Deitada de bruços sentia as mãos
vigorosas da massagista (terapeuta) no seu quadril, ouvia a voz lhe dizendo: “inspire
pelo nariz e expire pela boca”. Tentava
fazer o que a voz ordenava, mas era difícil, até porque a sua respiração, muito
peculiar a si, não obedecia ao comando de voz, e sim ao seu próprio ritmo, que
fora determinado de há muito, quando ainda menina, percebera que tinha
dificuldades respiratórias, nada que lhe causasse grandes estragos, mas
adaptara-se ao movimento quase inverso, inspirar pela boca e expirar também por
ela, ou pelo nariz. O corpo procurando
as suas particularidades, muito presentes na atualidade, pois o seu nariz
insiste em fazê-la nasal todas as manhãs, ou então, ao longo do dia,
confrontado com cheiros fortes, ou com alguma mudança de temperatura.
A voz continuava, principalmente
quando as mãos encontravam algum ponto de tensão. Aguentar a pressão delas
nesses pontos ficava quase insuportável.
Tentava inspirar e expirar, mas o velho nariz não obedecia ao seu
comando, estava muito acostumado ao ritmo que impusera à sua dona.
Braços! Agora era nos braços que
se concentrava toda a força da pessoa que estava realizando a massagem. Ela já
começava a achar que aquilo era um sadomasoquismo da sua parte. Então pagava para sentir tantas e tantas
dores? Para alguém ativar os seus pontos de tensão? Estava mesmo louca, somente
um insano se permitiria isto, embora no seu consciente soubesse que, mais
tarde, o alivio seria imenso, mas, enquanto realização do processo, era tudo
uma sessão de tortura.
Tentava, e tentava muito,
inspirar e respirar como lhe ordenavam, mas era praticamente impossível. Tentava se concentrar no que estava fazendo,
mas os pensamentos voavam, não estava ali: viajava, retornava para viajar outra vez,
mergulhar nos seus pensamentos, nos seus desejos, nos seus sonhos, de onde só
retornava quando uma pressão em um ponto de tensão lhe trazia à realidade do que
estava, de fato, acontecendo.
A pessoa que lhe massageava,
aliás, isto acontece com quase todos os profissionais da área, parecia ter mãos
muito pesadas, o dobro do seu próprio corpo. Ela ficava sempre impressionada
com isto. As mãos ágeis pressionavam a sua coluna, todas as vertebras eram
pressionadas: os omoplatas, ah estes omoplatas!
Quanta dor! Ela aguentava firme, mas em alguns momentos não conseguia
conter um gemido e a voz continuava: “inspire pelo nariz e solte pela boca”.
De repente o ventilador de teto
começa a fazer uma zoada diferente, faz um barulho esquisito e ela se transporta
de uma vez, sai dali, agora ela está em um espaço que não identifica muito bem,
mas sabe que, se ali não esteve, viu a situação em algum filme: Camboja? Egito? Cuba? Não, não vai identificar. Tem consciência
plena de que aquilo não é criação da sua cabeça, que toda a cena existiu
mesmo. Um homem deitado num quarto feio,
com paredes encardidas. A cama, com uma cabeceira desgastada, parecia suja e
desconfortável. Ao lado da cama uma espécie de cômoda com uma bacia em cima,
uma água suja, uma saboneteira com um pedaço gasto de sabão, uma mesa e uma
cadeira completavam o mobiliário do quarto. O homem, meio reclinadona cama, fumava um
cigarro e olhava a fumaça fazer espiral pelo ar, seus olhos seguiam atentamente
as espirais até o seu desfazimento no ar. Pendurado no telhado, um ventilador de teto com um ruído ensurdecedor girava e fazia circular um ar
quente. O homem parecia estar acostumado
com o ambiente, parecia fazer parte dele, o calor parecia não incomodá-lo.
Recostado na cama, vestido de camisa, que um dia foi branca, de mangas curtas, calça branca de linho e um cinto marrom, que parecia
apertar-lhe a cintura, continuava a olhar as espirais de fumaça se desfazendo
no ar, ajudando a poluir aquele ambiente.
“Relaxe, solte: inspire pelo
nariz, expire pela boca”. O comando lhe tirou do devaneio, agora eram as pernas
o objeto das mãos ávidas da massagista, ela sentia toda a pressão nos gomos
formados pela celulite. A massagem não era para isto, mas era inevitável não
perceber a existência deles. “Não controle
o movimento, deixe que eu conduza”.
Parecia muito fácil seguir a orientação da terapeuta, mas na prática não
era assim. Não gostava que ninguém ou
nada controlasse os seus movimentos. Isto lhe fazia sentir-se fraca, mas então
ela se entregaria assim a alguém que podia, até, lhe controlar os movimentos? Efetivamente não gostava da situação. mãos lhe pegando, quase maltratando-lhe, coisa que ela,
efetivamente, abominava. Quanto pior quando um estranho é que se arvorava a
fazer isto.
Tenta se concentrar, afinal fora
parar ali por livre e espontânea vontade, ninguém lhe forçara a nada. Era uma
tentativa de, desfazendo tensões do corpo, garantir um pouco de paz, se não
duradoura, mas momentânea. Aliviar o peso das suas culpas, dos seus recalques,
das suas raivas, tudo acumulado em algumas regiões do corpo: nela, especialmente, nos ombros.
O ventilador continua fazendo
barulho e, aí uma vez, ela volta à cena anterior. Um quarto sem janela, com paredes
encardidas, e uma porta pequena de madeira velha com frestas que tiravam toda e
qualquer privacidade. Divagava legal
mesmo: então conseguia ver até isto! Olhos
que sorrateiramente tentavam espiar por entre as frestas da porta, o que
parecia não incomodar ao homem deitado na cama. Nota um relógio com um grande
marcador no braço direito do cidadão.
Percebe o rosto dele, o homem é bonito, tem um nariz finíssimo que se
integra, perfeitamente, na sua fisionomia.
Os olhos fundos, com olheiras pretas, não conseguem lhe tirar a beleza.
Tudo em preto e branco, não há cores na cena. Mesmo as paredes encardidas estão
neste contexto bicolor.
“Vire de frente”. Novamente a
cena se desfaz e ela volta para a massagem. Durante todo o tempo tenta ficar de
olhos fechados, pensa que é mais fácil se concentrar e, também, deixar o
profissional mais a vontade. Novamente
os seus pés são trabalhados. Ela sente dor, puxa o pé, que está firmemente
preso nas mãos da profissional, que em nada alivia a pressão. “Sádica, pensa
ela: que será que ela sente fazendo este estrago nas pessoas?"
“Tá maluca! Você que é
masoquista: foi você quem procurou isto. A mulher só está fazendo o seu
trabalho, ela não tem nada de torturadora, portanto...”
Sorri interiormente, percebe como
é difícil concentrar-se, sabe que se o fizesse os resultados seriam bem
melhores.
De repente sente que a mulher
está sentada atrás da sua cabeça. Agora ela está concentrada nesta parte do seu
corpo. A cabeça gira para um lado e para
outro, a mulher sente que ela não está relaxada e pede que ela se entregue,
deixe a cabeça relaxada. Difícil, extremamente difícil, mas ela tenta, no
entanto, o pensamento agora está centrado ali, mas não no que se passa pelo seu
corpo, e sim no da mulher: “como será que ela está agora? Em que posição está sentada?
Ela não tem cheiro, graças a Deus, porque seria muito ruim se ela não fosse
limpa, pois se estivesse sentada de pernas cruzadas acima da sua cabeça e
tivesse cheiro, ia ser uma merda”.
“´E mulher, você efetivamente tá
doida!” pensa.
Percebe que não ouve mais o
ventilador, abre os olhos e nota que ele fora desligado. Não viu a hora que a
mulher fizera isto e toma consciência que, realmente, se afastou dali, tanto
que não viu a movimentação dela para desligar o ventilador.
A massagem está no seu final,
depois de muitos apertos em sua cabeça, na testa, de puxamento dos seus
cabelos, ela fica ali, estendida no chão coberto por uma colcha grossa, braços
e pernas estão leves, ela respira melhor, mas tem de levantar, e é o que faz
obedecendo ao comando da voz: “Vire-se de lado e levante vagarosamente”. É o
que faz. Levanta-se, agradece, paga, e sai do espaço. Está mais leve, com certeza, entretanto vem
pensando no caminho para a casa: “será
que isto vai dar algum resultado efetivo? Será que vou ficar mais tranquila?”
Bom, agora é esperar, o primeiro
passo foi dado.
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