sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Um passeio noturno pelo centro de Lisboa

Lisboa está deserta, Praça do Comércio, Rua Augusta, Rossio, Restauradores, Avenida da Liberdade. Era madrugada. Gatos pingados procuravam suas portas para adentrarem as suas casas, mas eu estava ali, andando sozinha pelas calçadas molhadas e vendo as fachadas iluminadas dos velhos prédios. Ah como era boa esta sensação! Lisboa era só minha, as portas fechadas me davam a segurança de que estava só, que àquela hora dificilmente alguém sairia delas para me amedrontar ou respirar o ar que, naquele momento, eu me apossara, era todo meu.
Não sentia outro cheiro que não a da rua molhada, das pedras brilhantes encharcadas da chuva. Tudo sombrio, mas se consegue, senão todos, eu vejo, ver beleza nestas noites frias, molhadas e com uma iluminação meio opaca, mas que embelezavam, mais ainda, as grandes fachadas.
A estação do Rossio, já com as suas portas fechadas mostrava todo o seu esplendor, como é linda! Tudo meu agora, tinha um sentimento de posse, naquele momento eu era a dona de tudo, não tinha de dividir nada com ninguém.
Medo? Não, nenhum. Só sentimentos bons. Lisboa minha, se entregando de uma outra maneira, solitária como eu naquele momento, se deixava percorrer sem reclamar de nada. Não se ouvia nem mesmo passos na calçada; se alguém se aproximasse eu poderia ouvir com muitos metros de distância, pois o silêncio era quem dominava o ambiente. Eu e meus passos éramos o que se ouvia. Sento-me para que nem mesmo os meus passos, sequer a minha respiração, seja ouvida. Fecho os olhos: vivo toda a beleza dessa cidade fantástica, deste centro que eles chamam de baixa. Ah baixa de Lisboa! Ah, quantas saudades sinto agora destes momentos de extrema entrega tua e minha! Nesses momentos éramos uma só, eu me confundia com as suas pedras, com os seus monumentos, com os seus aromas.
Caminhava sozinha pelos lugares que, sabia, voltaria de dia, com a luz intensa dos dias brilhantes da cidade, todavia, não seria a mesma coisa de agora, pois eu iria dividir você com tantos, que nem mesmo, na grande maioria das vezes, pisam forte em suas pedras, com raiva, com pressa, sem terem tempo de olhar a sua beleza, sem entenderem que as suas pedras, secas ou molhadas, embora sempre brilhantes, contam histórias diversas, as suas e as deles,  pois cada um faz uma história (relacionamento) quando passam sobre elas.
Olho agora a Pensão Ibérica. Sempre tive uma curiosidade danada de entrar ai. Como será? Quem será que vive nesse lugar?  Nunca entrei, só poderia fazê-lo pela parte do dia. A noite poderia ficar estranho que eu, sozinha, entre e pergunte alguma coisa. Fiquei na curiosidade até hoje, mas quem sabe, um dia tomo uma coragem e entro e invento qualquer motivo para estar ali, procurando um quarto talvez.
Vejo as escadas da estação do metro dos Restauradores: está fechada, o metro a esta hora não funciona, só poderia voltar para casa, naquele momento, de táxi. Nem mesmo camionetas passam nesse horário.
Um casal vem andando na rua, parecem bêbados; fico com inveja, pois eles estão alegres, felizes, ainda que momentaneamente, beijam-se, sorriem, gargalham.  Quando passam por mim, percebo  que são brasileiros. Penso comigo: Que bom! Tomara que amanheçam assim, pois sei perfeitamente que a vida cotidiana dos brasileiros aqui não é sempre de risos.
Todavia, o pensamento passa rápido e volto a concentrar-me em você. Fico na dúvida agora, subo a Liberdade, ou volto ao Rossio, agora pelas portas de Santo Antão? Decido que vou entrar na Rua do Hard Rock e seguir pelas Portas de Santo Antão até a lateral do Teatro, e é o que faço.  Os restaurantes estão todos fechados. Não há mesas na rua, elas estão empilhadas. A rua está livre só para mim. Passo pela porta do Teatro, pela Sociedade de Geografia, pela Casa do Alentejo, por tantos e tantos prédios históricos.  Olho extasiada para todos. Meu coração acelera, as pedras soam a cada passada minha, a minha bota faz o toc, toc, que no silêncio de tudo parece ressoar como batidas fortes em portas de madeira.  Como brilham as pedras. Lembro-me da música que Carminho canta, e por um momento ando com ela, como se as pedras molhadas pudessem me trazer alguém, ou então, chorarem por alguém que se foi. O candeeiro da esquina, mesmo sem a luz da lua, não traz qualquer sombra de ninguém ou de nada, apenas a sua luz faz brilhar, mais e mais, as pedras da rua.
O Largo de São Domingos está completamente vazio e eu paro e fico olhando tudo aquilo. Olho para a porta da Ginjinha, um pensamento passa: Fico aqui esperando o dia amanhecer para tomar uma ginja?  Maluquice. O que tenho de fazer é ir embora, por mais segura que seja Lisboa, não posso ficar aqui sozinha às duas horas da manhã.
Alcanço a frente do teatro, tenho de me afastar dali rápido, ali dormem moradores de rua, e ainda que possam ser inofensivos, me provocam uma sensação estranha.  Tenho de procurar um táxi, o que já está difícil àquela hora, mas há sempre um salvador da pátria, ali mesmo à porta do teatro. Entro nele e dou o endereço, não sem antes olhar mais uma vez a Praça, a sua solidão, tal qual a minha, e a sua luminosidade, a que não tenho, e a que invejo.

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