Conheci Damiana quando eu
era ainda criança. Criança mesmo, acho que não tinha quatro anos de idade.
Damiana era uma negra imensa, devia ter um metro e oitenta, sua pele não era negra,
era mais para o pardo. Ela tinha aquelas manchas marrons na pele, que dava para
ser notadas.
Damiana tinha o cabelo
enorme, mas somente uma vez o vi solto, isto porque nas artes de criança, desavisadamente,
entrei no seu quarto. O cabelo era cheio e enorme. Isto aconteceu quando eu já tinha bem uns
oito anos.
Quando Damiana entrou na
minha vida eu era uma criança mesmo e ela já me parecia ser uma velha, não que
fosse mesmo, possivelmente era teria uns trinta e cinco anos, acho eu, pois
sequer posso avaliar a idade dela,
Ela sempre estava
limpíssima e de avental, os cabelos presos em dois cocós um de cada lado. O
cabelo era repartido no meio em uma precisão sem igual, a gente conseguia
seguir aquela linha divisória entre um lado e outro, da testa até a nuca,
parecia mais uma cicatriz.
Não me lembro de ver
Damiana sorrir, sei que ela usava dentadura, mas não me recordo mesmo de vê-la
sorrindo. Via a sua vida costumeira. Limpar casa, lavar roupa (na mão), encerar
o chão, limpar cozinha, banheiros, etc.
Ela vivia na casa de umas tias minhas ali no Canela. Se bem me lembro
ela dormia na parte do subsolo da casa, para o quintal, onde existia e frutas,
que ela, Damiana, cuidava.
Nunca vi ninguém
procurando Damiana, ninguém da sua família. Nunca soube de onde veio, quem eram
seus pais, enfim, nunca soube nada dela, a não ser que ela fazia parte da casa,
quase que como um objeto móvel e que obedecia ordens e sabia cumprir as suas
obrigações, sem nunca reclamar, sem falar, quase sem ouvir.
Sei que ela gostava de minha
mãe, talvez porque tinham uma coisa em comum, eram pobres e conversavam quando
se viam. Aliás minha mãe fazia questão de ir vê-la no seu quarto se ela não
estivesse decorando algum lugar da casa esperando a ordem de alguém.
Da última vez que a vi
ela já estava com cabelos brancos, mas continuava na labuta, depois não tive
mais notícias, a não ser que ela tinha morrido.
Hoje me pergunto: Quem
era aquela mulher? De onde veio? Quais os seus anseios? Quais os seus sonhos?
Será que teve, algum dia, um namorado? Será que queria ter filhos? Enfim, fico
a me perguntar se Damiana um dia foi feliz, ou se para ela a felicidade era
aquela vida.
Queria saber da sua
história, mas hoje, infelizmente, não há ninguém para contá-la. Meus tios, a
quem ela servia, todos eles, já faleceram.
Será que um dia Damiana
mostrou o seu corpo a alguém. Eu achava
que ela não tinha peito, porque sempre a vi de vestido de um tipo que cobria
tudo, aliás não sei como ela conseguia trabalhar com aquela roupa, sempre
vestido cinturados, de mangas, algumas vezes com o detalhe de um rolo na gola.
O comprimento do vestido fazia a gente pensar que ela não tinha coxa, sempre no
meio da perna.
Será que Damiana conheceu
o mar? Algum dia ela foi à praia? Será
que saia de casa aos domingos pela tarde? Será que tinha folgas? Como poder
conceber alguém que não conheça o mar? Todavia, acho que ela não o conheceu
Realmente hoje, e só
hoje, é que vi a inutilidade da vida de uma pessoa, que apenas serviu a outrem
durante toda a sua vida. Quando digo inutilidade de vida, falo da vida pessoal,
do seu querer, dos seus sonhos. Talvez por não os ter, ou por não poder realizá-los,
é que Damiana era taciturna, quieta, de fala mansa.
Espero Damiana, que hoje,
onde você estiver, esteja feliz e que a sua v ida seja bem diferente daquela
que conheci.
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