domingo, 27 de março de 2011

Uma referência

Atravessou o Atlântico há três anos, não antes de ter percorrido muitos kilometros em diversos sítios do outro lado. Diversas vezes esteve em Cascais, Estoril, Sintra, Almada, Porto. Andou pelas ruas, ladeiras e escadarias de Lisboa. Desceu muitas e muitas vezes a escadinha de Carnaxide, umas vezes calmamente, outras vezes correndo para não perder o horário do “autocarro”. Chamava atenção pelo brilho, pelo lacinho que trazia sempre consigo
Quantas e quantas vezes andou pela Rua Augusta, soberana, vaidosa, sabendo que chamava atenção.
De tanto fazer sucesso, foi procurada inúmeras vezes, pois queria uma sósia urgente, porque quando ela acabasse, estivesse no seu final de vida, dando os últimos suspiros, poderia ser substituída, infelizmente, ou felizmente, porque depois entendeu perfeitamente que seria insubstituível, porque uma sósia jamais passaria ou viveria as emoções que viveu e os fatos que presenciou.
No comboio, no metro, nas calçadas da Cidade Universitária, nos corredores da Faculdade de Letras e na biblioteca da Faculdade de Direito, deslizava silenciosa, era cúmplice do silêncio e se esforçava mesmo para não incomodar ninguém, o que não era muito difícil, porque era levezinha e parecia mesmo flutuar.
Bom, mas teve mesmo de atravessar o Atlântico, e o fez, embora guardada, cuidadosamente guardada, para não perder o seu brilho.
Chegou a Salvador, saiu do Aeroporto já com uma ansiedade imensa, queria ficar livre, conhecer outras praças, outras praias, outros lugares; já trazia a certeza, no caminho, que não mais seria a mesma, era impossível. Atravessar os mares e ser a mesma: nunca! Afinal, cada dia é diferente do outro, mesmo que se pense que tudo é igual, há de se notar que sempre há um detalhe que faz com que as coisas possam ser semelhantes, mas, nunca iguais.
Estava demorando muito, ela sentindo a pressão de muita coisa em cima de si. Queria sua liberdade, queria andar, sentir os cheiros, ver pessoas, visitar lugares, o que sempre fizera, e que queria continuar fazendo.
Saiu do Aeroporto de Salvador e sabia que estava sendo transportada para algum lugar, que não era assim tão perto, estava angustiada, nervosa; então ela estava em outras terras e ninguém se lembrava dela, de lhe dar a sua liberdade,fazê-la retornar ao seu ritual, que ela amava de paixão? Que droga!
De repente sente que o carro parou. Sim, ela tinha chegado á algum lugar, percebe que alguém lhe tira de dentro do carro, começa a ficar mais e mais ansiosa. - Para onde me levam? Que lugar é este? Ouço vozes desconhecidas, quem são estas pessoas?
Tudo para, fica quieto; ouve apenas uma batida de porta. Otimista, pensa: - Bom, agora entraram em casa e eu vou ficar livre, vou poder sair deste aperto e vou cumprir a minha função e os meus desejos, que nada tem a ver com a situação que me encontro agora
Engano seu; a porta bateu sim, mas é porque saíram da casa deixando-a presa e sozinha com a sua ansiedade, com o seu nervoso.
Não havia o que fazer, a não ser se acalmar e esperar; felizmente, estava junto de algo cheiroso, mesmo muito apertadinha, estava confortável e apreciava aquele cheiro de perfume masculino.
Espera: o tempo passa, mas nada acontece. Horas passam, parecia uma eternidade, até que, finalmente, LIBERDADE! Retiram-na da sua prisão, ela vê um ambiente onde nunca esteve, é colocada junto à parede. Sente a textura do chão, é diferente de onde já havia pisado. Que lugar seria este?
Reconhece a voz, a respiração de alguém muito próximo, fica menos aflita, estava em ambiente amigo, com certeza.
Vê que alguém procura alguma coisa em uma mala e pensa: - bom, eu já estou em liberdade, mas não quero ser egoísta e desejo que todos os outros, que vieram comigo nesta aventura, fiquem livres, e parece que isto vai acontecer agora, e percebe que muitas coisas são libertadas.
Parece que o dia esta findando! A casa fica muito silenciosa, o quarto onde está, e agora sabe mesmo que é um quarto, fica escuro, vê que a pessoa que mexe nas malas, que fecha as janelas, que sai e entra do quarto, vai deitar, parece muito cansada.
O dia amanhece e ela percebe que a casa começou a se movimentar. Pensa consigo: - bom, agora vão me levar para fazer um reconhecimento do local onde estou, mas percebe que ainda não está na hora, outro companheiro foi escolhido para fazer tal reconhecimento antes dela. Se enfeza, mas fica quieta, sabe que voltará a ter os seus dias gloriosos.
Aconteceu nessa mesma tarde. Junto com a sua companheira, sua dona na verdade, pisa em pedras desconhecidas, caminhos nunca antes trilhados. Sente a textura do solo, duro, pedras mesmo. Há altos e baixos, entra em becos não muito limpos, sente odores novos, percebe que há uma grande diferença entre esse espaço e o que costumava freqüentar, mas não se incomoda muito, afinal é uma aventureira, gosta de coisas novas, de descobrir coisas, de ser feliz com a liberdade.
Ouve vozes, pessoas felizes abraçando a companheira, tão eufóricas que terminam lhe machucando sem querer. Agüenta firme, vai ser notada com certeza, alguém vai lhe olhar e lhe dizer o que sempre ouviu, e o que nunca é demais: Que coisa linda! É muito interessante! Onde você achou isto!
Não demorou muito, aliás, muito menos do que poderia ser: A pisada teve o seu efeito porque quem machucou agora estava preocupado e olha diretamente para si: AH! Espanto!!! - Que coisa linda!
Pois é, comprei em Lisboa, fala a companheira, que também a adora.
Este foi o seu primeiro e glorioso momento em terras outras. Outros mais deveriam chegar rapidamente e as oportunidades surgiam agora aos borbotões.
Foi a Salvador, andava pelas ruas da cidade, sabia que era olhada, tinha a sensação de que, a qualquer momento, alguém ia levá-la consigo. Todavia ela não permitiria, gostava da sua companheira, afinal ela a descobrira e lhe dera esta vida que adorava.
Entra no ônibus para voltar a casa, alguém lhe olha com mais intensidade. - É agora: vão me pegar. O que faço? Como devo reagir? A companheira percebe o interesse e discretamente a puxa para embaixo do banco. Esta protegida, graças a Deus!
É verão, vai ter festa onde mora. Produzida, ela vai para a rua, toca música de carnaval, toca samba, ela vai deslizando no asfalto quente: se mostra, vai para trás, para frente, de um lado para outro, sabe que chama atenção e adora isto.
O asfalto esquenta o que já estava para lá de quente, sente o suor escorrer, molhar tudo, mas não se intimida, quer experimentar todas estas novas sensações.
Encontra amigos, que a olham maravilhados. Vê uma mulher que diz à companheira: - Você desliza mesmo no asfalto não é? Fico impressionada quando você passa sozinha embora com todas estas pessoas junto de si, mas é como você estivesse saboreando os momentos sem se preocupar com ninguém. É isto mesmo, é assim que ela sente, ela e sua companheira são assim, se entregam, sentem, parecem sentir mais de que os outros as emoções.
Os dias passam, ela agora já tem material para fazer a sua história deste lado do Atlântico, neste em que esta agora. É diferente, é outra vida, outra cultura. Aqui a segregação (pretos e brancos) é menor. Todos a apreciam, independentemente da cor; somente a sua própria cor é que realmente chama atenção. Brilha onde quer que vá, é alvo de comentários, é elogiada, e se mostra, se amostra mesmo, gosta disto.
Um dia, andando vagarosamente com a companheira pela praça da cidade, ouve um amigo dizer-lhe : - “Rapaz o seu pé é uma referência nesta cidade”. Se sente a gloriosa, estão falando dela. O papo continua: - “Quando a gente vê você olha diretamente para o seu pé, porque é mesmo uma referência nestas festas daqui”.
Está para lá de feliz.
Vai a uma outra festa popular, desta vez em Itapoã: ela e sua companheira. Um amigo se aproxima e diz: - Que maravilha? Onde você consegue estas coisas de tanto bom gosto? Sua companheira diz: - Foi lá em Lisboa, na Zara de Lisboa, tenho procurado outras, mas não acho mais.
Mais adiante, já cansadas, ela e a companheira sentam. A companheira lhe deixa mais a vontade, ela precisa respirar direito, está molhada de suor, na verdade ensopada. Um homem aproxima-se delas, senta ao lado, rapidamente a companheira lhe coloca no seu devido lugar. Sente o chão de areia e sente a proximidade da pessoa que chegou, que fica ali, numa conversa mole danada. A companheira, mais uma vez, lhe deixa livre, lhe deixa respirar. O homem olha diretamente para ela, afaga os pés da sua amiga, mesmo sem retirar os olhos de si. A companheira diz para ele largar o seu pé, está com chulé. Ela se sente ofendidissíma, então ela ia ter chulé, ia ficar mal cheirosa. Que é isto companheira? Aí vem o inesperado: o homem diz a companheira, você não tem chulé; você esta é suando muito, dizendo isto lhe pega e lhe cheira e completa: que cheiro bom de vida, aliás, é uma combinação perfeita, você e a sua companheira: você fica parecendo uma princesa.
Ela se sente gloriosa, sempre recebeu elogios, mas nunca assim, tão calorosos, tão sentidos, tão gostosos, tão afáveis.
Pisa mais forte na volta a casa, afinal, fora mesmo afagada por outras mãos que não a da sua companheira e amiga.
Os dias passam, a companheira volta a cruzar o Atlântico, ela fica aqui, aguardando a sua volta. Fica triste, bem verdade, mas sabe que já não agüenta fortes emoções, além de saber que a sua companheira quer preservá-la, quer lhe prolongar a vida, lhe dar mais emoções, guardar a sua relíquia.
E é o que acontece, fica guardadinha, mas, todos os anos, durante o verão, ela sai do seu armário, folgosa, brilhante, com todo o seu fulgor, arrancando, por onde passa, as recordações das suas passagens pela cidade, recebendo elogios de todos. Vem lutando para sobreviver, sabe que o seu fim está próximo, mas resiste, não quer dar o braço a torcer, não quer ser aposentada, não quer ser velha, não quer ser inútil, e aceita que a companheira lhe dê cuidados, que outrora não admitiria. Esta ali, cansada, andou muito ontem, pulou, sambou, se molhou, se mostrou. Um amigo falou de si para outros amigos, cinco pessoas, de uma só vez, lhe olham e balançam a cabeça afirmativamente, porque concordam com a apresentação feita.-  São lindas não são? O seu pé fica lindo, tão pequenininho, tão certinho, pés de princesa.
Sim, quem faz este pé de princesa, quem faz a referência do pé da minha companheira sou eu:

Descansando
Em plena atividade

    As
                          Sapatilhas


         Douradas
  


sexta-feira, 25 de março de 2011

Brahma e Amor - Combinação Perfeita

Estava ela sozinha; se dirigia ao Mercado Municipal e depois iria, mais uma vez, cruzar a Ipiranga, ali onde ela confronta com a Avenida São João. Iria ao Bar da Brahma, ia tomar o chopp e comer a feijoada tradicional do dia de sábado. As coisas agora estavam diferentes, nunca estivera no Bar da Brahma durante o dia, só ia ao final da tarde e ficava ouvindo o piano, lá em cima no primeiro andar. Gostava disto. Ficava sentada à mesa ao lado do piano, porque assim poderia pedir músicas ao velho pianista, que ainda usava o terno, possivelmente, do último casamento. Era um senhor dos cabelos ralos, bem magro e que fumava muito. Naquele tempo ainda se fumava, sem qualquer constrangimento, dentro dos bares.

Tinha uma sensação esquisita. Seria saudade? O pensamento logo se dissipa, não poderia ter saudades, pois quem a levou até ali outrora, certamente, tinha levado tantas outras mais, portanto não precisava ter qualquer tipo de sentimento, quanto pior, saudades.

Entretanto não quer falar do bar da Brahma, quer falar mesmo é do acontecido no caminho para ele.

Entrou no metro soltou na Estação da Sé, pois queria ir ao Mercado Municipal, onde efetivamente foi. Queria ver os bares do primeiro andar, olhar os vitrais do mercado, as frutas arrumadas mostrando a sua exuberância de cores e diversidade de origem. Ficava encantada. Deliciava-se sozinha nesses lugares, sempre foi assim. Adorava passear pelos mercados. O de São Paulo então, com toda a sua imponência e beleza era um dos preferidos. Lembrou-se da Ribeira, ou seja, do Mercado da Ribeira em Lisboa, fraco em relação ao de São Paulo. Fez uma comparação com o de Barcelona, talvez mais “internacional” de que ele, mas não mais bonito.

Não só gostava de Mercados, como também de feiras livres, não tinha qualquer preconceito em fazer tais passeios em dias de sábados e domingos, sempre adorou a fartura, a diversificação, as cores dos alimentos.

Bom, estava ali no Mercado olhando, exatamente, o bacalhau. Lembrou-se que alguns portugueses que vieram ao Brasil lhe disseram que não encontravam bacalhau bom, que os que aqui vendiam eram amarelados. Certamente não estiveram no lugar certo, porque aqui tem bacalhau que nada deixa a desejar ao bacalhau que se compra em Portugal, muito pelo contrário.

Foi exatamente nesta barraca do mercado que tudo teve o seu início. Estava sozinha e não tinha com quem comentar o preço do peixe, e aí deve ter falado alto da exorbitância do valor do pacote de bacalhau embalado a vácuo. Quando fez o comentário ouviu:

- Realmente é muito caro, mas não se acha um filé de bacalhau assim toda hora.

Virou-se para olhar quem fizera o comentário:

Um homem alto, moreno, de cabelos prateados estava ao seu lado. Usava óculos escuros e ela não lhe pode ver os olhos.

Comentou alguma coisa, mas saiu do local dirigindo-se a outra banca que vendia bacalhau

Ah, este sim, este esta bom e o preço era um pouco inferior ao do outro. Pediu 2 kg e ia pagar a bagatela de 140,00 (cento e quarenta reais)

- Bem que eu podia ser convidado para o banquete.

Virou-se novamente, e para sua surpresa o mesmo homem estava ao seu lado.

- Sorrindo disse. Impossível, este bacalhau vai para muito longe

- Distância não é problema se o convite for feito. O riso de dentes perfeitos iluminou o rosto daquele belo homem.

- Rindo, diz que é realmente impossível.

- Como impossível? Quem tem de saber se é impossível ou não sou eu que vou ser convidado, pois quem vai ter de se deslocar, procurar endereço, ir até o local sou eu.

Novamente um sorriso. Paga o valor do bacalhau, coloca tudo na bolsa e continua andando pelo mercador, perambulando só, pois não ia comprar mais nada, afinal estava mesmo indo era para o Bhrama.

Para aqui, ali, olha uma fruta com o nome estranho. Compra 100 gramas de gengibre desidratada, come uma, uma maravilha. Percebe, pelo canto do olho, que o homem lindo dos cabelos grisalhos lhe acompanha.

Apressa-se, tem de chegar até, pelo menos, as três no Bhrama, pois queria mesmo comer a feijoada, estava com saudades da couve, da laranja, dos pés de porco, dos embutidos.

Anda rápido para a saída, tá meio perdida, pois não sabe que lado seguir.

- Para onde você vai?

- Quase grosseiramente volta-se e diz:

- Com certeza não é para o mesmo lugar que o senhor.

- Quem sabe? Se você disser onde vai posso estar indo para o mesmo local. Uma coincidência ou uma estratégia: fica por conta do destino.

Acelera o passo. Na verdade não queria dar trela aquela conversa mole, ia almoçar sambar, beber, não havia lugar para devaneios, mudanças de planos.

O homem continua a seguir-lhe.

- Diga aonde vai? Possa ser que eu encurte o seu caminho. Estou vendo que você não é daqui, posso mesmo te ajudar.

- Não obrigada, sei perfeitamente onde vou e como chegar, portanto...

-Não seja assim, você esta sendo grosseira com alguém que quer apenas lhe ajudar e ter o prazer da sua companhia

- Que grosseira o que? Só não quero ser incomodada.

Segue quase correndo em direção à Sé.

De repente pensou. Poxa queria ver direito a cara deste homem, e só havia uma possibilidade, parar e olhar mesmo para ele, e foi que fez.

O homem era mesmo lindo. Moreno, dentes brancos e bonitos, boca desenhada, nariz fino, cabelos grisalhos. Não viu o olho, ele continuava usando os óculos escuros.

Com a sua inesperada reação, o homem fica parado e, parecendo ler os seus pensamentos, tira os óculos e lhe estende a mão: Roberto Garcia.

Ela, não tendo saída, também estende a mão e lhe diz o seu nome.

Surpreso ao ouvir o sobrenome lhe pergunta qual a origem do apelido, ela diz que é da família do seu pai. Passam alguns minutos conversando sobre os apelidos, sobre a família, sobre terras distantes. O gelo foi quebrado, e o homem pergunta se pode, agora, lhe acompanhar.

- Ta bem, mas para onde vou agora não sei se é mesmo o seu caminho, portanto...

- Se você não disser para onde é, não posso saber se é ou não caminho.

-Vou ao Bar da Brahma.

- Como? Você vai para onde?

- O que você ouviu; Bar da Bhrama

- Não posso crer, pois estava mesmo fazendo hora no Mercado para encontrar alguns amigos para ir exatamente ao Brahma. Vamos comer a feijoada e ouvir música.

- Sim, e cadê os seus amigos?

- Eles sabem que se não me encontrarem no Mercado me encontram aqui, no Bar.

- Ela se deu conta que já estava quase na Praça da República, vinha conversando e não percebera que chegaram rapidíssimo.

Outro momento de nostalgia pura, olhou para o Hotel em frente ao Bar, rememorou muita coisa. O amor, a amizade, o prazer de estar ali acompanhada de alguém que muito quis, e que pensava que lhe queria, mas não podia ficar triste, não podia demonstrar esta saudade assim a um desconhecido, que, entretanto percebeu uma modificação na sua voz.

- O que foi? Aconteceu alguma coisa? Parece que você ficou triste repentinamente?

- Não, apenas não consigo perceber como deixam esta cidade ficar desta maneira. A Praça da República tão suja deste jeito, drogados por todos os lados, a água dos lagos turva de uma maneira que não se pode ver os peixes, enfim, o descaso do poder publico em relação ao patrimônio publico.

- Não acredito que este tom melancólico seja só por isso. Acho que tem algo mais de que isto? Vamos lá, diga o que se passa com você.

- Nada, nada mesmo, é melhor entrarmos, pode ser que o seu pessoal já esteja ai te esperando, por outro lado tenho de arrumar um lugar para ficar, pois estou sozinha como você pode ver, e não vou encontrar quem quer que seja aí dentro.

Roberto, procurando sua mão disse:

-Você só vai estar sozinha aqui se quiser. Você pode ficar comigo e com os meus amigos, eles não vão se importar de nenhuma maneira, mas se você não quiser estar com eles pode ficar comigo sozinho, o que até prefiro, pois quero conhecer bem esta mulher que traz tanta tristeza no olhar.

-Ela sorri e diz que não vai ficar com ninguém, que já estava acostumada a estar sozinha e que isto não era problema.

Ele insiste e segura a mão dela e vai entrando.

O bar esta um pouco diferente dos tempos de outrora, quando ela vinha para o happy hour, mas nada que o desfigurasse tanto e não a fizesse retornar a um tempo que já podia ter sido apagado da memória, mas era impossível, aquele lugar realmente lhe trazia muitas recordações mesmo, recordações boas, que insistiam em lhe fazer ter saudades. Era completamente impossível não voltar no tempo.O mesmo trio tocava as mesmas músicas de antes, lágrimas escorreram no seu rosto. Num gesto inconsciente apertou a mão que segurava a sua, o que fez com que Roberto lhe olhasse.

-O que há? Por favor, diga o que você tem? Por que tanta tristeza? Fazendo estas perguntas toca-lhe o rosto tentando limpar-lhe as lágrimas.

Não adiantava, as lágrimas insistiam em correr, era impossível tentar reter esta emoção. Vira-se para Roberto e diz:

-Não adianta, não vou ficar aqui, pensei que seguraria esta emoção, mas ela é forte demais. Vou embora.

- Vai nada. Seja lá o que for, você vai superar isto. Vamos entrar de uma vez. Vamos ficar um pouco na varanda depois entraremos para comer a feijoada e dançar um pouco. Você está muito linda e precisa ser vista, admirada, todos tem de lhe ver e quero fazer inveja aos meus amigos por estar com uma bela mulher como você.

- Sorriu, tentou enxugar as lagrimas, embora soubesse que a cada passo recordações outras viriam. Era como se estivesse revivendo momentos muitos felizes, eles insistiam em lhe mostrar o quanto ainda o passado estava presente em si.

A mão forte de Roberto apertava a sua, parecia querer lhe dar força, lhe dar a segurança que ela precisava para entrar ali, estar ali, ficar ali. Podia ser aquele o momento muito importante para quebrar tantos elos que a ligavam a um passado que tinha de ser esquecido, pensando bem, aquele homem tinha caído do céu. Devia ser um anjo enviado de Deus exatamente para cumprir esta missão junto a si,

Entrou definitivamente com passos fortes, altiva, segura, como costumava entrar ali outrora.

- Ei, Roberto. Alguém chama. Ele vira-se e lá estão uns cinco homens, quase todos da mesma idade, uns cinqüenta e poucos anos. Todos com boa aparência e sozinhos.

A mão sente uma pressão mais forte, era como se ele quisesse lhe dizer. Vamos lá, não tema nada, eles não vão fazer mal. Eles se encaminham para o grupo.

Realmente ela notou a impressão que causava. Os cinco parados com uma cara de interrogação que chegava mesmo a dar dó. Ela percebeu isto, embora eles pensassem que evitaram o efeito surpresa, mas efetivamente não conseguiram

- Esta é Jade, uma velha amiga que encontrei no Mercado quando me afastei de vocês. Ela vai ficar conosco, pois está sozinha aqui em São Paulo. Ela não queria, mas eu lhe disse que não havia problema algum, ato continuo foi lhe apresentando a cada um deles, que lhe apertavam a mão e apressavam-se em dizer que não tinha problema algum.

- A música tocava, os copos de chopp esvaziavam, enchia, um turbilhão de pensamentos passava pela cabeça dela, que tentava disfarçar todas as emoções. O seu corpo, de vez em quando tremia, tinha um arrepio, e a mão que estava segurando a sua, fazia uma pressão maior.

As horas passavam, o chopp já começava a fazer o seu primeiro efeito, ela tinha de fazer xixi. Falou com ele que iria ao sanitário.

- Eu te acompanho. Não quero que ninguém pense que você esta sozinha aqui

- Não precisa, sei o caminho, é rápido.

- Nada disto. Não vou dar chance ao destino. Já te encontrei, agora não deixo você mais nunca na minha vida, Esperei durante 57 anos para encontrar você, idealizei tudo, os cabelos encaracolados, a cor da pele, o corpo, a maneira de vestir, de andar, de chorar, a agressividade, tudo. Estou preparado para você e não vou deixar nunca que você saia da minha vida, portanto eu vou com você ao banheiro, todos têm de saber que você esta comigo e que é “minha”

“ “Minha”, tá doido homem. Sou de ninguém não. Não pertenço a ninguém e detesto esta possessividade. Tenta tirar a mão que lhe prende, mas ele não permite.

Pede licença aos amigos e diz que vai acompanhá-la até o sanitário. Ela não tem outro jeito que não segui-lo. Ele vai à frente abrindo o caminho na multidão. Ela o segue, ainda resmunga o “minha”, mas vai, começava a gostar daquilo, do jogo, da sedução, do momento.

Chegam ao banheiro e ele vai para o masculino. O dela tem fila, tem de esperar muito. Quando finalmente, depois de uns vinte minutos, sai do banheiro ele está ali, esperando sorridente:

- O que houve? Parece que você estava mesmo carregada não?

-Claro que estava, mas a demora foi porque todas as mulheres parecem ter resolvido ir ao banheiro juntas, no mesmo momento.

Ele torna a pegar na sua mão e vai, de novo, na frente abrindo alas. De repente ele se vira para ela e puxa-a para si num gesto tão rápido que ela sequer pode esquivar-se. E ali, no meio daquele turbilhão de gente, de pensamentos, de saudades para ela, eles trocam o primeiro beijo de uma relação que duraria para o resto das suas vidas.

Quando chegam junto dos amigos todos sorriem, parecem saber o que esta se passando entre eles.

Uma sensação muito boa a invade. Sente, naquele momento, que tudo tinha acontecido no tempo certo, que ela precisava ter retornado ali, onde vivera tantos momentos bons, para ter a certeza de que o passado tinha ido para o seu lugar, aliás, onde sempre esteve, e que, um grande amor estava mesmo para começar. Deixou-se levar.

Um ano depois deste encontro mudou-se para São Paulo. Está feliz. Vai muitas vezes ao Brahma, já não chora de qualquer lembrança, agora se lembra apenas de viver, viver a vida e agradecer a Deus por ter voltado a esta cidade e ter ido ao Brahma, local onde, por duas vezes, viveu e ainda vive, um grande e imenso amor.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Passional !

O blog existe, faço as postagens com textos, figuras, comentários, dou sugestões, enfim, escrevo sobre coisas, muitas delas, sentidas, doídas, vividas. Disseram-me que ele está muito passional e que não foi feito para isto. Como não ser, entretanto, passional se tenho de falar de sentimentos, de coisas que aconteceram, de momentos vividos?

Fico pensando, como escrever sem ser passional? O escritor há de, e obrigatoriamente tem de, ser passional, faz parte do “escrever” do dizer, do fazer o outro sentir. Se não há o sentimento no escritor, seja ele bom ou ruim, seja ele falando de coisas amenas, agradáveis, felizes, seja ele falando de catástrofes, misérias, desamor, desespero, o leitor não vai captar a mensagem.

Não há que se ter estilo ao escrever, o estilo foi coisa pensada pelos críticos para que os criadores da palavra, do sentimento, fossem classificados como se classificam bichos e plantas.

Escritor não tem estilo, escritor tem sentimento. Um analista não é um escritor, porque este sim, não cria nada, analisa o que existe, o que foi criado, aquilo que alguém, com sentimento, já disse. Ele é formador de opinião, que, inclusive, critica o trabalho do escritor, aquele que sente. O critico, dependendo da conveniência, pode até ser pago para dizer até mesmo uma inverdade, inverter fatos, pensamentos, sofismar.

A ficção não é assim tão abstraída da vida de cada um.Quando ela esta sendo criada o mundo do escritor, a sua vida, insiste em se mostrar, não há como separar a alma do criador da alma da criatura. Em cada personagem que se cria, em cada acontecimento que se descreve, em cada opinião que se declara, está um pouco do que o escritor vive ou viveu ou sonha viver, ou tem conhecimento porque alguém já viveu a estória. Não se pode desagregar um do outro, o autor da sua criação. O escritor pode agregar fatos a um determinado fato, aquele que o inspirou, exatamente para que a estória seja viva, cruze vidas, informações, sentimentos, envolva o seu leitor.

Se não houvesse sentimento, se não houvesse a paixão, o escritor seria um homem de uma obra só, faria uma coisa linear, e pronto, tudo acabado, esgotaria tudo em um só momento. Escrever, falar de, seja em uma linha, seja em duas, seja em mil, não interessa a quantidade, o que interessa é o “dito”, o que mexe com o sentimento próprio e os dos leitores.

Não sou literata, não quero estilos. As criticas não me atingem porque não tenho pretensões maiores com os meus escritos, não devo incomodar ninguém ao ponto de receber quaisquer críticas, sejam boas, ou más, com ou sem razão, por isso mesmo posso ser passional, dizer de mim e sobre mim e de minhas coisas.

Sei que quem me disse que os “posts” estavam muito passionais e que o blog não se propõe a isto, quer me preservar, sei do seu amor por mim, e sei que, por ter participado de minha vida, sabe perfeitamente que a grande maioria das coisas que ali se contém foram mesmo vividas, sentidas, choradas, sofridas, enfim, é a minha história e a de muitos que dela participaram. Sei e agradeço, mais uma vez, tanto amor por mim, tanto cuidado, tanto sentimento, tanta “paixão”.

Mas quando falo de mim e das minhas vivências tenho certeza que, o leitor, ainda que não saiba de mim e das minhas coisas, percebe que ali há verdade, que aquilo foi vivido, que aquilo é possível, que realmente que passei pela experiência, ou que teve alguém muito próximo que passou por ela. Não faço um diário, evidentemente, mas faço a minha vida ser vivida por quem se dispuser a ler os posts, até para que possa servir de exemplo para que as pessoas percebam que tem de se preservar para não passar pelo mesmo. Não tenho pretensão de fazer qualquer coisa parecida com auto-ajuda, mas as vezes a experiência de alguém pode evitar que outro erre, ou sofra por algo que pode ser evitado.

Um dia, alguém me disse que eu tinha uma capacidade enorme de colocar o leitor dentro do texto, achei um comentário interessante, pois foi o primeiro ou segundo texto que publiquei. Então, como eu consegueria colocar um leitor acompanhando os meus passos, indo comigo aos lugares, sentando ao meu lado para um “copo”, para uma “dança” se eu não tivesse escrito aquilo com paixão? Se eu não conseguisse demonstrar a possibilidade real do fato ser vivido e sentido? Impossivel.

Escrevo do que vivi e do que conheço. Não invento lugares, eles existem, estão lá aguardando que cada um também chegue lá e possa viver as suas próprias experiências. Se compartilho as minhas é exatamente porque sou passional, tenho sentimentos que, quando trazidos à tona, podem ajudar você, meu leitor, a não passar pelo mesmo, ou então viver a sua experiência, parecida ou não com a minha, sem se deixar magoar tanto.

Quero sim ser passional. Quero falar de tudo com a paixão que coloco em tudo que falo e que vivo. Quero ter ódio com ódio, quero ter amor com amor, quero ter raiva com raiva, quero viver intensamente tudo, dos meus escritos aos meus amores, quero dizer tudo sabendo que quem lê está acompanhando esta vida que trago acumulada dentro de mim e que se mostra através dos meus sentimentos.

Gostaria mesmo de poder dizer tudo, tudo mesmo, mas algumas coisas tem de ficar dentro de mim mesma, porque elas envolvem terceiros, que não são personagens, são paixões tão grandes que quero preservá-las só para mim, porque muitos não entenderiam, e aí sim, eu seria criticada por expor a vida dessas paixões, aquela que você não quer que ninguém saiba, aquela que, apesar da passionalidade, você não quer permitir intrusos. Assim, respeitando os meus próprios personagens, aqueles que me acompanharam e participaram do que hoje sou, não os exponho, exatamente porque sou “passional”, tenho sentimentos, tenho amor e os quero felizes sem sombras, sem receios, sem vergonhas. Quero-os por inteiro sem culpas, sem cobranças.

Sou passional sim, vou continuar sendo, livro aberto de um vida em que as páginas podem ser manuseadas sempre, seja para voltar atrás e entender o que se passou, seja para ir para frente, para o mundo dos sonhos, que podem, a qualquer momento, virar realidade.

Para você, um grande beijo, mas, mesmo falando em África e Direito, duas grandes paixões, vou ser PASSIONAL, a primeira porque ao se falar dela há que se ter sentimentos, não se pode falar de África sem lembrar de fome, de miséria, de pobreza, tudo o que machuca, e não se pode falar de Direito a não ser como instrumento de Justiça, de igualdade, de preocupação com o “Outro”, e tudo isto é, senão: paixão.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Sugestão Para a Semana Santa

Como está perto da Semana Santa, vou sugerir a vocês uma comida deliciosa, rápida, fácil e mesmo muito, mas muito mesmo, boa.

Não sei o nome dele, sei é que, quando tínhamos dinheiro, ou melhor, quando não tínhamos dinheiro e o bicho era barato e considerado comida de pobre, nós comíamos muito lá em casa. Meu pai adorava e minha mãe fazia sempre, até que o preço do “peixe” ficou impraticável e voltou para a Noruega, sem nos dar o direito de vê-lo retornar, a não ser depois de muito tempo.

Vamos lá:

Bacalhau no Mercado  em São Paulo
Ingredientes.

1,5Kg de bacalhau

1,5kg de batata

Três cebolas médias

Cinco dentes de alho grandes

Cinco folhas de louro

Modo de fazer

Dessalge o bacalhau (coloque no dia anterior o bacalhau em água fria e vá trocando a água durante o decorrer do dia; troque ao menos três vezes)

Retire o bacalhau da água, tire a pele e as espinhas, deixe em lascas grandes, se for do tipo concha em conchas grandes, reserve.

Corte a cebola em rodelas finas desfazendo as rodelas;
Fatie as batatas em rodelas finas (tenha o cuidado de deixá-las na água para não escurecer);

Fatie os dentes de alho

Montagem do prato

Num pirex grande, assadeira, forma descartável, o que você quiser, (melhor o pirex porque vai à mesa- questãode estética),coloque um porção de azeite de oliva (de preferência um bom português), após isto, cubra todo o fundo da vasilha com as lascas do bacalhau, em seguida coloque uma camada de batatas, cubra todo o bacalhau. Depois espalhe uma camada de cebola por cima das batatas e uma parte do alho e algumas folhas de louro. Regue com muito azeite. Repita toda a operação, colocando muito azeite de maneira que a assadeira fique, ao menos, até o meio de azeite. Não tenha pena, lembre que a batata e o bacalhau são cozidos com a água da cebola e o azeite. Se retirar muito o sal do bacalhau acerte o sal, você pode fazer isto colocando um pouco de sal em um dedo de água e verter no prato. Se você gostar pimenta, coloque um pouco papikra picante ou mesmo pimenta calabresa, fica a seu gosto. Coloque no forno e quando a batata estiver cozida,(espete com um garfo uma rodela da batata), está pronto.

 Feito por mim - O da receita
Se você gostar de ovos e de azeitonas você pode colocar;sendo que os ovos devem ser cozidos e fatiados e colocados por cima da última camada.Quanto à azeitona, recomendo as pretas.

Acompanhe com um bom vinho e pão.

BOM APETITE! Agradeça a Deus antes de começar a comer



terça-feira, 15 de março de 2011

Declaração de Amor

Já não sei viver tanto tempo longe de você. Já lá se vão quatro meses de afastamento, meses que estão a me fazer mal, porque não posso lhe ver, lhe sentir.

Quero ver o seu companheiro correndo no seu incansável caminho para alcançar o horizonte, não sem antes dar uma olhada boa em seus recantos preferidos,( Praça da República, Cais Sodré, Docas de Alcântara, Os Gerônimos, Torre de Belém),  quero andar pelas suas ruas, descer as suas ladeiras, subir as suas escadarias, entrar nas suas tascas, sentir os seus diversos cheiros. Fazer o que mais gosto quando estou junto de você, que é pegar o comboio e seguir o seu companheiro e ficar extasiada com tanta beleza. No caminho de ida do meu lado esquerdo, na volta do meu lado direito. Ficar esperando que chegue o lugar em que há o marco divisório que demonstra onde ele, não sem um pouco de revolta, se funde com águas mais independentes e que o levam de um lado para outro do mundo.

Pouco me importa se chove, se faz frio, se é verão, se é outono, Não interessa; o que quero é exatamente estar aí, juntinho de você. Arrepiando-me se a temperatura baixa, embora isto não seja o maior motivo de arrepios em mim, e sim a sua beleza. A cada dia que ando pelos seus becos, pelas suas ruas, pelas suas escadarias, descubro um recanto lindo, uma casa antiga, um monumento diferente, uma história de sua gente. Você me fascina e me emociono, choro de emoção e felicidade.

Só quem conhece você é que pode falar assim, com tanto amor e tanto respeito, embora não possa somente lhe elogiar, porque se assim fosse eu não seria digna de lhe querer tanto.

Se amo você é exatamente porque fiz uma escolha, esta, a de lhe amar, acima de tudo, dos seus defeitos e virtudes.

As pessoas podem não entender quando falo de você e das coisas que acontecem aí, em relação ao seu povo e o de outros que aí se encontram, mas isto também não me importa, porque quando falo, quando critico, é porque lhe quero tanto bem que quero que você melhore em relação aos seus e aos que aí são “Os Outros”. Não gosto quando você faz esta discriminação, porque parece que você não evoluiu, parou no tempo e no espaço, num tempo remoto que não volta mais. Não adianta você, através dos seus, falar, reafirmar, tentar: o passado não volta, a não ser pelos historiadores, que podem fazê-lo belo aos olhos dos seus, como podem fazer com que o passado fique feio para você e o seu povo, coisa que sei que vocês não gostam, mas você, melhor de que ninguém, sabe que contra “factos” não há argumentos.

O “facto” inargumentável é você e a sua beleza, você e as suas ruas, você e a sua música, você e a sua comida, você e o seu vinho, você e as suas igrejas, você e os seus monumentos.

Ah! Minha querida amiga, realmente estou morrendo de saudades. Sentar num fim de tarde defronte do seu parceiro, aquele que lhe põe mais bela; é sensacional. Só quem o fez, ou faz, é que esta abalizado para dizer o que sente.

Coisa mais boa é andar pelos seus imensos jardins,olhar as suas fontes, as suas praças. Pegar o metro e sair dele na sua rotunda mais famosa, dali subir o seu glorioso parque e, de lá de cima, olhar você toda linda, verde, branca, azul, às vezes cinza.

Depois desta grande visão, melhor é descer tudo devagarinho, saboreando cada momento, cada passada, cada canto, seja lado esquerdo, seja lado direito. Ver os seus duques, os seus marqueses, ver os seus filhos, sempre apressados; estão sempre a correr, como sempre estivessem atrasados para tudo.

Descer a Liberdade com toda a liberdade é o maior presente que a liberdade me poderia ter dado, ela me deu asas para aí chegar, aí ficar, e de daí ter saudades.

Em você me sinto outra, livre, livre como jamais imaginei ser na vida. Satisfação só dou a você, porque você me embriaga tanto, que falo com você de tudo, das minhas dores, dos meus sonhos, dos meus anseios, das minhas mágoas. Você e seu companheiro, este mais ainda de que você, deve ser porque ele não se entedia porque nunca é o mesmo, me escuta e parece que me aconselha com o seu brilho, quando a luz do sol insiste em querer entrar no seu íntimo, e ele para impedir esta intimidade, se protege com uma capa imensa de muita luz e brilho prateado.

Sim minha querida, está na hora de voltar, é o que vou fazer em breve, enquanto isto vá se preparando, vá se esquentando mais, ficando mais bela, mais feliz, porque é assim que você fica quando o verão começa a bater à sua porta.

Diga ao companheiro que eu tô chegando, para que também ele se prepare e abra o seu grande sorriso prateado para me saudar.

Pois é estimada amiga, não seja egoísta como a música que a Amália cantava, você não é só portuguesa, você não tem nacionalidade, você é para todos, você é uma universalidade, pertence a todos aqueles que, com sentimento, lhe admira, lhe respeita e lhe ama.


                                                       Tô voltando: me aguarde!

sábado, 12 de março de 2011

As meninas

Eram quatro: Letícia, Lucy, Lair e Lucia, não sei como elas apareceram na minha vida, mas eu já as encontrei quando nasci. Minha mãe, meu avó Regis, Jaci chamavam-nas assim: As meninas.

Vamos hoje à casa das meninas, dizia minha mãe, e eu ficava felicíssima, ir à casa das meninas era uma festa, sabia perfeitamente o que iria encontrar. Casa linda e limpa, doces, alegria, novidades. Ia sempre muito feliz para a casa das meninas, que adoravam dar envelopinhos com alguma nota de $$$ dentro. Elas não eram ricas, mas, no meu entender, na época, eram milionárias. Viviam em um universo completamente diferente do meu.

De início, logo que comecei a entender daquela casa, havia um senhor, irmão das meninas, eu não me lembro o nome dele, tive pouco contato, sei que ele já estava em uma cadeira de rodas e ficava no quarto do lado direito da sala de estar da casa de debaixo, na térrea, que era de Lucy, Lair, Letícia e dele. Gostava de ver o tratamento que as irmãs davam àquele senhor. Do mesmo jeito que me lembro dele vivo e na cadeira de rodas, lembro-me também da sua ausência, que na verdade não foi sentida por mim.

Quando ele faleceu, o quarto em que ele ficava passou a ser o de Tia Letícia: penso eu. Tia Letícia era muito ligada a minha mãe. Não sei bem porque e nem nunca entendi o parentesco delas com a minha mãe e meu avô Regis, acho que eram primas, destas primas de terceiro ou de quarto grau, deve ser por causa de Tia Gabina, a de lá de Alagoinhas, aquela senhora de quem todos falavam, e de quem, efetivamente, não me lembro de nada, acho que não a conheci. Só sei que lá na minha casa havia um conjunto de sofá de palhinha e madeira, que diziam ter pertencido a esta senhora, que eu imaginava sempre como muito  áustera, com os cabelos sempre num coque, esticadíssimos, e que devia usar uma bengala, daquelas que tinham madrepérola na ponta.

As meninas tinham o sobrenome BASTOS, o que não me dizia nada, porque minha mãe era Simões Regis Garcia, e meu avô Antonio Regis Valverde. Como tinha muito Valverde em Alagoinhas, penso que era este o nome que ligava o meu avô às meninas, porque me lembro de alguém um dia ter falado em Valverde Bastos num nome de uma só pessoa. Caso não fosse derivado dos Valverdes, certamente este parentesco deveria ser do Bião Cerqueira.

As meninas eram educadíssimas, prendadíssimas, limpíssimas, muito áusteras. A gente sentia a educação e a austeridade assim que chegáva à porta da casa. Um sobrado de dois andares na Ladeira onde hoje tem o CAM. Rua Claudio Manoel da Costa, no Canela. A rua era calmíssima, toda ela residencial, uma rua de ricos. Na entrada da rua o imponente prédio da maior modernidade possível à época, o Edifício Mariglória. Eu olhava aquele prédio imenso, e me perguntava como era possível fazer uma casa daquele tamanho.

Na rua moravam pessoas importantes, ouvia falar deles num misto de curiosidade e inveja, eram médicos, advogados, engenheiros, tinha um que tinha um nome que eu achava engraçadíssimo, Dr. Pamponet, outro chamava-se Colavopi.
As meninas sabiam fazer bordados, doces dos mais variados, comidas diferentes. Lembro que tentaram me ensinar “frivolité”, um ponto que fazia um efeito maravilhoso quando a peça estava pronta, nunca consegui fazer nada que prestasse, acho que nunca sai da carreira de um. Crochê, ponto de cruz, ponto cheio, bordados de mil variedades. As toalhas de linho bordadas caiam pela mesa afora, o balanço do linho dando nuances aos bordados brancos. As peças engomadas em todos os móveis, nas camas colchas brancas, ou coloridas, mas impecáveis, parecia que nunca ninguém tinha dormido nas camas, pois a gente nunca via uma dobra nas colchas.

Compotas de doces por todos os lados da copa e da cozinha. Tia Lucy, a cozinheira mor da casa de baixo, era chamada por todos, os irmãos e sobrinhos, de “mana”, mas o mana parecia sair anasalado e eu ouvia sempre “maña”, achava lindo aquele tratamento entre eles, passei a chamar Tia Lucy de “Tia maña”, era uma maneira de me igualar aos seus sobrinhos, Rosa, Francisco, Luciano e Alzira (Teca).

Achava engraçado quando chegava à casa das meninas, porque havia um ritual: primeiro entravamos pela porta azul claro que ficava na lateral esquerda da casa, embaixo da escada. Aí nós encontrávamos Tia Lucy, magrinha, cabelos grisalhos curtos, com um robe, muitas vezes, cintado e com um avental, que ela, imediatamente, quando da nossa chegada, tirava. Ela nos recebia e levava-nos para a sala de refeições. Uma mesa quadrada, uma máquina de costura, e nós ficávamos ali, sentadas conversando, minha mãe, claro, contando todas as nossas novidades, Lucy e Letícia ouvindo atentas. De repente Lucy levantava e quando voltava já vinha com uma bandeja impecavelmente brilhosa, com um paninho de linho branco bordado sobre ela, com um pote de sequilhos ou biscoitos caseiros, doces de várias espécies, e um refresco, sempre havia refresco naquela casa. Eu adorava partilhar aquelas conversas e o lanche.

Lair, na grande maioria das vezes, não estava; ela era das quatro irmãs a única, se me lembro bem, que trabalhava fora, era mais despótica mesmo, tinha um tom de voz mais forte, mais poderoso, mais autoritário de que as outras, parecia sempre estar um pouco nervosa. Tinha um hábito de ficar bulindo nas unhas dos dedos mínimos. Ouvia dizer que ela trabalhava numa empresa na cidade Baixa chamada “Os Magalhães”, não sabia o que era e nem o que faziam, mas acho que era alguma coisa ligada ao cais. Mas, mesmo com toda o despotismo esclarecido de Tia Lair, ela era uma pessoa boa, ao menos mostrava preocupação com todos nós. Na casa ela mostrava a sua superioridade, tanto que o quarto grande, onde eu gostava mesmo de entrar, porque me encantava com os móveis, de madeira escura, todos trabalhados, era o dela. Havia um espelhão imenso no guarda-roupa, quase do tamanho total da porta, que era única, mas bem larga, em que a gente podia se olhar toda, não só a pessoa como todo o quarto. Eu ficava encantada. Tia Lair dormia em uma cama de casal com cabeceiras altas e trabalhadas. A cômoda com muitas gavetas, cujo tampo era forrado com uma toalha, para variar, de linho branco bordada. Um relógio lindo ficava sobre ela, muitas peças “bibelôs” em cima da cômoda, adornada por um grande espelho que ficava meio empendurado. Ele não ficava colado à parede, era para que a gente pudesse observar todos os ângulos de uma maneira melhor. O chão do quarto brilhava na sua madeira de tacos, imagino o trabalho que isto dava a Domingas, uma negra enorme que trabalhava com elas há muito, mas muito tempo mesmo. Domingas era gigante, suas mãos eram imensas e os seus cabelos também eram imensos e cheios, se ela os soltasse ficava parecendo um bicho grande e feio, mas ela também, igual à casa, estava sempre impecavelmente arrumada e limpa com os cabelos divididos ao meio em dois coques, um em cada lateral. Eram tão esticados que não ficava um cabelo levantado. Ainda usava uma rede, afinal ela também trabalhava na cozinha da casa.

Domingas morava na parte baixa da casa, na parte que dava para o quintal. Um quintal que me lembro bem, era grande, elas cultivavam flores e frutas ali. Aliás, na frente da casa também havia um belo jardim, onde uma vez, brincando com Teca, eu me engarupitei no muro da casa e cai de costas, só que a minha perna ficou pendurada em um prego de ponta para cima que elas enfiavam na roseira para alguma finalidade que não me lembro, devia ser para ser mesmo enfiado na minha perna. Um alvoroço, sangue, gritos, nervosos, e eu pendurada com o corpo no chão e a pena lá enfiada no prego. Me tiraram e, felizmente, o pronto socorro, que ficava no Canela, era perto, sete pontos o resultado, antitetânica, pois o prego era grande enferrujado, e eu cheia de paparicação. Adorei esta parte do episódio.

Tia Lucy e Tia Letícia eram calmas, ficavam lá fazendo os seus bordados e tentando ensinar aos sobrinhos as boas maneiras e a arte de serem umas moças casadoiras, o que elas com todas as prendas não conseguiram. As três, Lucy, Lair e Letícia eram solteironas e grandes leitoras das coleções da época. Sempre havia um livro na cabeceira delas.

Bom, mas o protocolo não estava encerrado, enquanto não fossemos na casa de cima, onde Tia Lucia morava com o marido e filhos. Amado, este era o nome do esposo dela, que não sei se o nome era mesmo apropriado, pois não me lembro de vê-lo de bom humor em algum momento, possivelmente não gostava daquela trupe de pobres parentes. Bom, mas não quero falar do homem, e sim da sua maravilhosa esposa. Tia Lucia era uma alegria, uma casa cheia mesmo se ela estivesse vazia. Teve quatro filhos, cada um mais diferente do outro, mas todos ali juntos, amados por quatro mães e um pai, vá ver que por isso mesmo ele não era tão bem humorado, ter filhos de quatro mães, devia ser um grande problema, com tantos querendo proteger, com ele só para ralhar, reclamar, enfim.

Chegávamos à casa de Tia Lucia após subirmos as escadas da lateral esquerda do sobrado. Entravamos também pela cozinha e lá estava ela, forte, com os cabelos começando a embranqueçar, parecia que ela fazia mechas. Diferentemente das irmãs, ela era gordinha, alta, mas gorda. Usava óculos, e parecia que estava sempre sorrindo, mesmo quando estava séria. Usava óculos que insistiam em cair um pouco para a ponta do nariz. Tia Lucia parecia bailar pela casa, os seus olhos por trás dos óculos dançavam a sua frente, a gente não conseguia acompanhá-los. Ela nos dava abraços que nos faziam desfalecer, olhava-nos com olhos de curiosidade de mãe, que procura nos detalhes saber o que tinha acontecido, como fora o nosso dia, a nossa noite. Todas elas e, principalmente, Tia Lucia queriam saber de nós e dos nossos estudos, se preocupavam com Yvone e seus filhos.

Não adiantava dizer que não queríamos as guloseimas que ela trazia da cozinha, toda feliz e saltitante, para nós, embora soubesse que já tínhamos estado embaixo e que tudo já havia sido servido, mesmo assim, comíamos, aliás, todas as vezes que íamos à casa das meninas era assim, saíamos empanturrados.

Tia Lúcia falava de tudo, se os filhos estivessem em casa fazia com que eles viessem nos cumprimentar, quer quisessem ou não. Os três primeiros já eram adultos e estavam muito afastados de mim, mas com a Teca, não, com a Teca o departamento era outro, tínhamos quase a mesma idade, ela era mais jovem e participávamos das mesmas brincadeiras. Adorava ir ao sótão da casa, onde aprontávamos a mil. Futucávamos em tudo, descobríamos coisas do arco da velha: relógios antigos, cômodas antigas, velharias que acho me fizeram, até hoje, gostar de “antiguidades”. Ficava olhando os candelabros faltando algum pedaço e imaginava uma casa com aquelas coisas todas novas e no lugar. Guarda roupas antigos, com a madeira toda bordada com desenhos de flores, dando cupim, mas ainda mostrando a que vieram: guardar roupas e embelezar quartos. Cômodas, ferros de passar a carvão, mesinhas de cabeceira, livros antigos, revistas “O Cruzeiro” aos montes. Passei horas e horas ali naquele sótão.

Uma vez idealizaram uma nossa vinda para morar ali naquele sótão, a vida não estava fácil para minha família, e Tia Lucia ofereceu o sótão para nos ajudar, embora estivéssemos mais inclinadas a aceitar a oferta das meninas debaixo, porque lá embaixo, onde a Domingas ficava, era mais independente, atrapalharíamos menos, mas, não sei por quais motivos, não fomos, nem para o sótão e nem para baixo.

O marido amado de tia Lucia gostava de minha mãe e, se estivesse em casa, fazia um pouco de sala.

Fomos crescendo, Tia Lucia adorava o Cosme, Luciano e Letícia, os dois últimos pelos nomes colocados, afinal era o nome do seu filho e da sua irmã amada. Eu era um pouco, com o se pode dizer “diferente”, eu era gostada independentemente de qualquer coisa, diziam que eu era muito inteligente, e, portanto, para os inteligentes, tudo. Além de inteligente, eu era pintona, viva, cheia de arte e bonita, todos me davam uma especial atenção.

Quando tive uma pneumonia braba no colégio fiquei abrigada, eu, minha mãe e irmãos, na casa das meninas, eu tinha de ficar boa, caso contrário, era a cova mesmo, resultando todos a me olhar, a me dar comida, a me paparicar mesmo. Fiquei boa, claro! Ganhei mesmo a devoção de todos daquela casa. Venci a morte que bateu com força na minha porta aos oito ou nove anos.

Os filhos de tia Lucia e eu fomos crescendo, os filhos dela fizeram vestibular, Rosa para direito, Francisco para engenharia, Luciano eu não me lembro, mas certamente alguma coisa ligada à Filosofia, antropologia ou Sociologia. Eu achava o Luciano lindo, era louro já estava com os cabelos querendo ficar compridos e tinha uns olhos azuis, que não nego não, eram qualquer coisa. Ele adorava música clássica, eu achava engraçadíssimo ele sentado na sala da casa, numa daquelas cadeiras de balanço que lá existia, com a “radiola” ligada; era radiola mesmo, já faz muito tempo, ouvindo os clássicos, Bethoveen, Chopin, Bach e outros. O silêncio reinava ali, entravamos na sala sem fazer barulho. Eu entrava mais porque eu adorava ver Luciano que tinha ficado um homem lindo, cabelos louros e longos, magro, olhos azuis, que sempre pareciam querer esconder e dizer algo ao mesmo tempo, talvez que ele era “diferente”.

O tempo foi passando, as meninas indo, primeira Tia Letícia, o marido de Tia Lucia, não sei quem foi antes. Restaram Lucy, Lair e Lucia, quando Lair morreu eu já era Juíza e titular da 8a. Junta de Conciliação e Julgamento de Salvador e aconteceu um fato pitoresco, porque eu estava fazendo audiência, e como sempre,  nao gostava de ser incomodada por funcionáarios ou por quem quer que seja, de repente, Fabio, meu filho, entra na sala, o fato era tão estranho que eu, automaticamente, perguntei; "Quem morreu"? e ele, mais de que automaticamente, responde: "Tia Lair".

Lucia continuava com a sua vida, sem marido, mas com os seus filhos. Acompanhava a nossa vida à medida que minha mãe lá nos levava, Passou a ler cartas, um dia disse a Letícia, minha irmã, que ela iria para o exterior, ia morar lá, o que realmente aconteceu, só não acertou no marido que ela iria encontrar por lá. Comigo mandou que minha tomasse cuidado com os homens mais velhos, eu já estava chegando aos dezesseis anos, não sei se ela viu nas cartas ou era o aviso mesmo de coração de mãe, o fato é que, um homem bem mais velho que eu, foi mesmo o primeiro da minha vida. Ela queria muito, mas muito mesmo, que eu fosse uma doutora, ficava me dizendo o tempo todo que eu daria uma boa advogada. Não sei se sugestionada,ou não, por isso, fiz Direito, ela vibrou, vibrou quando dei a noticia que tinha sido aprovada no vestibular de Direito.

Ela e Lair foram ao meu casamento, estão na foto, não muito satisfeitas, porque elas não queriam que a minha vida fosse aquela, apostavam em mim, queriam mesmo me ver doutora, a esmeraldinha delas deveria ser grande.

Me afastei deles, afinal casei, me formei, a vida mudou, mas elas, as meninas, acompanharam a minha vida. Elas já não estão mais aqui, mas sei que, onde elas estiverem, estão nos olhando e tentando interceder, de alguma maneira, por nós, principalmente por minha mãe, a quem elas adoravam e tinham uma infinita ternura e respeito.

A mim, sei que realmente, Tia Lucia, de uma maneira qualquer, me ajudou e me ajuda, pois quando fui fazer a prova do concurso de Juiz, a última prova, a definitiva, onde deveria passar de qualquer maneira, a prova da sentença, pedi muito, antes da prova começar, a ela e ao meu pai, que me ajudassem a ter calma e fazer o melhor de mim naquela prova, afinal eles queriam muito que eu fosse uma doutora.

Efetivamente eles fizeram, porque a questão envolvia “petroleiro”, um assunto que, pela proximidade do meu escritório de advocacia com um outro de advogados que só trabalhavam com a Petrobras, eu tinha lido muito, através das muitas e muitas sentenças a respeito. Na hora que vi a questão, o meu corpo deu para tremer, eu senti uma coisa estranha, e, antes de qualquer coisa, chamei o fiscal e disse que precisava ir ao banheiro, e foi o que fiz, fui fazer “xixi”, um xixi de nervoso, mas que me acalmou, pois o tempo que levei dentro do sanitário foi o suficiente para agradecer a Tia Lucia e ao meu Pai, pela aquela demonstração de amor que eles estavam me dando. Passei no Concurso, nesta prova consegui a maior nota que tive durante todo o êle. Tomei posse, exerci o cargo, me aposentei. Com certeza, Tia Lucia deve ter saltitado muito onde estava. Os seus olhos devem ainda estar brilhando por detrás dos pesados óculos de armação preta que insistiam em escorregar nariz abaixo.

Obrigada meninas!

Arembepe, março 2011

quinta-feira, 3 de março de 2011

A propósito de um comentário: "brasileiros não gostam de trabalhar"

Quando escrevi o primeiro texto sobre Lisboa, aquele que saiu publicado no Patifúndio, recebi varias críticas de portugueses, que se reportaram a mim, como se fosse eu a preconceituosa. Alguns, apesar de apreciarem o texto, disseram não poder gostar dele, porque tratava os portugueses, que nos acolhiam, (referência aos brasileiros que lá estão) de braços abertos, com muito desprezo. Outros, que também gostaram do texto, faziam criticas grosseiras a quem o escreveu, inclusive dizendo que pensavam que aquele tipo de idéia sobre os portugueses partia de pessoas não esclarecidas, aquelas coitadas que vão a Portugal a procura de trabalho, de melhorar os seus horizontes, de ilusoriamente enriquecer (isto sou eu quem diz), de fazer um pé de meia e voltar para a sua terra natal, comprar uma casa, enfim, melhorar mesmo a sua condição, mas, eles verificavam agora que não, era uma idéia disseminada entre todos, inclusive pessoas esclarecidas como eu.

Os brasileiros que leram o texto, ao contrário dos portugueses, acharam-no maravilhoso, e agradeceram-me por fazer um roteiro de Lisboa e por reafirmarem neles o desejo de conhecer aquela maravilhosa terra. Muitos amigos me disseram que fizeram cópias do texto e seguiram aquelas indicações quase à risca quando lá estiveram e adoraram tudo, embora não poupassem críticas ao tratamento recebido de portugueses em alguns momentos, principalmente daqueles que lhe dão com o turista, com o público. Um dos brasileiros chegou ao ponto de me dizer que teve que falar francês para ver se conseguia um melhor tratamento.

Pois é, o texto foi escrito há mais de um ano, já fiz muitos outros textos sobre Lisboa e Portugal como um todo. Gosto daquele país, gosto da sua história, gosto de ver a coragem dos homens portugueses nos descobrimentos, gosto de ver como um país mínimo, pode fazer tanto em tantos continentes diversos, Portugal, em África, em Ásia, na America, sozinho, afastado do resto da Europa, sim porque Portugal está de frente ao Atlântico, o que ele tem frente a si é a imensidão do Oceano, que os marinheiros portugueses souberam muito bem aproveitar, e aqueles que não eram marinheiros não souberam defender, permitindo que aqueles que não eram do mar, acabassem com os grandes tesouros encontrados através dele, enfim, a história das descobertas portuguesas é extraordinária e, realmente, tem de ser valorizada por todos, portugueses ou não.

O reconhecimento do poderio português, entretanto, não pode ser estudado apenas no aspecto do ufanismo, há que se dar atenção a forma, à maneira que os portugueses exerceram o seu domínio, há que se valorizar os acertos, verificar os erros, a contribuição ou o prejuízo causado aos povos por ele colonizados, enfim, colocar os pontos nos devidos “is”, com consciência cientifica.

É interessante como, quando se redescobre e se reconta a história portuguesa no que respeita ás suas colônias, consegue-se incomodar aos que só vêem acertos, heróis, superioridade.

Bom, mas não comecei este texto para falar sobre descobrimentos, nem sobre ufanismo dos portugueses, mas para comentar uma afirmação que ouvi em um programa de televisão, em que portugueses falavam o que achavam de brasileiros e o que brasileiros achavam dos portugueses. Não vi o programa todo, bem verdade, nem me lembro, sequer, do canal que era, mas, ouvi de uma pessoa do povo, uma mulher, parece-me que entrevistada no centro de Lisboa, ali pelas bandas do Rossio, que disse: “os brasileiros gostam de samba, de música, de praia, de diversão, e de não trabalhar”. 

Não consigo perceber como alguém que mora em Portugal, que possivelmente nunca saiu de lá, que não conhece o Brasil, que só conhece o Brasil de ouvir falar, ou melhor, de saber que o Brasil foi colônia de Portugal e tentar gozar os brasileiros por isso, abre a boca, para fazer um comentário deste tipo.

Com certeza, aliás, seria esperar muito, esta pessoa não deve saber que o Brasil é a oitava economia do mundo, e, certamente, não conseguiu esta façanha, sem que o povo brasileiro dela participasse com trabalho.

Também não deve saber que na America do Sul, por acaso o continente em que os brasileiros vivem, que alguns nem sabem existir, o Brasil ocupa uma posição de liderança, invejada por muitos.

Outrossim, esta pessoa não deve saber das nossas exportações, do que temos em termos de tecnologia, da nossa indústria, (exportamos automóveis, peças de automotores, motores) fabricamos e exportamos aviões, produzimos petróleo, exportamos grãos, frutas, carnes, e muitas outras coisas.

Também ela não deve saber que nós, os brasileiros, na sua grande maioria, acordamos às cinco da manhã para que possamos estar nos nossos postos de trabalho as 08h00min, que é o horário normal de começar expediente em muitas das nossas indústrias, e no nosso comércio. Será que esta pessoa sabe que as indústrias não param, que temos de trabalhar, evidentemente que em turnos, durante vinte e quatro horas? Será que esta pessoa não sabe por que nós somos produtores de petróleo, porque detemos uma tecnologia avançada em perfuração de poços, em refinamento de petróleo, etc. etc. etc.

Será que aquela senhora que, possivelmente, acorda às nove horas da manhã, para pegar trabalho, se é que trabalha, pois uma grande maioria dos portugueses da idade dela, ao menos a que ela aparentava ter, está “de baixa” (vivendo à custa da segurança social) pelos mais diversos motivos, sustentados por outros portugueses, que velhos e alquebrados, ainda trabalham como “porteiros”, “porteiras”, cozinheiros, garçons, para sustentar a segurança social que patrocina estas “baixas”, hoje pelo maior motivo que é a “não vontade de trabalhar” de muitos portugueses, que a escondem com “depressão” “estafa” “stress”.

Já vi muitos portugueses, de idade entre 36 a 50 dizer que vão pedir “baixa” por estarem cansados, o engraçado é que, estas mesmas pessoas, que estão de baixa, não estão cansados ou deprimidos, para viajar, para freqüentar a noite, para beber, para fazer academia.

Será que aquela senhora não percebe quem são as pessoas que trabalham, muitas vezes, clandestinamente, nas obras que estão acontecendo em todo o Portugal? Será que ela não percebe que uma grande maioria daqueles homens que começam o trabalho as sete da manhã, ou menos ainda, são brasileiros, africanos e outras nacionalidades, menos os portugueses? Sabe ela por que isto acontece? Certamente ela dirá que isto acontece porque o Governo português permite que os estrangeiros tirem os postos de trabalho dos portugueses, e até acho que eles têm razão, deveria haver uma política mais rígida em relação a este trabalho, não porque retire dos portugueses os lugares de trabalho, pois muitos destes serviços eles não querem, porque significam uma humilhação para pessoas tão civilizadas como os “europeus”, mas para que os trabalhadores não sejam explorados como são, bem verdade que existem inúmeros programas, são até anunciados na televisão, para amenizar tanto preconceito, tanta exploração, mas isto não é necessariamente uma questão humanitária, isto acontece porque  a União Europeia obriga a que os países da comunidade tenham estes programas, aliás, patrocina-os, uma maneira de afastar a xenofobia que caracteriza a grande maioria dos europeus, vide o recente caso da expulsão dos ciganos da França.  

Estes pobres diabos trabalham mais de 10 horas por dia, ganham por hora muito menos que qualquer português, que acaso exerça a mesma função, o que é muito difícil, trabalham com os tais “recibos verdes” não tem direito a assistência médica, a qualquer subsídio, enfim, são tratados como “parias”, que realmente são afinal não pertencem ao mundo dos civilizados europeus.

Morar! Será que esta senhora sabe onde moram os pobres coitados dos brasileiros, africanos, ucranianos, etc., que trabalham nestas obras e em outros empregos onde são explorados? Não ela não deve saber, e se sabe, jamais o dirá, a não ser que seja para criticar se houver algum que consiga sair do inferno e passar a residir no “purgatório”, lugar mais adequado a quem pode pagar mais de 500 euros por um apartamento, onde morará mais de duas ou três famílias, cada um confinado em seu quarto, muitos com dois três filhos, dividindo intimidades, fome, miséria, com um único pensamento, juntar algum dinheiro para voltar a tão sonhada terra com uma casa decente para morar, um futuro para os filhos.

Será que essa senhora tem conhecimento de que aquela estátua que fica em frente, ironicamente, ao Café “A Brasileira” no Chiado, é a de Fernando Pessoa? Nós brasileiros sabemos. Será que ela sabe quem foi Camilo Castelo Branco? Eça de Queiroz? Saramago? Alexandre Herculano? E tantos outros? Nós brasileiros sabemos, porque reconhecemos os grandes valores destes portugueses, porque não somos mesquinhos, miseráveis, porque sabemos dar o crédito correspondente ao que é bom, valorizamos o estes homens representaram e representam para a cultura, entretanto, a par destes homens, temos os nossos, que, com certeza, ela nunca ouviu falar, evidentemente, cultura do submundo, de preguiçosos, de homens que mostram a saga dos brasileiros, pobres, nordestinos, que vão à procura de trabalho em outras terras: Graciliano Ramos, Jorge Amado, Erico Veríssimo, José de Alencar, Machado de Assis e tantos outros. Não, essa senhora não deve saber que temos estes expoentes, não lhe interessa, o que interessa é dizer que nós, brasileiros, somos “preguiçosos”.

Fiquei realmente triste e assustada com a afirmação da senhora, mas vou relevar, porque se nós brasileiros somos preguiçosos, se não gostamos de trabalhar, se vivemos sambando, se nada fazemos, e, ainda assim, somos a 8ª economia do mundo, prestes a sermos declarados como 7ª, é porque somos mesmo abençoados, coisa que não deve acontecer em outros lugares do mundo, deve ser porque “Deus é brasileiro” e permite que, apesar de tudo, demonstremos que somos felizes e que temos esperança, não vivemos de passado, estamos construindo o nosso futuro sem ufanismos exagerados, sem esconder os nossos problemas, sem culpar ninguém pelos nossos dissabores, pela nossa incompetência e inapetência.

 Somos grandes em tudo: em terra, 8.514.876 km, em número de gente, 190.732.694, em número de analfabetos, em numero de pobres, mas somos grandes em generosidade, em amor, em esperança. Se adoramos “futebol” é porque ele nos dá felicidade, se gostamos de samba, é porque ele mostra a nossa energia, sem precisar de qualquer tecnologia, é o nosso corpo que demonstra do que somos capazes; se gostamos de ir à praia; é porque o mar nos retira os olhados que pessoas infelizes nos colocam; se bebemos é para comemorar e não para nos deprimir e esconder tristezas. Trabalhamos, e muito, fazemos com que o nosso Brasil, continue crescendo, e seja motivo de orgulho nosso, e da inveja daqueles que não sabem o que é “SER BRASILEIRO”.