terça-feira, 20 de março de 2012

Liberdade e Prisão: só uma questão de abrir e fechar portas


  “Quando fores orar, entre no teu quarto, fecha a porta e ores a teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê o escondido te recompensará”.( Mt. 6, 6)
Não sou católica praticante, acredito em Deus como força superior  universal, não como o Salvador que se materializou no seu filho para  vir ao mundo e fazer todas as coisas que  dizem que ele fez, aliás, gosto mesmo é da parte  da transformação da água em  vinho, mas  a citação acima me faz pensar e muito.
Primeiro e exatamente porque nos remete à meditação. O que é orar senão meditar a respeito da própria vida, solicitar ajuda para nossos problemas e para os dos demais? E como podemos meditar se não estivermos em completa sintonia consigo próprio, o que só se consegue com o silêncio, que possibilita  uma  interiorização de nós mesmos?
Para orar, meditar, encontrar soluções, é necessário que nos recolhamos, saíamos  do ambiente em que estamos, fiquemos sós.
Pois é, para encontramos soluções precisamos, primeiro abrir a nossa porta de entrada de amor,  e depois fechar a porta do nosso quarto para que ninguém possa incomodar este momento tão nosso, que não pode realmente ser partilhado com ninguem, a não ser com o cosmos, com o universo, enfim, com Deus, Gilberto Gil já ensinou isto.
Talvez por isso mesmo, por sempre procurar o caminho para abrir a minha porta e isolar-me dentro do meu quarto e conversar com Deus, é que fico inebriada com portas, as portas materiais, aquelas que servem de entrada e saída, de segurança e proteção, de liberdade ou prisão, de fechamento ou de abertura, portas enfim, cumprindo a sua própria função.
Por olhar as portas desta maneira é que bem as observo e agora, quando as portas da velhice se abrem para mim, tenho que encontrar saída para uma realidade que se apresenta não muito promissora, e resolvi  dar mais atenção às portas, até o ponto de  fotografá-las.
Faço isto aqui em Lisboa, porque aqui tenho como estar sozinha andando pelos becos e ruas, escadinhas sujas,lugares pouco recomendáveis pelos da terra, mas que eu, como daqui não sou, posso me aventurar a andar por eles sem sofrer qualquer tipo de discriminação dos meus congêneres; quando muito pensam que sou alguma turista louca, excêntrica, sei lá o que. 
Porta na Baixa de Lisboa
 Vi  mesmo muitas portas! Ah! Como  elas podem nos dizer coisas, até mesmo  falar das pessoas  que estão por detrás delas, ou que passam por elas, seja entrando ou saindo.
Lisboa- Sta Apolonia
Há portas pequenas, baixas, grandes, de ferro, de madeira, de vidros, de  bronze, de correr, de levantar. Portas  poderosas, potentes que nos dão a certeza do que por detrás dela acontece, pode acontecer, ou mesmo, já aconteceu. Há  portas abertas, entreabertas, fechadas, hermeticamente fechadas, trancadas, novas, antigas, destruídas. Alguns estão fechadas e guardam, decididamente nada, apenas fantasmas dos que ali já viveram. Há muitas destas em Lisboa, casas antigas e velhas, lindas, mas que estão fechadas por diversos motivos, um deles, talvez  o mais comum, heranças em processos judiciais, brigas entre familiares que ja estiveram atrás daquelas portas, e sei lá o que fizeram para elas se fecharem desta maneira em questões mal resolvidas, ficam ali a demonstrar, materialemente, o que os espiritos daqueles que ali viveram  sentem em relação a tanta confusão. Outras, e também um grande número delas,  guardam  dívidas dos seus proprietários para com o Estado, que recebe a  casa como pagamento delas, mas deixa que ela  sucumba com toda a sua história através das portas fechadas que impedem que ali tenha algum tipo de vida, a não ser das ratazanas que passeiam livres pelo seu interior, quando  ainda encontram algum tipo de alimento.
Todavia, não há só portas que guardam tristezas, embora fechadas elas  são alegres  por natureza, são portas pequeninas, que se abrem em dias de festas  no bairro, que se abrem para que os habitantes da casa que resguardam possam sair e viver, portas que se abrem, tanto para  permitir que os seus donos saiam quanto entrem, saim para procurar a felicidade e retornem com elas. Dão, todos os dias a chance de que aquelas pessoas que por ela passam sejam felizes e livres. Elas falam por si, são coloridas, tem aberturas para cartas, tem uma maozinha para anunciarem um visitante, ou talvez um cobrador inconveniente, muitas estão pintadas de verdes,  para demonstrarem o quanto de esperança transmitem quando se abrem ou se fecham.
Tem portas imensas, guardadas por seguranças: Ah estas portas! O que elas podem esconder? O que elas não permitem que passe para fora? Corrupção, falcatruas, mortes,? Será que por isso mesmo é que são guardadas tão fortemente? E as portas das cadeias? Estas que asseguram o bem estar da população, aparentemente livres dos que, agora, não tem liberdade.
Portas  outras, imponentes, guardam o saber, estas são efetivamente lindas, trabalhadas, fortes, áusteras, mas metem medo aos neófitos que por elas passam pela primeira vez; depois eles se acostumama e já nem ligam mais para a sua imponência; se estiverem fechadas até se recostam nela, lógico que pela segurança própria que elas lhe dão. Agora que  ultrapassarm uma das barreiras do saber podem se dar a este luxo, de nelas encostarem-se e até mesmo  refestelarem-se.
Porta Igreja de N.Sra. Fátima-Pt.
Igreja N.S. da Boa Viagem-Ba

Portas de Igrejas:, ah estas portas! Primeiro deveriam estar sempre abertas, mas não estão: as vêzes estão fechadas  nas horas em que mais se precisa que elas estejam abertas. Descobri que santo também tem hora de almoço, e, ao menos aqui, algumas igrejas fecham  para almoço, só falta colocar um plaquinha. Todavia, no Bonfim também é assim, já cheguei lá na hora do almoço e foi uma merda, pois se esperar  gente de carne e osso comer já é  difícil, imagine  esperar que santos, que tem  Jesus para  estar sempre multiplicando, seja pão, seja peixe e ainda  transformar água em vinho, acabarem de almoçar, almoço que pode se prolongar e  ajantarar-se, virando uma uma  comemoração  “vinhobeberição”, e a a gente que fique esperando que eles cansem, se fartem e retornem aos seus postos de trabalho para ouvirem as lamúrias e os pedidos. É melhor mesmo estar alimentado e meio ébrio, a chatice é menor.
A porta da casa da Vera: esta é uma porta particularmente importante; é a porta que me acolhe  aqui em Lisboa, de onde saio para as caminhadas, para as aulas, para as “descobertas”, mas que está sempre disposta a se abrir para o meu retorno. Para que  fique bem trancada ela exige quatro voltas de chave;  não me importo! Dou todas. As vezes  volto da rua para ver se dei  mesmo todas as voltas, embora ela, pelo lado de fora, tenha  um dispositivo máximo de segurança, a chave só sai da fechadura se as voltas estiverem completas.

 Príncipe Real-Lisboa
Aqui tem muitos palacetes,e eu fico olhando as portas, querendo ultrapassá-las para ver o que elas guardam mesmo. Fico imaginando a casa, os cômodos, as pinturas nas paredes. Sou capaz até de  imaginar  os donos; uma senhora  grisalha com "pince nez" e bengala de cabo de marfim, decadente claro, mas ainda pensando  no tempo em que dava ordens, tinha escravos. Todavia, há ainda aquelas que  tem pose, e com pose e posse mesmo. Bom, o fato e que eu queria entrar em todas as duas hipóteses, eu gosto de ver este tipo de coisa.
Porta no Chiado-Lisboa
Outro dia, sem querer, ia passando pelo Chiado e vi um porta aberta, a porta de um palacete; entrei  e, com supresa, vi que ali tinha uma exposiação sobre fotos de Moçambique.Subi  as escadas  e me deparei com uma coisa exraordinariamente linda,  um palacete mesmo, com afrescos em suas paredes, estragados pelo tempo claro, mas ainda visíveis e demonstradores da imponência daquela casa quando ela vibrava. O chão dos diversos salões decorados eram lindos,  pedras formando desenhos  geométricos, mármores de cores variadas, lustres que só de olhar me davam  pavor de pensar  sua limpeza; escadas imensas com  veludos vermelho protegendo degraus e evitando que os passantes escorregassem. A exposição de fotos estava uma merda, mas a casa em si era qualquer coisa, havia muitas portas fechadas,  portas que não me deixaram ver o outro lado.
A porta principal da Sociedade de Geografia de Lisboa; eta porta importante! Porta de acesso ao saber e à imponência de uma época, data de 1875. Quando se adentra àquela porta  parece que voltamos no tempo e no espaço. E muitas outras portas se lhe seguem. A do salão principal do lado esquerdo onde funciona um restaurante; a do primeiro andar  que dá acesso a biblioteca. Portas imensas que demonstram toda a importância do lugar que já comandou uma politica no país,mui principalmente em relação às colônias.
Oura porta que me deu um grande prazer em atravessá-la foi a do Arquivo Histórico do Ultramar.  Poderosa, linda, guardando relíquias e permitindo o acesso a elas.  Há um salão neste arquivo guardado por portas magistrais, que  é qualquer coisa de emocionante, ficamos extasiados diante de tanta pompa e beleza.
Poderia falar de muitas portas,as que conheci, as que não consegui ultrapassar, as que me impediram de realizar sonhos, as que demonstraram as mentiras de muitos, as que esconderam vergonhas, mas um dia ainda falo delas, portas dão muitas e muitas  crônicas.
Estação do Rossio.Lisboa
Portas podem  lhe surpreender verdadeiramente, seja ao serem abertas, seja ao se fecharem: por  exemplo; A porta da  Casa do Alentejo nas Portas de Santo Antão em Lisboa:  você não dá nada por ela, mas se um dia tiver oportunidade, entre, você vai ficar extasiado com o que vai encontrar lá dentro, é de não se acreditar mesmo; a porta da Biblioteca da Faculdadde de Direito de Coimbra( a antiga) deixo de fazer comentários, adentre:  portas da Estação de Campaña no Porto;  porta da Igreja do Sao Francisco em Salvador  da Bahia, da Igreja de São Roque aqui na Trindade-Lisboa; portas da Igreja do Senhor do Bonfim da Bahia; portas da antiga Biblioteca Central de Salvador-Ba., ficava ali no Paço Municipal; portas dos Mercados Municipais ( Sao Paulo; Ribeira-Lisboa, Setubal-Pt, Figueira da Foz-Pt, Barcelona-Es, dentre outros), portas do Palácio da Aclamação em Salvador; portas da estação de comboio de Maputo-Moçambique; há, também, as portas da Estação de Ferro do Rossio- Lisboa, da Alhambra em Granada. A par destas portas públicas, há, ainda, as portas de acesso privado: portas do meu primeiro e único escritório de advocacia; as portas abertas das minhas casas, seja as que perdi, seja a que ainda tenho; portas das diversas varas em que trabalhei, portas das casas de amigos ( Glória e Marcos, Aércia e Lula, Tercinha, Pedro, Angela, Celeste e Jorge,Sonia e Raimundo, Catuama, Maria, Tininho e Marta, Licia e Dorico,Zezé, Tania e Tonino, Val, Lucy, Jaci, Vania, Luciano, Zé, Christiani, Claudia, Vú e Marize): portas da casa da minha avó em Tourón – Pontevedra-Es; são muitas, muitas portas mesmo, cada uma com sua história, com as suas alegrias, com as  minhas saudades.  
Tasca em Guimarães-Pt
Arembepe-Bahia
Pois é, ja atravessei muitas portas, sejam elas portas materializadas ou não, também já encontrei muitas fechadas;  já vi coisas  acontecerem e sem poder impedi-las porque as portas estavam fechadas, também vi coisas  saindo  pela porta da frente sem poder fazer nada para contê-las. Vi gente entrando, vidas passando, vi  gente saindo, passei a vida abrindo e fechando portas, aliás, continuo fazendo isto, seja para dar as boas vindas, seja para demonstrar, quando as fecho, o meu desagrado, mas felizmente, uma certeza eu tenho: ainda tenho muitas portas à abrir, principalmente as portas do saber, estas vão estar  mesmo escancaradas a novos conhecimentos, a novas sensações e emoções, sempre, entretanto, sabendo o momento adequado para  se fecharem e me permitirem  um  isolamento para a conversa com  Deus, para um conhecimento interior, que possa favorecer uma descoberta de uma nova porta aberta em qualquer lugar, que possa trazer mais felicidade a tantos quantos,  juntos a mim, possam estar e se permitam atravessar as portas em qualquer direção.
Abram as  suas portas, pois!

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