Abre o livro de Elikia M´Bokolo – África Negra História e Civilizações, Tomo I. Uma rosa seca, que um dia já foi fresca, linda e vermelha, cai do livro. Olha para aquele fóssil de rosa e procura lembrar-se como ele foi sedimentar-se ali. A mente lhe faz retornar a um tempo em que quem lhe deu a rosa ainda transitava num nível físico, material, podia sentir e fazer alguém sentir, tanto que por sentir, lhe fez sentir o que é a sensação de receber uma rosa de alguém que, para muitos, seria incapaz de um mínimo gesto de carinho.Não que ela nunca tivesse recebidos rosas, já as recebeu até de desconhecidos, mas aquela rosa era muito especial.
Sim, aquele homem que tinha aparência rude, embora bonito, machão, até mesmo grosseiro, lhe dera uma rosa, sem qualquer motivo especial, apenas lhe dera aquela rosa vermelha comprada a um indiano que, no seu santo ofício, ganha a vida vendendo rosas e dando a oportunidade às pessoas de, através delas, dizerem o que as palavras não permitem, seja por timidez, seja por falta de coragem mesmo, seja no caso, pelo próprio “machismo”, que não aceitaria e nem permitiria que um seu membro ativo tivesse a fraqueza de, numa demonstração de amor e carinho, dar uma rosa a uma mulher. Mulher, para estes digníssimos representantes do machismo universal, é objeto de consumo, utilidade doméstica, que deve servir a todo o momento àquele que lhe paga a casa, comida, e lhe enche de prazer de ser mãe, porque sexo para ela, na verdade, só tem esta finalidade, porque prazer mesmo quem tem de sentir são eles, os “machos”.
Bom mas não interessa esta estória de “machismo”. O que importa é o gesto, o momento, a emoção de receber aquela rosa, que hoje, fossilizada, encontra-se na pg. 409 do livro citado.
A seiva da rosa manchou as páginas do livro, desde a 393 até 437. O papel lhe sugou todas as suas forças, filtrou a sua seiva e impregnou-se dela, roubando-lhe todo o frescor, toda a sua beleza, embora não tenha sabido fazer direito, pois não aproveitou para impregnar-se do seu cheiro e nem da sua delicadeza, mas sedimentou a prova da existência de um amor.
Certamente o papel sugou a vida da rosa para amenizar o assunto que as suas páginas tratavam, possivelmente para amenizar o impacto das palavras ali contidas, pois o texto fala de escravidão, da exploração dos negros, da contribuição destes seres humanos para a economia das grandes potências colonizadoras, que lhes retirava o direito mais primário, o de ser mesmo “um ser humano”.
Desliga-se do texto, o seu pensamento voa. Sente saudades. Muitas mesmo; lembra das mãos grossas e grandes, mas que sabiam trabalhar o seu corpo, lembra dos afagos no rosto, feitos por quem nunca os tivera feito antes. Um machão como ele não poderia ter uma reação desta, quanto pior, na presença de olhares estranhos.
Lembra de lágrimas escorrendo por aquele rosto lindo, porém duro e marcado pela vida, ao perceber que estava apaixonado de verdade, que aquilo tudo era diferente do que já existira antes, e certamente, do que viria depois, porque depois ele já seria capaz de amar e saber distinguir o que amor por outra pessoa, de toda a vontade carnal. Sim aquele homem chorava diante de alguém que, incrédula, via no tremor das mãos, nos olhos negros e penetrantes o brilho das lágrimas misturado com o brilho do olhar de quem ama mesmo e que os olhos traidores demonstram.
Sem dúvida um momento mágico, tanto para ele, quanto para ela. Para ela pelo fato de que, após tantos anos, quando já achava que jamais seria capaz de se interessar por alguém ou se tornar objeto do interesse de outrem, tudo acontecera da mais natural maneira do mundo, e ela se pega apaixonada, achando que a felicidade poderia retornar, ser alcançada outra vez, ao lado de um homem. Ela sabia que poderia alcançar a felicidade de diversas maneiras, e efetivamente teve muitos momentos felizes, suas realizações pessoais lhe traziam muita felicidade mesmo. As superações de tudo, a sua maneira de se colocar diante de alguns problemas, as suas vitórias; realmente ela tinha muitos motivos para ser feliz, mas o que ela queria mesmo era esta felicidade de se saber, como já acontecera antes, amada por um homem. Queria ser afagada, ser protegida, ser querida. Queria tomar um vinho tinto, sentada e conversando com alguém, fosse deitada com a cabeça recostada no peito de alguém, tendo os seus cabelos afagados, o corpo tocado, fosse sentada em uma mesa de algum restaurante, ou mesmo no sofá de casa conversando banalidades, planejando coisas, viagens, uma casa nova, férias na praia, encontrando soluções para problemas, enfim, queria ter uma companhia. Sim isto era bom e ela queria muito mesmo, para ela isto era um caminho para a felicidade, esta felicidade que se divide com alguém que se ama muito e por quem se sabe amada.
Chegou mesmo muito perto disto, teve a sensação que os seus sonhos se realizariam com aquele homem rude, grosseiro, que não era capaz de grandes gestos afetivos, mas que sabia alisar o seu rosto, os seus cabelos, o seu corpo. Um homem que um dia com as mãos fortemente agarradas ao volante do carro gritou: “Eu te amo Se é isto que eu to sentindo é que é amor, eu te amo.” Sim, ela teve de acreditar, e acreditou tanto que terminou por se apaixonar e por querer viver intensamente uma historia de amor com este homem, uma história que foi interrompida pela vida, que falhou no momento em que ela resolveu se dar mais uma chance de encontrar esta felicidade que andava, e anda, a procura, e que a vida, de todas as maneiras, insistentemente, procura lhe retirar sempre que ela pensa que chegou a hora.
Pois é, como o fóssil da rosa que se encontra na página do livro, sem qualquer seiva, sem mais cheiro, sem vida, ele também já não tem mais vida, não pertence mais ao mundo físico. Ela já não pode sentir o seu calor, o seu cheiro, os seus carinhos; já não pode ouvir a sua voz, nem sentir o seu olhar, que a todo o momento insistia em lhe dizer o que, muitas vezes, as palavras não exprimiram: EU TE AMO.
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