quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Currais aeroportuários

Sinto-me uma vaca, talvez uma judia na fila para as câmaras de gás. Sinto-me apeada, há uma longa fila,
Alfama - Lisboa
muita confusão, pessoas aborrecidas, olhos apavorados. Há só uma fila para todos os voos da TAP. A confusão reina, todos estão apreensivos, agoniados, insatisfeitos. O que levou a TAP a resolver por este tipo de “check in”, onde todos ficam em uma única fila, não interessando a que continente se destine? Africanos, indianos, russos, polacos, holandeses, brasileiros. Voos para Varsóvia, Maputo, Luanda, Luxemburgo, Holanda, Brasil (Rio, São Paulo, Brasília, Salvador): as chamadas são para os mais diversos lugares.
 Estou irritada e confusa, não ouço direito. Pessoas reclamam das duas longas filas. Alguns ficaram quase uma hora na fila errada, pois em toda esta confusão há duas filas, muito mal delineadas: uma para quem vai só entregar a bagagem e outra para o check in completo.  As Cias áreas, como todas as demais empresas, visando apenas lucros, querem, ou melhor, estão tentando, substituir gente por máquinas, mas, neste particular, é impossível, porque de nada adianta você fazer o “check in” eletrônico. Se se tem bagagem de porão: o tiro sai pela culatra. As reclamações são inúmeras, mas não surtem efeitos, entretanto, o pior, o pior mesmo, é o curral: aquele caminho entre duas fitas em que seguimos, um atrás do outro,  e que me dá uma péssima sensação, quanto pior quando os funcionários da companhia aérea resolvem passar pelas filas gritando: passageiros do voo tal; rápido à frente: parecem os guardas nazistas que comandavam as filas dos pobres judeus para a morte.
Mesquita em Istambul
Essa minha última viagem realmente conseguiu me tirar do sério nos aeroportos. Em Istambul, depois de passar umas duas horas na fila, feito vaca de presépio seguindo os demais passageiros, que como eu, tinham de submeter àquele martírio, ao chegar ao guiché, sou informada que tenho de ter um visto e que ele é pago. Sabe o que aconteceu? Tive de voltar tudo, entrar na fila para pagar o tal do visto, que me custou 15 euros e, depois, entrar na fila outra vez seguindo aquela multidão de pessoas diferentes, que apenas queriam conhecer Istambul. Confesso que, mesmo com todo o desejo de conhecer Bizâncio, tive vontade de voltar. Não sei se o problema não seria maior, porque, pelo visto, teria de comprar uma nova passagem, porque fazer uma troca naquelas circunstâncias seria quase impossível.
Bom o fato é que em todas as filas eu só me lembrava dos judeus sendo encaminhados para as câmaras de gás. O pior de tudo é que, como sempre, os próprios funcionários, sejam da companhia área, sejam do governo, agem como se fossem as maiores autoridades do mundo, tratam mal as pessoas, são ignorantes, parecem estar a fazer um grande favor àquela multidão que, indignada, embora sem muita coisa a fazer, se submete.
Na TAP o problema ainda fica pior com os brasileiros, vi algumas coisas que me deixaram boquiaberta.  Bem que havia patrícios deles revoltados, que grosseiros como os demais, disseram muitas liberdades aos funcionários da empresa, o que de nada adiantou, as explicações eram ridículas. Ao menos, neste particular, vi tratamento igual, embora para eles a revolta tenha sido bem maior: então ser iguais aos subdesenvolvidos? Que coisa mais absurda!!!
Cheguei ao aeroporto antes das 07h30min, e olhe que o meu voo era às 10h50min, acho eu, se não 10h50min era 10h40min, por ai.  Entrei na fila e só sai dela às 09h00min. Depois tive que enfrentar outra fila, a daquela maldita fiscalização de bagagem de mão. É incrível como os terceirizados das empresas de segurança assimilam a falta de educação. Se bem que isto não é privilégio, apenas dos funcionários dos aeroportos portugueses, quando digo portugueses, é porque também na Madeira vi algumas cenas para lá de desagradáveis.
Funchal- Ilha da Madeira
A gente tem de tirar cinto, sapato de salto, botas, agora invocaram com o relógio. Quando fui para a Madeira, mandaram tirar o relógio, eu não consigo tirar o meu com a pressa que eles querem e digo que não vou tirar. Alguém me diz que vai apitar quando passar pelo detector de metais, por incrível que pareça, não apita. Volto para trás e dou risada.  Antes disto tomei uma bronca de uma “filha da puta”, porque trazia os meus “gosméticos” em um saco que está fechado com um zíper.  Não entendi o que a mulher fez, pois grosseiramente e falando uma porção de coisas em tom muito grosseiro, tirou todos de dentro deste saco, que já acompanha a mala, e colocou em um saco plástico que é vedado com um fecho muito mais fácil de abrir. Fico puta dentro das calças a olhar para aquela imbecil. Somos tratados, todos, não só eu, como marginais, aquilo não pode ser considerado de outra maneira, parecem nos dizer “Vocês são marginais, somente depois de passarem por aqui é que, talvez, passem a cidadãos, antes, são todos suspeitos.” Realmente não gosto do tratamento. A palavra, por favor, não existe no vocabulário das “grandes autoridades aeroportuárias”, é isto que eles pensam que são, autoridades. Garanto que não sabem nem mesmo escrever o nome direito. Tudo fica pior quando as pessoas não sabem falar a língua deles, aí é que a coisa pega mesmo.  Em alguns lugares faço tudo como um autômato, pois não entendo porra nenhuma que eles falam, a exemplo da Turquia, em que você para entrar no aeroporto, ou melhor, para adentrar ao local onde ficam os guichês e os portões de embarque, já passa a bagagem de porão por uma esteira, resultado: filas intermináveis. Agora entendo a razão do funcionário do hotel dizer-me que teria de sair do hotel umas quatro horas antes do voo. Além da fila da bagagem ainda tive de enfrentar a fila do “check in” e a da emigração, quando tudo isto acabou era mesmo a hora de embarcar, sem direito a mais nada.
Corfu - Grécia
Gosto efetivamente de viajar, mas sinceramente, estas coisas estão me deixando cansada. Lembro que a primeira vez que vi este curral foi quando estive nos Estados Unidos e olhe que lá se vão uns bons vinte e tantos anos. Já me senti humilhada, mas agora as coisas pioraram muito.
Voltando á “bicha de Lisboa” é assim que eles chamam fila por lá: um senhor alto, muito alto, se desequilibrou, foi se apoiar naquela fita verde, ou preta, sei lá, e cai, cai para trás com todo o seu peso e bate cabeça no chão, fico aflita, quero ajudar, felizmente outros mais fortes de que conseguem levantá-lo. Ele diz que está tudo ok.  Não acredito que quem toma aquela porrada na cabeça, fique bem, mas ele tá dizendo. À minha frente, um casalzinho vai para Maputo, olho os sacos que estão no carrinho, cheio de sucos, água, comida. Dou risada, marinheiros de primeira viagem que são, certamente, não sabem que lhes vão tomar tudo quando passarem pelos fiscalizadores da bagagem alheia.
Um outro casal com quatro filhos vão para Luanda.  Os meninos estão impecáveis, arrumados, mas a senhora é mesmo uma Angolana, as vestes demonstram, tudo muito colorido e espalhafatoso, e ele gosta de falar alto, fala ao “celular” (telemóvel para eles) contando a miséria que está a “bicha”. Todos olham para ela, porque todos participam da sua conversa com alguém que não se sabe quem é. Tive vontade, em algum momento, de responder às suas perguntas.
Igreja  em Melides - Alentejo - Pt
Tento pensar em outra coisa, divagar, sair dali um pouco, a “bicha” não anda. Olho para a pessoa que está na fila paralela à minha, mas na direção oposta, nossos olhares se cruzam; o cabelo baixinho, sobrancelhas grossas, camisa listrada, calça jeans com fundo baixo, têm um relógio enorme no braço.  Fico olhando de soslaio porque acho estranha a figura.  Ar feminino para ser macho e ar masculino para ser fêmea. Decido-me: é uma mulher que tenta mostrar a sua opção sexual. Tenho que desviar de todo o meu olhar, ela já notou que estou examinando-a. Penso: o que faz uma mulher querer esta transformação, querer ter esta aparência masculina? Sempre achei que, se fizesse uma opção por ser homossexual,  ia querer estar com uma senhora mulher, a que fosse mais feminina possível, e não com um arremedo de homem.
A voz de um funcionário me afasta destes pensamentos. Há uma ultima chamada para um voo, penso que para Amsterdão. (é assim que eles falam). As chamadas se repetem, vejo um grupo de velhos, mais de 50 pessoas, passarem à minha frente na “bicha”. Fico puta dentro das calças, mas o que vou fazer. A culpa é da TAP, não deles. A fila diminui um pouco, mas anda muito devagar. Finalmente chego ao “check in”, Vou colocar a mala na esteira  e a funcionária diz: não coloque agora. Não percebo, mas  não coloco a mala, sou obediente, aliás, tenho de ser. Com isto entendo perfeitamente a demora: demoram de tirar as malas das saídas que ficam nos diversos guichê, resultado: só se pode colocar a mala do passageiro seguinte quando a do anterior desaparecer na janelinha. Acreditem, é verdade: o processo durou quase 10 minutos, e eu ali com cara de tacho, botava a mala e a funcionária pedia para tirar, tirava, colocava de novo; a esteira, entretanto, não corria, para que as malas do passageiro anterior  saíssem pela janelinha. Tenho que dizer que uma das minhas malas tinha 30kg e a outra 27Kg e eu ali tirando e botando as miseráveis na esteira.
Entregue a bagagem, suada, furiosa, pois queria entrar cedo na área de embarque, vez que ia procurar o perfume que meu filho encomendou, vou para a “bicha” do exame das bagagens:  coloquei a bolsa, a mala de mão, já tinha, previamente, tirado o relógio, o casaco, o computador de dentro da mala. Passo sem maiores problemas e aí é que fico sacaneada, porque o saquinho em que trago os “gosméticos” é o mesmo usado que usei na viagem para a Madeira.
Passo ali; visto o casaco, coloco o computador outra vez na bolsa, nem coloco mais o relógio, o deixo no mesmo lugar. Só penso em colocá-lo quando chegar ao Brasil. O meu portão de embarque é o 42-B, mas antes de chegar nele, mas uma bicha: agora é a do controle de passaporte, que foi até rápida, não porque estivesse pequena, é que passei na de “cidadão europeu”, porque as destinadas a todas as outras nacionalidades estavam enormes.
Veneza
Depois de andar muito, chego ao portão de embarque. Sento-me afastada para aguardar a chamada e, infelizmente, lembro-me do que me aconteceu em Veneza, pois não é que, na hora do embarque, alguém me diz que a  minha viagem estava marcada para um mês depois, que a TAP errou ao marcar a volta e que eu, idiotamente, não percebi tal erro.  Resultado: uma bicha pequena, mas demorada, para comprar outro bilhete e embarcar  para Lisboa. A demora na fila resultou de problemas com o embarque de um cão. Acreditem se quiserem, um cão atrasou alguns passageiros e a sua dona estava indócil.
Ufa, digo eu, parece que agora o martírio acabou. Vejo a chamada na tabuleta e escuto a voz da funcionaria chamando para o embarque, mais uma bicha e eu tô livre, penso eu: Ledo engano. Acredite em Deus, tivemos de pegar o avião no pátio, e aí a merda: mais uma bicha para entrar no ônibus que nos levaria até a aeronave. Fui a última do primeiro ônibus. Fiquei bem à porta. Na minha frente, sentado, um homem bonito, olhos claros, cabelos brancos, um terno preto impecável, mas com um aviso discreto: sou padre, foi o que deduzi ao ver o crucifixo na lapela do paletó.  Desligo-me do padre, mas, quando o ônibus arranca quase caio e o padre ri e diz para me segurar. Olho para ele e penso: “sacana, então eu vou caindo e este puto da risada!” Bom, esqueço o assunto e dou a volta olímpica para chegar até a aeronave. Quando penso que tudo vai acabar, fico esperando, dentro do ônibus fechado, com todas aquelas pessoas respirando o mesmo ar, que liberem o avião.  O padre já se levantou e está junto de mim: pela ordem natural seria eu, ao menos naquela porta, a sair por primeiro, no que eu já tava muito feliz, porque a minha poltrona era a última, acredite se quiser, a última mesmo, 42G. Se eu saísse depois de todos, imagine só o tempo que levaria até chegar ao lugar certo, mas o padre estava agoniado, e penso que ele queria mesmo sair primeiro. Ele falou muito mal da TAP, concordei com  as suas argumentações. Os passageiros estavam indignados ali dentro, encolhidos, roubando o ar uns dos outros.  O padre cada vez mais falava e mostrava-se aborrecido, tanto que eu, muito cinicamente, lhe disse: “Padre, isto é para que nós cultivemos, ainda mais, a virtude da paciência”. Ele sorriu, todavia, quando a porta se abriu, efetivamente, ele foi o primeiro a sair. Graças a Deus a porta do meio foi aberta e por ali embarquei e, felizmente, além de passar sozinha pelo corredor, ainda tive o prazer de ser cumprimentada por um “hospedeiro” bonito, com um belho olhar, que me acompanhou até o meu lugar, mas este é outro assunto, que fica para uma próxima oportunidade. Quem vai viajar  nos próximos dias, prepare-se com uma boa dose de paciência. Vai precisar mesmo.

Um comentário:

  1. Caraca! Que absurdo. Realmente minha amiga vc cresceu bastante! Mas como eu queria ver sua cara em "todas" estas circunstancias!

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