A minha era de tiras amarelas,
aliás, eu acho que antigamente todas elas eram amarelas ou talvez verdes, não
sei, eram de tiras bem mais grossas que as atuais e tinham um solado também
muito grosso, bem diferente do de hoje. Todos nós, lá em casa, tínhamos uma e
ela tinha de durar muito tempo, ficavam finas no calcanhar e embaixo do dedão.
Se quebravam as tiras ou os pinos que seguravam as tiras ao solado era uma
merda, porque não podíamos comprar outras, então o negócio era improvisar. Usei
muitas vezes a minha com grampos enfiados na tira para que esta se sustentasse
no solado; o diabo era quando, por algum motivo, o grampo, ou o material que
fosse, resolvia enganchar em alguma coisa, ou então, se envergar e sair com
tira e tudo pelo buraco e terminava por machucar o pé.
Antes era usada apenas para ficar
em casa, quando muito ir até a praia, depois ela foi evoluindo. Lá em casa ela
servia para muitas coisas, desde a sua função primordial que era proteger os pés,
até de substituição ao cinto. Já tomei grandes sandalhadas, até eu mesma, na
única vez que dei uma palmada em meu
filho, o fiz com ela, fui tão violenta
que os gominhos da miserável ficaram na perna da criança.
Lá em casa éramos muito, e de diversas
idades e tamanhos, e, consequentemente, os nossos calçados eram de tamanho
diversos, o que não impedia que, como todo pé de pobre, calcássemos o sapato uns
dos outros. Pé de pobre é eclético mesmo: se você usa 36 e tem de ir a uma
festa e sua melhor amiga, ou a sua irmã mais velha, ou ainda algum parente, tinha
um sapato 35 ou 37 até 39, você usava qualquer um, depois ficava com os pés lenhados;
se o numero fosse menor, ele ficava cheio de bolhas de água que se solidificam
e viravam quase ossos: o meu calcanhar que o diga! Se os sapatos são maiores, apesar
de não apertarem como é lógico, fazem
pior: formam calos da mesma maneira, porque o roçar do pé entrando e saindo do
sapato, fere a pele sensível dos pés, e
o resultado é desastroso, depois você tem que segurar o sapato com o rosto do
pé, se o desgraçado é alto, aí é que a porra pega, porque você tem de segurar
ele para ele não sair do pé e equilibrar-se em cima do miserável, resultado,
dor em todas as partes do corpo, não
pensem que é só no pé; a panturrilha, coitadinha, fica em frangalhos, acho que
tenho a minha bem grossa mesmo devido a
este exercício praticado muitas vezes na juventude. Lembro que na minha
formatura usei uma sandália de uma amiga minha cujo número era 38, e como era
aberta eu tinha o tempo todo de estar ajeitando o pé para diminuir o espaço
entre os dedos e o começo da sandália, que sempre tava sobrando.
Pois é, os sapatos lá em casa
também podiam passar de pai para filhos, ou de irmão para irmãos e aí, outro
problema, você pegava o bicho já todo arregaçado e com chulé (ou será xulé? Em qualquer
uma das grafias, a primeira é a correta, vai feder) e era obrigado a calçar aquela
porcaria, não tinha outra maneira. E
quando os parentes mais ricos resolviam
fazer doações e davam sapatos lindos, mas que não cabiam nos nossos pés, ou se
coubessem, também causavam danos, porque não estávamos acostumados; as mulheres
a usar sapatos de saltinho e de bico finíssimo,
e os homens sapatos sem cadarço.
Lembro-me do meu “vulcabrás
colegial” que, juntamente com a blusa “volta ao mundo”, tinham que acompanhar o
meu crescimento, porque eles tinham de durar,
minimamente, um ano; o sapato, pelo gosto de minha mãe, deveria durar eternamente, acho que ela pensava que tiraríamos o ginásio
com ele. O “vulcabrás”, no último ano do
meu curso, já tinha promissores furos, que deixavam em liberdade limitada
alguns dedos, o mindinho quase totalmente de fora, na altura tínhamos de usar
meia preta para disfarçar. O solado! Ah o solado! Não podíamos
suspender os pés de maneira alguma, para que ninguém observasse os buracos na sola. Todavia os heroicos
sapatos “vulcabrás” não me deixaram ter os pés arrebentados nas quadras de vôlei
e de outros esportes na escola, que eram quadras rugosas, quando a gente caia
na quadra se ralava toda, tomei muitas broncas por ter rasgado “n” vezes a
minha fedorenta “volta ao mundo”. Oh paninho miserável! A gente suava e o suor
impregnava a porrra da blusa, e olhe que não adiantava lavar, porque o cheiro horrível
daquele tecido era mesmo uma porcaria. E a mancha que se formava embaixo do
braço! Que miséria! A gente ficando mocinha, eu e a minha irmã, sem dinheiro
para o desodorante ou perfume, e aquela blusa horrorosa, mal cheirosa, ali, acompanhando
a nossa vida por longos 4 anos.
Bom mas tudo isto passou, não sei
se existe mais o tecido da blusa “volta ao mundo”, deve existir até coisa bem
pior, os sintéticos estão aí; também não sei se ainda existe o sapato vulcabrás,
certamente há alguma zorra similar feita na China, mas as “legítimas” são
imbatíveis. Agora tenho de todas as cores, dourada, azul de vários tons, verde,
branca, bege, ainda compro um lilás, acho linda, vários desenhos na sola, com tiras
no calcanhar, com tiras enviesadas, com tiras no dedinho, enfim, elas
evoluíram, estão mais delicadas e agora já vão para qualquer lugar, aliás,
virou uma epidemia, uma moda de jovens e velhos e bebês, adoro ver criancinhas
com as sandálias pequeninas, acho interessante como eles conseguem segurá-las
nos pés.
Tem algumas pessoas, entretanto,
que nunca deveriam calça-las, porque não sabem andar com elas; meu pai era uma
dessas pessoas, como não sabia andar com a sandália, para segurá-la nos pés, ele
colocava todos os dedos bem para frente, resultado, um caos, os dedos ficavam passando
do solado e arrastando no chão, uma coisa mesmo feia. Um dia meu pai, que era
um espanhol daqueles meio brabos, resolveu que ia pegar eu e o meu irmão para
dar uma sova, para evitarmos isto subimos numa árvore e ele foi atrás, resultado:
ele não tirou a sandália e tomou uma queda da porra. Conclusão: a surra foi bem
maior quando descemos da árvore, a raiva tinha crescido com a queda.
Minha mãe, por outro lado, nunca
usou uma sandália desta, nunca mesmo, ela não gostava de sandália que ela identificava
como “de pauzinho no dedo”.
Já perceberam do que eu estou
falando não é? É da “legítima havaiana” que me acompanha, aproximadamente, há
uns 48 anos, e é tão famosa e internacional agora, que da última vez que entrei
em Portugal o homem da fiscalização abriu minha mala e me perguntou quantas “havaianas”
eu estava levando, pensem aí! Eu descaminhando
havaianas!!!!!!
Um aviso, não tenha imitações,
comprem as “legítimas”.
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