Talvez pela proximidade de mais
uma grande transformação na minha vida eu esteja lembrando tanto de uma outra passagem,
a do tempo em que vivia no Engenho Velho da Federação.
Comecei a morar ali logo após a
saída do internato, ou seja, aos quatorze anos. Morei bastante tempo ali, tanto
tempo que tive tempo de mudar de casa três vezes, sendo que a última foi a
definitiva, pois meus pais, não sei bem como, conseguiram comprar um imóvel na
Rua Apolinário Santana 51-E da 1ª. Travessa, depois denominada Travessa
Fernanda, homenagem a uma moradora daquela descida terrível.
Morei dos quatorze até quando
casei aos vinte, para retornar aos vinte e dois e só sair aos vinte e sete,
acho eu.
No Engenho Velho da Federação
tive o meu primeiro namorado, o meu primeiro emprego, passei no vestibular,
casei, pari, descasei, formei em direito. Todos nós, filhos da minha mãe, vivemos
e convivemos ali.
Minha mãe era conhecida na área,
pois fazia de tudo, seja de parto a ensinar muitos a ler, passando pelos doces,
salgados, costura, catequese. Minha mãe parecia Bombril, tinha mesmo mil e uma
utilidades. Invejo-a até hoje pela sua força e coragem, sem ser muito carinhosa
e sem dar muito demonstração de amor lutou pelos filhos e agregados, pois aquela
minha casa com apenas dois quartos e um corredor abrigou muita gente, filhos em
número de 8, pois apesar de sermos seis, tínhamos duas irmãs de criação e mais
tantos quantos chegassem, acreditem se quiserem, não sei como um cacheiro e uma
faz tudo tinham condição de dar de comer a tantos. Lá em asa não se negava um
prato de comida a ninguém.
Meus irmãos homens adoravam levar
amigos lá para casa, até hoje cultivamos a amizade deles: Jairo (boca de
calçola, boca de trave) manasses (é o nome mesmo do nosso faraó), Carlos, e
tantos outros que por lá passaram.
Além dos amigos de meus irmãos,
ainda tínhamos os paqueras, meu e de minha irmã mais velha, jovens, que como nós
frequentavam o grupo jovem que era liderado por um seminarista de nome José Alberto;
este, nós, eu e minha irmã, não conseguimos tirar do seminário, fomos até mesmo
para a ordenação dele em Ilhéus, quando eu estava com um vestido tão curto que
não dava para subir as escadarias da Igreja: também pudera o vestido pertencia
a uma amiga minha chamada Diná, bem menor que eu. Acreditem se quiserem, nessa
oportunidade eu usei uma peruca (canecalon) também pertencente à Diná, ela que
gostava dessas coisas.
Tínhamos vizinhos, em gente, ao
fundo, dos lados, éramos uma ilha cercado de vizinhos por todos os lados,
alguns acolhidos pela minha mãe, que ficava com pena e dava de comer a uma família
que morava na frente.
Um pouco mais à frente da nossa casa
estava a casa do rico da Travessa, o Sr.
Gouveia, o homem era bicheiro, tinha uma casa
muito da boa, e eu tinha uma inveja danada da casa dele, até porque ele
tinha apenas dois filhos, e, puxa vida!, cada um com o seu quarto, enquanto lá
em casa dormíamos, filhos e filhas, em um mesmo quarto em beliches, com um
guarda roupa que não dava para nada, mas também para que se não tínhamos mesmo
tanta roupa para vestir, mas o fato é que não dava para guardar nada.
Os nossos vizinhos do lado
direito e do fundo eram da mesma família. Seu Antônio e sua prole; a mais
velha, acho eu, a Natalina, casou e fez um barraco, literalmente um barraco,
era todo de madeira, e ficava no fundo da casa de seus pais, que antes
utilizavam o local como moradia, mas o barraco estava tão velho que a Natal
reconstruiu. A Natal com o lhe chamavam
vivia ali com os filhos, num barraco precário, lenhado, mas ela tinha dentro de casa uma coisa que
ninguém tinha, ou melhor, nós lá de casa
não tínhamos: UMA RADIOLA, aquele móvel com uma tela do lado escondendo o alto falante,
e o local de colocar o LP. Lá em casa tínhamos o velho pick up de meu pai, que a gente colocava
em cima do rádio e, se a agulha não estivesse rombuda, podíamos ouvir as músicas
dos bolachões dele, aqueles discos que só tinham uma música. Normalmente, meu
pai ouvia as músicas preferidas dele, as espanholas, que aliás, eu também
adorava, até hoje tenho disco (CD) do Cassino de Sevilha. Ouvi, naquele “Pick up” Joselito, Lolita, e tantos
outros da época, sem esquecer dos brasileiros que eram admirados pela minha mãe:
Carlos Galhardo, Vicente Celestino dentre outros. Até hoje sei as letras de o
Ébrio, Senhor da Floresta, Rosa.
Mas bom mesmo era a radiola de Natalina.
Penso que hoje eu não iria gostar do que aconteceria, pois se naquela época ela
tinha uma radiola que, embora não muito potente, nos acordava aos sábados para
a lida diária, imagine agora com estes sons poderosos que tocam arrocha, aí nós
não iriámos ser acordados, simplesmente não dormiríamos.
Naquela época tocava mesmo era
muita lambada, e havia uma música que era mesmo o auge, eu não entendia a
letra, achava que era francês, mas não conseguia entender nada mesmo, só o “tip,
tip, tip, ti”. Menino, que coisa boa era ouvir aquele som e acreditem se quiserem,
a gente pedia mesmo era para aumentar “aumenta o som Natalina” e fazíamos a
limpeza da casa ao som de músicas das Guianas. Pois, escrevi isto porque tudo
me veio à tona neste momento em que vou novamente mudar de casa, recomeçar uma
vida com outrem, que espero bem que corra bem, e porque, coincidentemente,
recebi um vídeo dos músicos que cantam as músicas que ouvia na minha casa do
Engenho Velho da Federação, como se a me mostrar que, apesar de todas as
transformações pelas quais passei nos 744 meses de vida, não posso esquecer de
todos os detalhes e todos os momentos que me transformaram na pessoa que sou.
Fiquem com Les Aiglons
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