Acorda sozinha, o telefone
toca muitas vêzes, olha pelo visor e não reconhece o número e não atende, também, quem estaria
lhe ligando as sete da manhã em um sábado? Um número desconhecido,
possivelmente um engano, engano que a fez despertar e ver a sua imensa, intensa e grandiosa
solidão.
O computador é o seu companheiro de cama, é com ele e com os
livros que divide a cama de casal; há também a caixinha que guarda os pen
drivers, llenos de seus estudos,
devaneios, fotos, sonhos. Como ja não
vai conseguir mesmo dormir mais, aliás, não tem hábito de fazê-lo depois de
sete, sempre acorda entre seis e seis e meia,
vai estudar ou escrever, suas duas válvulas de escape há muitos e muitos anos. Gosta dos dois, mas
atualmente prefere ler, porque os seus
escritos não andam bem, as coisas que lhe passam na alma não podem ser
divulgadas. Não quer escrever problemas e nem
tristezas, sempre achou que
deveria escrever coisas alegres, ainda que fazendo parte das suas
tristezas e história de vida, mas que conseguissem, com muito humor, fazer com que as pessoas ficassem alegres e acreditassem nos seus
sonhos. Acontece que as suas tristezas a sua história de vida já não tem mesmo
graça e ela parece ter envelhecido e esquecido um pouco dos sonhos e do seu bom
humor para comentar as suas derrotas, as
suas desventuras, os seus fracassos e até mesmo as suas vitórias.
Não está bem, e, por isso
mesmo resolve que o melhor é ler. Mas ler o que? Livros técnicos ligados a sua
área científica? Não, não aguenta
mais, precisa mudar o rumo, esquecer de trabalho, quer ler coisas
leves, coisas que sejam apreendidas
rapidamente, nada que faça com que ela
tenha de reler, ao menos cinco vezes,
uma só pagina. Tenta procurar nos seus
alfarrabios alguma leitura, mas não encontra nada que lhe apeteça. Com a
palavra lembra de amigos, o que faz com que uma pessoa troque “agradar” por “apetecer”? Fica com esta
pergunta lhe martelando. Agradar é uma
palavra tão bonita, tão sugestiva, tão cheia de amor e de melodia. Por que
trocá-la por apetecer que é tão agressiva, o “p” no meio dela já dá o tom do
agresivo, do obrigatório do quase
“pornofônico”. Apetecer! Coisinha feia. Tenta
conjugar o verbo, talvez em algum tempo diferente do infinitivo
possa apaziguar o som, e segue: eu apeteço, tu apeteces, ele apetece. Não, não pode ser assim, este
verbo não pode ser conjugado assim. Eu
apeteço: eu apeteço o que? Apeteço a alguém. Já não lembra bem como se diz de
um verbo que tem de ter um pronome que lhe siga, ou que o anteceda, para que ele possa ter
sentido; deve ser reflexivo. Pensa
ela: então o verbo apetecer tem de
estar acompanhado de alguma coisa, ele não sobrevive sozinho.
Com o verbo agradar você pode dizer eu agrado à alguém, mas com apetecer
fica demasiado feio dizer “eu apeteço à alguém”, puta que pariu! Isto é mesmo
um tiro no saco, e já ninguem se aptece de ler uma zorra desta e nem da própria
pessoa que se diz apetecer.
O que fazer então para dizer
alguma coisa com este verbo tão agressivo que não pode ser conjugado na
primeira pessoa do indicativo? Vejamos bem. Eu apeteço a João: O que quero dizer? João me quer, João tem
vontade de “ me comer”? Se eu disser, eu
agrado que conotações isto pode ter? Vejam bem a diferença: Eu agrado, pode
significar: eu sou interessante e,
portanto, agrado ao olhar das pessoas, ao seu “paladar”, aos seus sentimentos.
Também posso dizer eu agrado ao José, ao
Mario, enfim,a qualquer um. Eles podem me desejar. Outrossim, posso agradar
alguém no sentido de dar um presente, um
carinho, uma emoção, enfim, o verbo agradar pode ser tudo: galanteador,
doador, amoroso. Pode, ou não, ser reflexivo, porque a ação de agradar pode
recair exatamente na minha pessoa, eu posso me agradar em fazer isto ou aquilo
por mim mesmo ou por alguém. Apetecer
não, apetece tem sempre de ser reflexivo, não dá para conjugá-lo diferentemente.
Verbozinho pernóstico, para a gente
poder usá-lo tem que ficar com a “boca cheia de ovo”, dar entonações germanicas,
metidas, a mim me aptece ir à
praia: depois de tudo isto é melhor não ir, porque a gente já se cansou só de
exprimir a nossa vontade e a praia, que,
por certo, não estará, sequer,
receptiva. E quando ele é passado ou será um futuro que não vai acontecer? A mim apetecia-me ir a praia. Isto é o
que? Voce queria ir e não foi ou você
ainda quer ir, está pensando em ir? O Melhor
uso desta palavra é na negativa, porque quando o verbo apetecer é assim
aplicado você pode notar, inclusive na sonoridade, que ele é um verbo
de cariz agressivo, nasce agressivo e morre agressivo. “Não me apetece”!
Coisa dura, agressiva, mas não deixa qualquer dúvida em relação ao que se quer
expressar, não quero e pronto, não me encha mais o saco!
Pois é, vou parar por aqui,
não quero correr riscos de falar tanto de apetecer, sem apetecer à ninguém, e
na altura ficar “desapetecida”. Duro não é?
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