sexta-feira, 9 de agosto de 2013

TUIM TUIM


Tuim tuim foi criado no bolso de minha mãe, escapara do ovocídio que cometíamos em nome da fome.
A ovorteira mor, que era minha mãe, e os seus ajudantes, eu e o meu irmão, catávamos os ovos das nossas poucas galinhas, que não tinham como exercer o ofício de chocar e criar os seus pintinhos. Deixávamos, quando muito, uns seis ovos serem chocados, que era a garantia de uma ninhada de ao menos, umas três galinhas novas que substituiriam as velhas, que certamente acabariam no nosso prato.
Tuim Tuim escapara, não porque fora escolhido entre os ovos que ficariam para a garantia da nossa sobrevivência, mas sim porque a sua genitora, sabiamente, escondera o ovo e os ovorteiros não conseguiram encontrá-lo. Resultado, um dia a galinha, que já estava mesmo com os dias contados, apareceu com o seu belo e dourado pintinho no nosso quintal.
Como os dias da mãe estavam contados e minha mãe, com algum espírito maternal que ainda nela existia, começou a gostar do bichinho, e para aliviar a dor da perda da mãe, que seria breve, andava com ele no bolso do velho robe que  usava em casa.
Tuim Tuim foi crescendo e, enquanto pinto, dava certinho naquele esconderijo que lhe fora dado, de vez em quando botava a cabeça para fora do bolso e nós ríamos muito. Ele era alimentado pelos nossos restos de pão, isto é: quando deixávamos cair alguma coisa. Milho coitado, nunca, aliás, a nossa galinhada lá de casa sobrevivia por milagre, porque a falta de milho era constante, tenho a impressão que minha mãe fazia alguma domesticação das aves, para que elas só sentissem fome duas vezes por semana.
O certo é que Tuim Tuim foi crescendo; frango, já mostrava que seria poderoso, que daria um belo macho, tinha uma crista muito vermelhinha, que sempre aparecia fora do bolso de minha mãe, que já não comportava o tamanho do frangote.
Quando saiu do bolso, Tuim Tuim andava no meio da casa, no meio de nós, parecia mais um cachorro de que um frango, pois nos seguia para todos os cantos. Se alguém que não conhecia aproximava-se de algum da casa ele se arrepiava todo e parecia que ia voar na pessoa. O bicho ia crescendo e a sua mania de proteção aumentando.
Tuim Tuim virou o belo galo com uma crista vermelha enorme, que balançava de um lado para outro no topo da sua cabeça de galo valente. A tonalidade das suas penas era linda, de um marron escuro acabava alourada nas pontas com mechas de preto, vermelho, misturando tudo, num arco-íris de cores fortes e viris, como ele era. Ativo, tomava conta de nós e das poucas galinhas que sobraram e que a gente via sumindo dia a dia.
Amávamos aquele galo, que dormia dentro de casa para não ser roubado, tínhamos medo que alguém apreciasse tanto a sua beleza e não resistisse.
Um dia, entretanto, acordamos e não achamos Tuim Tuim em lugar nenhum. Todos nós, meus irmãos e eu rodamos todo o nosso quintal, todos os cantos da casa, as casas dos vizinhos próximos, enfim, tudo o que estava ao nosso alcance. Minha mãe, calada, olhava o nosso desespero sem nada dizer, parecia que era indiferente á nossa angústia, mas se a olhássemos bem, poderíamos notar os seus olhos brilhando de uma maneira diferente, parecia que tinha água dentro deles, água que borbulhava e que não conseguia sair da panela formada pelo globo ocular.
Meio-dia desistimos de procurar Tuim Tuim e minha mãe nos chamou para almoçar. Nesta época éramos 4 (quatro irmãos em casa), a minha irmã mais velha já estava interna em Salvador e a minha irmã caçula estava prestes a nascer.
O PF, sim porque lá em casa o prato já vinha feito para cada um, minha mãe tinha de regrar a comida para que todos nos comêssemos igualitariamente e mais vezes; e aí a surpresa, quase esperada, misturada com a dor que se apossou de nós todos: nos nosso pratos as belas coxas de Tuim Tuim divididas em quatro pedaços ornamentavam o arroz. Deciframos de imediato o enigma do desaparecimento do Tuim Tuim e o dos olhos de minha mãe; para que não morrêssemos de fome ela teve de optar e matar o Tuim Tuim, que perdeu a vida, para a nossa sobrevivência. Comemos chorando, não tínhamos opção, numa mistura de dor e satisfação, porque Tuim Tuim soube ser grande até na sua morte, Deu um belo caldo, cheiroso e nutritivo, dando gosto a farinha, que virara pirão, quando misturada ao seu caldo. A sua carne macia derretia na nossa boca, ele virava um néctar, o néctar da nossa vida, pelo menos por uns quatro dias, tempo em que durou  o nosso processo de engolir a vida,  e de perenizar, quase, o Tuim Tuim em nós.



domingo, 4 de agosto de 2013

De Arembepe ao Cabula - Um epopeia

Rapaz é mesmo uma epopeia! Se Homero fizesse esta viagem certamente escrevia outra Odisseia, mas, desta feita, contando as aventuras e uma heroína chamada “Esmeralda”, e, certamente,  não encontraria, de volta ,a Ítaca do seu herói.
Sai daqui as 06h00min da manhã. Como não sei andar direito por esta área da cidade e porque tinha mesmo de fazer uma prova, resolvi deixar o carro na casa de Glória e ir de transporte público. No primeiro dia optei pelo táxi. Deixei o carro no supermercado, ali no começo da estrada do coco, e peguei um táxi. Paguei na ida a bagatela de 60,00 (sessenta reais) o mesmo ocorrendo na volta. Isto me fez desistir desse meio, e no segundo dia e fui para casa de Glória: deixei o carro e peguei um ônibus as 06h30min. Felizmente o ônibus estava vazio e eu fui sentadinha, mas ele ia enchendo no decorrer do percurso. Quando cheguei à entrada do Costa Azul sai do ônibus e peguei um táxi, paguei 30,00(trinta reais). Na volta, depois de estar com os pés esfolados, porque andei em demasia por dentro do campus da Universidade, o que me deu uma grande saudade de Lisboa, porque o que fiz ali e que me tomou umas duas horas ou mais, eu faria em questão de minutos, e aí vi mesmo o que é a injustiça de europeus debocharem de Portugal considerando-o como um “terceiro mundo” dentro da comunidade. Não é não: Portugal oferece aos seus acadêmicos serviços, que se não perfeitos, são essenciais e ajudam a todos. Se de vez em quando as máquinas quebram, aceita-se, porque é normal. Aqui, passei trinta minutos esperando que uma moça, sozinha, com uma só copiadora, tirasse cópias para um rapaz, que estava dentro do cubículo onde ficava a máquina. O que fiz, perguntei se havia outra copiadora, me informaram que havia outra sim, e lá se foi Esmeralda, irritada, de sapato alto, segurando o vestido, apenasmente encadernar documentos, o que era exigido pela banca que examinaria a documentação. Chegando ao local indicado, e já entregando a documentação apenas para encadernar, vejo que a máquina, aquela que faz os furinhos no papel, estava com problemas, e olhe que só existia ela, a única.  O rapaz, completamente despreparado para este trabalho intelectual, estava nervoso. Felizmente, antes que ele conseguisse, manualmente, colocar a espiral nos furinhos, alguém chegou à copiadora para pedir que uma página fosse colocada no que já estava encadernado, e ai notei que esta tal página estava faltando nos meus papéis. Outra novela.  Tirar uma cópia da minha inscrição via internet. Rapaz andei naquele campus! Subi, desci, fui, voltei até que uma alma boa, usou o seu próprio instrumento de trabalho e conseguiu tirar a maldita cópia da inscrição.  Voltei à copiadora e o processo de encadernação durou, exatamente, uns 40 minutos. Nisto eu já estou angustiada, porque o pessoal queria que toda esta papelada fosse entregue 1 hora antes da tal prova, e eu lá vendo a hora passar, a me irritar, o estomago a dar sinais da insatisfação. De repente, sinto os pés a incomodar, olho o que esta acontecendo: a sandália, simplesmente, tinha arrancado a pele dos meus dedos dos pés, e eu não podia fazer nada, tinha que segurar a dor e a onda, e lá fui eu fazer a prova, doída, chateada com tudo, inclusive me perguntando que merda estava fazendo ali. Será que eu precisava mesmo passar por isto?
Bom, encadernado os documentos, lá me vou para a prova, tensa, nervosa, mas isto não interesse. Prova acabada e eu peguei, outra vez, um táxi para voltar para Itapuã, mais 35,00(trinta e cinco reais).  Já entro, pois, com dívida, caso passe na seleção.
No outro dia tinha de falar de mim. Não sabia quanto é difícil falar de si próprio para outras pessoas, mas quem tá na chuva tem de se molhar e lá fui eu. Desta vez resolvi ir de transporte público, tinha tempo e, portanto, sai da casa de Glória às 07h00min e fui para a estação de transbordo de Mussurunga, não depois de esperar, no final de linha da Praia do Flamengo, uns 30 minutos para que um dos ônibus parados no local saísse dali.  Chego a Mussurunga e vou procurar o ônibus que vai para o Cabula. Alguém me diz que é no numero 14, para onde sigo e pego uma fila imensa:  esperamos, todos ali, por uns 35 minutos pelo coletivo. Felizmente, quando ele chegou tive a oportunidade de ir sentada. Agora sim começa o périplo: To pensando que o caminho vai ser o mesmo feito pelos táxis. Ledo Engano!  O ônibus efetivamente subiu a ladeira que ia sair no Saboeiro, eu acho que é este o nome, e eu já radiante dizendo: Porra é tão rápido, se eu soubesse disto tinha vindo de coletivo desde o primeiro dia.  Idiota!!! O ônibus sobe a tal da ladeira, mas faz um caminho completamente diverso.  Fico olhando tudo aquilo e pergunto a alguém, este ônibus vai mesmo para a Universidade. Alguém responde vai sim, não se preocupe.  Preocupar!! Não, eu estava mesmo era desesperada. Eu tinha horário para estar no local e as horas passando e com elas o ônibus passando por lugares desconhecidos, feios, nunca vistos antes, se visto completamente remotos na minha mente, que arquivou, se o fez e perdeu o arquivo, talvez defensivamente para não me fazer lembrar que a pobreza, a miséria, já passou pela minha vida assustadoramente. Bom o fato é que eu seguia vendo aquilo ali num misto de surpresa, apavoração, nervoso, angústia, tudo misturado e junto, não me deixando identificar nada. Alguém diz: “Largo do Juliano Moreira”, me dou conta que eu podia até mesmo soltar ali e seguir direito para o Hospital, eu estava mesmo à beira de um colapso de nervos, e o lugar mais adequado para tratamento disto estava ali, bem pertinho de mim, O Hospital Juliano Moreira, que trata das enfermidades da mente e asila os portadores destas disfunções.
Felizmente, a passagem pelo local é rápida, mas isto não me deixa segura, pois fico pensando, se entrar um doido aqui neste ônibus, o que poderíamos fazer? Nada, e aí penso porque que não mudam este estabelecimento de lugar, por que não se coloca ele em lugar mais afastado da cidade. Alguém poderia argumentar que ficava muito afastado, mas o progresso, que, diga-se de passagem, não vejo na região, fez com que o local fosse demograficamente ocupado.
Pergunto outra vez a alguém: já esta perto da Universidade? Alguém responde: está sim, fica logo depois do Roberto Santos, E eu penso, porra nenhuma, depois do Roberto Santos há uns bons quilômetros ainda para se chegar, e com este engarrafamento vai ser uma tortura.  Chega o hospital Roberto Santos, eu continuo achando o caminho diferente. Descubro o que é: o táxi e meu carro passam pela rua direta, mas o coletivo entra na rua do hospital. Um verdadeiro caos: pense um ônibus fazendo uma curva onde é difícil até para um carro pequeno manobrar.  Já estava disposta a descer do veículo e ir, quem sabe, andando, mas os pés não me permitiriam isto, a pele arrancada insistia em me dar sinais do ocorrido.  Fico no ônibus que consegue fazer a tal da curva e pega a pista principal. Anda muito ainda e eu pergunto a uma senhora que esta junto de mim: Já esta perto da Universidade? E ela me diz: "é o próximo ponto". Peço desculpas por incomodá-la, ela diz que não tem problema, mas eu sei que tem, porque ela estava com o fone de ouvido e teve de tira~lo para me dar a informação.  Aliás, muitos no ônibus estão usando o tal aparelhinho, o símbolo da individualidade, cruel, ignorante, miserável.
Finalmente chego à Universidade, e me dirijo à sala onde vou apresentar um memorial, ou seja, falar da minha vida para pessoas que desconheço. Pensei que deveria apenas falar de coisas profissionais, e não dei muito atenção a coisas pessoais: Pois não é que tinha de falar de coisas tipo: se sou casada, se tenho filhos, mãe, irmãos, coisas que não entendo, mas continuo dizendo: "quem tá na chuva tem de se molhar".
Depois de esperar um pouco faço a tal apresentação, que em principio foi até tranquila.  Acaba tudo, agradeço a atenção da banca, formada de três mulheres, cada uma com um perfil, e mais uma vez vejo eu nunca vou conseguir ter um “arquétipo” esperado por todos; aquele de membro do Judiciário, mas isto não me afeta mais. Apenas dou risada das coisas.
Saio da Universidade e resolvo voltar para a estação Mussurunga e dai para Stela Maris.  Começo a esperar o ônibus da Estação Mussurunga, demora muito, quando chega, felizmente vazio, entro, pago e sento-me. 
Uns três quilômetros depois vem a informação: O ônibus quebrou. Puta merda! Falo para mim mesmo. O motorista insiste, o ônibus não sai do lugar, quebrou a porra da caixa de marcha. Saímos todos do ônibus, a cobradora, uma mulher capenga, liga para a empresa, para o setor manutenção.  Alguém brinca e ela grita para o motorista, que alguém, que não me lembro do nome, disse que ele vai sair de férias e quer levar o carro com ele, ambos sorriem, eu não acho nenhuma graça da brincadeira e da situação. Todos do lado de fora, 10, 15, 20 minutos; não passa nenhum outro estação Mussurunga. Desisto de esperar, isto depois de ouvir uma mulher querendo desfazer um plano de saúde, porque o anterior era de quarenta e ela passou para um de 30,00, mas a empresa diz que ela não pode se desligar com menos de um ano e que o valor de 40 vai ser descontado até que o prazo de complete. Tenho vontade de intervir, mas para dizer o que: Que eu estava ouvindo a conversa alheia? Fico quieta e não me pronuncio.
Resolvo que vou tomar outro ônibus para qualquer lugar, ou  então pego um táxi. O táxi não passa, os que passam estão lotados. Já me arrependo de não ter tomado um táxi no supermercado que fica próximo à Universidade. De repente uma luz:  um ônibus Cabula-Pituba via Boca do Rio. Penso: Salvação!  Pego o ônibus e vou até a Boca do Rio e lá pego um para Itapuã, é o que faço. Fico felicíssima quando, com poucos minutos, vejo o ônibus chegando à Paralela, começo a fazer o trajeto para a Boca do Rio, olho o relógio e ligo para Glória perguntando se ela quer almoçar comigo. Ela diz que sim e ai eu digo que é para ela me pegar em Itapuã. O ônibus segue o seu percurso e vejo-o fazer o retorno na Eduardo Magalhães, meu coração já dá pulos, daqui a pouco saio desta porra. O ônibus estava cheio, eu estava em pé, sentindo o cheiro do sovaco de um homem bem no meu nariz, sentindo a minha bunda sendo alisada pelo sei lá o que: bolsas, pernas, braços, enfim.   Aí a tragédia acontece.  O ônibus, ao invés de seguir direito para a Boca do Rio, entra na primeira à direita no Imbuí.  Gente do céu, que nunca pensei, sequer, que o Imbui fosse grande, que dirá tão grande.  O coletivo anda por ruas apertadas, muitos prédios, lojas. Andei, andei , andei, andei tanto que achava que estava indo diretamente para Itapuã. E aí, o que acontece? A zorra do ônibus sai no mesmo lugar. Eu não posso deixar de me expressar: “Cacete, ele volta para o mesmo lugar”. A mulher que esta ao meu lado, agora eu já estava sentada, me diz: Ele ainda vai andar muito, vai para o outro lado, acho que Fonte das Pedras, sei lá. Outro périplo, a zorra anda, anda, anda, e de repente volta, novamente, ao mesmo lugar, começamos tudo outra vez, vamos pela rua principal do Imbuí e pegamos a Boca do Rio, agora sim, vou chegar à Orla, mas aí outro engano: o ônibus vai por um caminho que não conheço e quando desemboco em algum lugar é no Centro de Convenções. Caralho! Penso, e agora, o que faço? Bom vou soltar no Supermercado, penso e é exatamente o que faço.  Num malabarismo retado, atravesso a rua e vou esperar um transporte para Itapuã, pego um ônibus para Lauro de Freitas e depois de uns 20 minutos, finalmente, chego à Itapuã e vou esperar Gloria.
Depois de tudo isto, mesmo sem muito dinheiro, temos que compensar todas estas aventuras desagradáveis, mesmo com um sentimento cruel na alma, por pensar que, a grande maioria faz isto todos os dias e eu, que apenas fiz desta vez, estou tão magoada, tão angustiada, tão revoltada.
Vou comer filet a parmegiana no Bela Nápoli do Shopping Litoral Norte, e, para lembrar de Lisboa, tomo um Monte Velho, pelo qual pago mais de cinco garrafas que conseguiria comprar, com o mesmo valor, em Portugal, 58,00 (cinquenta e oito) reais, em Lisboa, no supermercado, custa, apenas, 4,70 (euros). De qualquer maneira, momentaneamente, esqueci da dor no pé, das angústias, de tudo enfim, e brindei com Glória : Saúde!!!!!