridos, acomodar-se nas terras do dito prazo, as acomode como
melhor lheparecer desorte que comodamente possao nella viver em suas vidas com
rossas e creações ; eem quanto não se cazarem
o dito possuidor as recolherá em
Tatuapara[...] Livro II do Tombo do Mosteiro de São Bento, pp.283-284. [3]
Fiquei pensando: volto
outra vez a Casa da Torre? As minhas
entrevistas com o Sr. D´Ávila me deixavam aflita, embora a curiosidade da
historiadora batesse forte, mas tinha que acabar com aquilo, até porque para ir
ter com o dito senhor, eu precisava gastar dinheiro. Percebam bem: tinha de
pegar meu carro, colocar gasolina, sair de Arembepe, dirigir até Praia do
Forte, pagar a entrada, sim porque só tinha acesso às ruinas pagando a entrada,
será que valia a pena tudo isto? Eu posso responder a esta pergunta,
racionalmente valia muito a pensa, mas o meu emocional me dizia que tinha de
acabar com esta história.
Bom tenho que decidir
isto, mas, para minha surpresa, quando cheguei em casa, quem está sentado na
minha sala? O Sr. Garcia D´Ávila, se não fosse um espirito e eu sabia disto,
diria que em carne e osso. Tomei um grande e imenso susto. Meu deu ganas de
perguntar-lhe como ele entrou na minha casa.
O desgraçado nem me deu
tempo de recuperar-me: - Sois casada?
Quem é o vosso marido? A quem ele paga o
foro?
- Sr D´Ávila como me achou?
. Segui-te, simplesmente,
foi difícil porque esta geringonça em que andas é muito rápida, mas meus
cavalos são bons e cá estou.
- Sr D´Ávila o senhor não
pode invadir assim a casa dos outros, faça o favor de retirar-se.
- Como? O que estas a
dizer? Vais me expulsar da minha própria terra? Se alguém tem de sair daqui
certamente é a senhora. O homem estava
vermelho de raiva. Eu já nervosa, tentando falar baixo, mas com uma vontade
danada de gritar, corri para o quarto e me tranquei, como se isto fosse
suficiente para afasta-lo, ledo engano!
O homem estava lá diante de mim parecia querer agarrar-me, me esganar.
-Não podes fugir de mim,
não vês, não percebes?
Sr. Garcia o que o senhor
quer de mim/
Quero saber o que sabes
sobre a minha família, que termines o que começastes. Deixaste-me curioso,
porque falas de coisas das quais não me lembro de ter passado ou acontecido.
-Claro senhor D´Ávila que
não podes saber de coisas que aconteceram depois do seu passamento.
-Já vos disse que estou
aqui, e que não houve qualquer passamento, mas não quero aborrecimentos consigo,s
quero é que me contes mais, gosto da sua narrativa, mas daqui em diante teremos
que marcar um dia, pois estas a me fazer perder muito empo e sou um homem muito
ocupado, tenho que cuidar dos meus bens, do gado, dos escravos, do açúcar, das
terras, etc.´
Sr D´Ávila eu preciso
comer, dormir, não podemos tratar disto em outra hora?
- Nem percebi que já está
a escurecer. Não vai ascender as tochas e o azeite? Onde estão os seus escravos para fazer isto?
-Em que ano o Sr está
vivendo?
- Em 1592.
Pensem aí como seria
difícil para mim explicar àquele senhor, acostumado a ser obedecido, o garanhão
de Tatuapara,( pois o danado era mesmo um comedor, era um garanhão português,
macho que demonstrava, em ações, esta qualidade tão cultivada pelos homens
portugueses que aqui vieram, e penso que ainda cultivam orgulhosamente os hoje
patrícios) transou bem, andou com as oficiais e reconhecidas pela sociedade da
época, como também as extra oficiais, teve aventuras com mulheres brancas e com
as índias,, teve a esposa Mécia, aliás, com quem casou obrigado, pois este seu
casamento foi, como se dizia à época, na justiça. E como diria minha mãe, “quem puxa aos seus não degenera”, a sua filha Isabel andou adiantando o serviço e teve um casamento
determinado pela Justiça ( foi deflorada pelo homem que se tornou o seu
primeiro marido), Sim, voltando ao Sr D´Ávila, como eu poderia dizer a ele que
o tempo havia mudado, que eu não tinha escravos, que a luz era elétrica, etc.
então não expliquei nada, e lhe disse que mais tarde providenciaria tudo, que a
luz do dia ainda era suficiente, mas que ele precisava ir embora, que de lá de casa, Arembepe para a
Torre, seu castelo, era longe e quando ele chegasse lá já seria noite alta.
Consegui convencer o
homem que realmente montou no cavalo que estava apeado à porta lá de casa. Fui
até a porta para vê-lo desaparecer, pedindo a Deus que ele não desse na telha
de retornar e ainda preocupada com os vizinhos, que, certamente não iam
entender nada, vendo-me a falar com alguém que só eu podia ver, falar,
conversar.
Quando tive a certeza de
que não voltaria mesmo, passados duas horas ou mais que ele se tinha ido,
peguei os livros e comecei a ler, afinal tinha de ficar afiada mesmo porque,
com certeza, ele não ia desaparecer assim tão fácil da minha vida e agora eu
estava perdida mesmo, pois ele poderia aparecer a qualquer momento e lá na
minha casa. Este último pensamento me provocou calafrios, só faltava agora eu
acordar com o homem da torre deitado ao meu lado.,.
Mas, o que descobri, será
objeto de um novo capitulo. Kkkkkk, aguardem
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