domingo, 26 de dezembro de 2010

Sonhos muito loucos!

Engraçado, hoje não sonhei, quero dizer, não lembro de ter sonhado, o que é raro, porque tenho sonhos quase todos os dias. Lembro de alguns, esqueço passagens de outros, mas o certo é que lembro e, logo que acordo, quando tenho tempo, escrevo para não os esquecer.

Minha capacidade de sonhar é imensa, penso que tenho uma maneira de criar enredos de sonhos propria. Misturo vidas, personagens. Dou qualidade a quem não tem, retiro de quem as tem, bagunço tudo e, de vez em quando, tenho passasgens hilariantes:

Uma vez sonhei com minha mãe, o que não é uma grande novidade, porque como sempre estou preocupada com ela, acho que isto faz com que ela apareça nos sonhos, alguns, quase pesadelos.

Minha mãe gosta de falar difícil, não sei porque motivo aprendeu isto, e gostava de se exibir mostrando estes “dotes” : por exemplo, lá em casa quando alguém falava alguma coisa mais complexa ela dizia – “Parem com estas frases perisfaticas” Até hoje não consegui saber o que esta palavra significa, não acho em dicionário, se algum de vocês souber, por favor, não se acanhem.

Mas vamos ao sonho: Estava eu em Portugal, especificamente em Setubal, que é um lugar onde o pescado é abundante, recomendo quem lá um dia estiver a comer, em qualquer dos restaurantes, “aneis de lulas à milaneza”, divino, ou, ainda, peixe grelhado, escolhido na hora na montra. Bom, mas vamos lá. Minha mãe esta lá, isto é; no sonho, e estava muito compenetrada, ela era uma daquelas senhoras que ficam emproadas, muito bem vestidas e mandando em todos, monopolizando as atenções. Eu não sei porque cargas d`agua, eu estava abrindo a geladeira para pegar algo, e de repente, um peixe enorme, vermelhão, lindo, cai no chão, e ela, muito chateada e com a voz postada me diz: Tenha cuidado com este peixe, pois ele é das águas profundas do Atlântico”. Acordei rindo, porque realmente a cena era hilária. Minha mãe sentada à minha frente e com a voz colocada a me dizer isto.

Outro vez sonhei que estava em uma casa com Gloria e José Marcos, meus tios amados. Uma casa grande com vários cômodos, que diga-se de passagem, não reconheci como qualquer das muitas que eles tiveram. Estávamos todos lá. Marcos dormia em quarto separado na parte baixa da casa, lá no fundo, um quarto que quase ninguém percebia que existia. Parecia que era um tipo de pensão em que se alugava quartos para muitos. Havia um chinês, que trabalhava, ele e outros, como carregador. O homem era chinês, magro, musculado, tinha uma boa estatuta, e a cara não era de chinês, embora todo mundo que o olhasse soubesse da sua decendência. Falava só ingles e chinês(mandarim) e era difícil a comunicação, mas nós nos olhavamos muito e eu o achava interessante, o que é pior, tava numa tesão danada pelo homem. Ele também demonstrava uma atração incrível por mim. Não podiamos nunca estar sozinhos. A nossa aproximação era mesmo uma coisa estranha, tanto eu quanto o homem tinhamos de nos controlar na frente das pessoas para não nos agarramos mesmo, embora isto não tivesse acontecido nunca quando estavamos sozinhos, parecia que nos queríamos cultivar aquilo tudo para um só momento. Um dia vi o chinês tomando banho, me aproximei dele e já vi a sua reação, que não podia ser escondida, trocamos uns dois beijos prolongados, ficamos doidos, mas estávamos no meio da rua quase, e tivemos de nos controlar, mas a partir daí as coisas começaram a andar, embora só ficassemos nos beijos e abraços furtivos, nao sei bem porque. Um dia de domingo o chinês entrou no quarto onde estávamos eu e Gloria, vinha acompanhado de um outro homem, alto, forte, grande mesmo, e o homem pediu licença, mas queria falar com Gloria. E então o chinês vira para ele e diz alguma coisa, que ele traduz, informando a Gloria o que o cara quer, era ele uma espécie de intérprete, parecia que o chinês não queria errar nas palavras e arrumou quem fizesse a intermediação. Ele convidava Gloria para ir a um culto com ele, uma coisa da sua religião. Gloria diz que não. O chinês fica chateado e fala  novamente com o homem; eu olho para Gloria e pergunto com os olhos se deveria ir eu,  ela balança a cabeça que não; o chinês insiste, e eu digo que vou com ele. Ele gosta da idéia, mas não se conforma que Gloria não vá. Depois de muito tempo eu percebo que não era eu que deveria ir, pois quem tinha de fazer isto era a pessoa com quem ele deveria falar a meu respeito, a pessoa, que ele sabia, que poderia ser responsável por mim. Certamente o chinês queria dizer a Gloria que queria estar comigo, me levar, mas nós não entendemos. Bom o certo é que fui ao templo com ele, e o templo era mesmo um daqueles que a gente vê em filmes,com aquela casa que tem os telhados em curva, com coisas penduradas nas laterais, com escadaria na entrada, com aquelas portas enormes e lindas, enfim, um espaço lindo.(um pagode).

Este sonho teve muitas passagens, em uma delas eu tinha de tomar banho em um banheiro feio e cheio de limo, que me fez lembrar os banheiros do internato do São Raimundo. Num deses banhos eu encontro o chinês em um corredor, onde eu andava nua, o homem para e me olha com um olhar que ja vi antes nos homens  que me amaram em algum momento da minha vida.

O chines me dava carinho, muito mesmo, mas apesar da tesão não avançava mesmo o sinal.

Já estou outra vez no quarto de Glória, que era enorme mas estava sujo, eu tentava organizar as coisas, como sempre. Tinha uma uma coisinha lá que eu achei muito interessante: era uma rodinha em forma de flor, que tinha um pino, em que você colocava bolachas de chocolate. A bolacha tinha um furo que era encaixado no pino, eu pensava que aquilo nao era real, mas tinha mesmo bolachas de chocolates.

O que acharam deste sonho? Tô ou não ficando doida, será que é falta do que vocês estão pensando mesmo. Tesão por chinês, eu hein!

Outro sonho para lá de esquisito. Este foi em 8.7.2010. Não sei onde começou, mas sei que estávamos todos indo para uma festa. Só que esta festa era em algum lugar que não conhecia e era longe, também não sei qual o motivo desta festa. Era longe e por isso tinha um ônibus para nos levar. Todos vestidos de festa. O ônibus era imenso e tinha bancos de três lugares. Eu entrava no ônibus e ficava preocupada porque minha mãe não entrava, todo mundo se acomodando e ela não chegava, tinha muitas pessoas de cor, algumas conhecidas e outras não. Sissi estava lá toda de roupa rosa, estava bonita, tinha muitas crianças que brincavam com balões brancos amarrados em três. Quando o ônibus já estava completamente cheio e só havia um lugar para sentar, chega minha mãe correndo e senta-se junto de uma amiga dela, que não conheço: uma senhora grande e escura, com uma peruca, toda de azul forte brilhoso, parecia a Cesária Évora e começam a falar muito. O ônibus prossegue e nós vamos a um lugar que não sei mesmo onde era e nem se chegamos. Sei é que depois já me encontro na casa de Glória, que ficava perto do lugar onde acontecera uma cerimônia, que penso ter sido em uma igreja. Todo mundo queria fazer xixi e Elisa, minha irmã, vai e bate na porta da casa. Volta puta da vida dizendo que Marcos disse a Glória para não abrir a porta, nem mesmo quando ela disse quem era.

Eu disse que não acreditava e que ia ver o que estava acontecendo. Quando chego a casa, que ficava em um pátio grande e toda ela com os cômodos para este pátio, ou seja: a casa tinha os vãos independentes, você não passava por nenhum deles por dentro para se dirigir ao outro, como sempre as coisas de Maria da Gloria, um moquifo! No pátio, que era mesmo grande, havia uma lavanderia de pedra, daquelas antigas e uma outra pia. Logo quando eu chegava encontrava Ticiano, que estava para lá de magro, logo atrás dele uma moça muito queimada do sol, mas muito menina e muito da feia, ele se apressa em me dizer que aquela não era a namorada. Me dá muitos abraços. Logo vi Maria da Glória junto à lavanderia conversando com minha outra tia, e eu vou ao encontro delas e pergunto o que está havendo, Gloria me diz que são as cosias de Marcos, que ele disse que estava descansando e não queria ninguém lá, pois queria ficar na cama até mais tarde, e que ela estava morrendo de vergonha. Bom eu tento ir ao banheiro. A esta altura já tem uma porrada de gente na casa, inclusive uma outra tia minha que estava vestida de anjo e também queria fazer xixi, se vocês conhecessem a minha tia, saberiam o quão de hilário, era vê-la vestida de anjo. Para ela entrar no banheiro foi preciso quebrar a porta, e ela entrou com as asas de anjo e eu disse a Natércia, que quando ela saísse era melhor voltar ao normal, tirando as asas e colocando os chifres vermelhos, fazendo o gesto com as mãos para demonstrar. Minha tia fica retada com o meu comentário, mas não me diz nada. Depois todos se acomodam como podem no espaço e eu, sacanamente, resolvo fazer um teatro que era para sacanear Marcos e proponho uma apresentação da casa para venda. Todos me olham e eu começo: A casa é composta de três quartos. O primeiro, este que os senhores vêem fechado com uma cortina, só da para uma cama de solteiro e mais nada. O segundo, e este era onde o Marcos estava, ele não deixava abrir a porta  aos berros dizendo impropérios, tem uma cama de casal, um guarda roupa: pêra aí que eu mostro. Ao ouvir isto Marcos sai do quarto visivelmente bêbado. Cabelos desgrenhados, um short azul e ele colocou o pinto para fora pela extremidade do short e ficava mostrando-o a toda a gente. Tico, meu primo, quase chorava e dizia que não entendia porque ele estava fazendo isto. Marcos volta para o quarto e pega um prato de feijão, o grão do feijão era marron e enorme e o caldo caia do prato para cima da cama, ele pegava as carnes com o garfo e dizia que quem tinha feito a feijoada, que fora um amigo dele, não sabia usar as panelas, porque deixou a lingüiça queimar. Tico tentava acalmá-lo sem muito êxito.

Todos estavam constrangidos e queriam ir embora. Maria da Gloria estava lívida, mas nada fazia.

Saímos e andamos pela rua, tinha havido uma grande festa, pois a rua estava suja e ainda decorada, a esta altura eu já estava com a Vera e eu dizia a ela: tem um som ali, vamos atrás dele, porque se não arranjamos nada, e eu estava falando de homem, hoje, nunca mais teremos chances.

Alguém que sonha um negócio desse pode estar no seu estado normal? Claro que não!

Mas estes são só uma amostra dos muitos loucos sonhos que já tive. Outro dia conto mais.





sábado, 18 de dezembro de 2010

É coincidência?


Mandara-lhe a foto. Estava assustada, nunca tinha pensado em nada parecido. Alguém que entrasse na sua vida através da internet e já lhe mandando foto.

Por que a foto? Será que queria mesmo fazer a propaganda? Ou não queria que houvesse surpresas? Ou será porque ela tinha lhe chamado de “centenário” e ele queria mostrar que não era?

Bom, o fato é que a foto chegara e ela olhava a pessoa que ali estava sentada num sofá muito pesado, o animal que estampava o pano era bem grande, o que lhe lembrava o motivo que deu inicio a esta “internetrelation”.

Começou a remoer os acontecimentos. Através de um texto agora estava dentro de um contexto, um contexto que não era só seu, afinal quando se fala em contexto, já saímos de nós, do nosso casulo e passamos a dividi-lo com os outros.

Ela, no momento em que fez suas publicações na net, deixou o seu casulo, ou melhor, permitiu que muitos entrassem nele. Não sabe ainda se isto é bom ou mau, mas o fato é que coisas agradáveis vêm acontecendo.

No caso da foto, talvez esteja entendendo tudo errado, talvez a carência lhe faça projetar coisas impensadas pelo fotografado, mas ela era assim, fica imaginando e se imaginando na situação. Ela certamente não mandaria foto para ninguém, não mandaria mesmo, ou será que mandaria?

Estava cheia de dúvidas, mas começava a perceber que, apesar do mínimo tempo em que se comunicavam, já sentia a sua falta; já lá se iam três ou quatro dias sem uma palavra, sem um comentário, sem nada.

O que estava acontecendo? Será que tinha dito alguma coisa que lhe ofendera? Não, não lhe parecia que fosse ele pessoa de se ofender facilmente, aliás, dificilmente alguém lhe conseguiria afetar, pensava ela, afinal, ele era um gozador. A brincadeira que fizera com um conhecido comum lhe dá a certeza de que ele é um tremendo gozador, um brincalhão.

Estava mesmo assustada, sentia falta de um desconhecido que lhe mandara uma foto para ser conhecido. Será que ele queria uma avaliação? Estava esperando algum comentário?

Não, pensava ela, claro que não. Então um homem que parecia ser inteligente, vivido, ia se submeter a um julgamento tão bobo? Claro que não. Então por que mandou a foto? O que ele queria com isto? Uma aprovação ou uma desaprovação?

Começou a fazer ligações: Tinha publicado um texto em que falava que tinha encontrado um professor de História de nome Roberto. Será que ele tinha lido tal texto e agora lhe queria impressionar? Pois a coincidência não estava somente na história, como também nas últimas cinco letras do nome.

Depois, mais um texto, agora mais especial e técnico, que lhe valera o conhecimento e os parabéns de um desconhecido, embora muitos já tenham elogiado tal texto; na estatística do blog é o segundo mais lido. Mais uma coincidência: normal, todavia, uma coincidência para quem é de país diverso daquele do fotografado, pois, quando esteve fora do país, na terra dele, frequentou uma “tasca”, que ele parece, também, frequentar, aliás, o texto em que a fotografia do local aparece foi que inspirou a brincadeira.

Outra grande coincidência, casas de praia em lugares próximos. O fotografado para chegar à dele tem de passar pela entrada que leva à dela, lembrando que ele é europeu.

Ademais, o vinho tinto seco! Aí é mesmo demais, embora isto não seja uma coincidência, e sim bom gosto

É; dizem que coincidências não acontecem, mas ela queria uma explicação para tantas. Vai esperar o desenrolar dos acontecimentos. Quem sabe, com autorização, até publique a foto, afinal, propaganda é a alma do negócio, e se o fotografado estiver mesmo à procura de algo ou de alguém, quem sabe!...

Tomara que o fotografado goste de “ameijoas à bulhão pato” e de “bacalhau à lagareiro” e, para completar, goste de “fado” - tudo isto é triste, tudo isto existe, tudo isto é fado -,  de olhar o “Tejo”, de vinho todos já sabem que sim.  Ai, pois, o serviço vai estar completo, ou será que ainda falta algo...?





Arembepe, 18.12.2010

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Cedo, ou tarde, ela aparece

Chegou o dia da audiência, ele comparece aflito, não somente pela questão em si, mas sim pelo próprio encontro que teria.

Há 16 anos não via o “rebento” a quem lhe atribuíram a paternidade. Separa-se da genitora dele quanto este tinha sete anos. Agora ele já estava com 24 e era, ele mesmo, o autor de uma ação de alimentos. Posições inversas, contrárias. Eram eles, agora, litigantes, cada um do seu lado defendendo os seus interesses, uma afirmando, o outro negando.

Quando se separou da mãe do “rebento” não tiveram uma separação amigável, o que resultou num afastamento completo entre ele e o seu filho. As coisas já não estavam boas antes, quanto pior quando da separação.

Apaixonara-se novamente, e isto causou grandes problemas com a companheira anterior, que fez de tudo, não porque gostasse dele, mas sim pelo simples fato de que era de má índole. Utilizou-se de tudo para tentar acabar com o que estava engatinhando: telefonemas para a atual, agressões ao ex-companheiro, que inclusive e, ridiculamente, apresentou queixa na policia, ebós: corações vermelhos alfinetados em belas embalagens entregues pelo correio, bonecas espetadas, baixaria enfim.

Os dois, tanto ele quanto a mãe do rebento, pessoas difíceis, naturezas ruins. Donos das suas próprias verdades; ela, pior que ele, porque as suas verdades tinham lhe sido incutidas e baseavam-se nas verdades maternas, comprometidas pelo ódio a homens, pois fora abandonada grávida e tivera de criar sozinha a filha, a quem transmitiu todo o rancor que a situação deu causa.

Quer por qualquer motivo, a filha lhe herdou o mau humor e este ódio quase incontido de homens, mesmo àquele a quem se uniu, embora sem a aprovação materna, que logo de inicio demonstrou toda a sua desafeição pelo escolhido. Afinal ela queria para a filha um doutor e ele era apenas, apesar de um alto funcionário de um banco, um bancário, não um banqueiro, prestem atenção; um banqueiro seria bem-vindo, ainda que ignorante, mas o dinheiro transporia estas dificuldades.

Bom o fato é que ela trazia todos os seus traumas causados pela sua criação, pela vida de sua genitora, que sempre trabalhou para lhe sustentar.

Ele, por seu lado, também fruto de uma relação problemática, de quem muito jovem perdera o pai exatamente porque esse, de livre e espontânea vontade, afastou-se de si e da sua mãe. Muito duro, embora tivesse, também, por si só, alcançado uma estabilidade financeira razoável, que, entretanto, não conseguiu esconder ou amenizar a sua instabilidade emocional.

Já estava no quarto ou quinto casamento, nunca conseguira ter filhos. Fez tratamentos, implantou cápsulas no corpo, mas não conseguira engravidar nenhuma das suas mulheres, e foram muitas, as oficiais e extra-oficiais, ele era um grande “comedor” com uma grande vantagem sobre os demais, trazia em si próprio um anticoncepcional, portanto as suas mulheres não precisavam de se desgastar com a prevenção. O fato é que, apesar de muitas tentativas falhadas, uma surpresa inesperada na sua quinta mulher, que ele conhecera quando esta namorava um seu “amigo”.

Pois é, a mulher ficou grávida e o “rebento” para sua satisfação e dúvidas vingou, para infelicidade total da mãe da sua companheira, que exigia um casamento que nunca aconteceu.

O rebento nasceu e lhe deram o nome de um vencedor. Foi crescendo e presenciando a vida dos pais, não uma vida normal, mas uma relação muito conflituosa, de grandes altos e baixos, de violência, ofensas, uma guerra particular.

O “rebento” era desconfiado, um pouco agressivo, teve perfeitamente a quem puxar. Não chamava o pai de pai, sempre o chamou pelo seu nome.

Separaram-se, e a vingança da mãe foi afastar o “rebento” completamente do convívio com o pai, que com todas as dúvidas, agora muito mais fortes, continuava a sustentar o “rebento”.

Quando o “rebento” fez dezoito anos a pensão de alimento foi retirada, mas o”rebento” ainda tinha direito a ela, porque era um estudante universitário e, portanto, e ainda por ser da área jurídica, ajuizou uma ação de alimentos, audiência á qual ele, agora, aguardava, procurando, nervosamente, identificar o autor. Sim o autor, porque agora já não era mesmo mais o seu filho, nem de fato e nem de direito, negava-o em todos os sentidos, quanto pior neste que agora se aflorava de uma maneira brutal: não sabia, das pessoas que ali estavam, qual era o acionante, aquele que alguém lhe disse um dia que era seu filho. Agora, mais velho, sentiu todo o peso de uma emoção, que jamais pensara sentir. Somente o identificou quando feito o pregão apresentara-se mãe e filho. A raiva da “criatura” lhe fez balançar, sentiu-se mal, a idade já não permitia emoções tão fortes. Ouviu o seu nome e encaminhou-se para a sala de audiências, onde, felizmente, uma pessoa de bom senso, o Juiz, não permitiu a presença da genitora. Estavam os dois sozinhos, um pseudo pai e um pseudo filho a reclamar direitos.

O pseudo pai com todas as suas dúvidas, nesse momento mais presentes ainda, pois a distância fez do seu pseudo filho um estranho, não se negou a dar os alimentos pretendidos, mas confessou ao juiz aos suas dúvidas, argumentando, exatamente, que durante toda a sua vida sexualmente ativa, tentou engravidar as suas mulheres sem consegui-lo, inclusive que tinha laudos médicos atestando a sua esterilidade, e, portanto, queria que fosse feito um teste de DNA para que todas as dúvidas se desfizessem e, se comprovada realmente a sua paternidade, restaria somente o seu pedido de desculpas, porque o tempo perdido não seria jamais recuperado, o amor entre filho e pai jamais existiria, a vida os tinha afastado mesmo, mas caso ele não fosse seu filho as coisas parariam por ali, não tinha intenção de reivindicar nada, não cobraria o que pagou, mas, com certeza, iria retirar o seu nome da certidão de nascimento, e mostraria a todos que sempre tivera razão.

O “rebento” não se abalou, disse que já esperava esta reação, mas o Juiz disse que naquela ação ele não poderia fazer tal teste.

Advogado procurado e ajuizada a ação negativa de paternidade cumulada com anulação de registro de nascimento e todas as conseqüências disto advindas.

O “rebento” é citado e é obrigado a fazer o teste do DNA. A mãe não quer que ele se submeta a isto. Sabe perfeitamente, sempre soube, que ele não era filho do “pai”.

Agora o “rebento” começa a ter dúvidas, Por que ela não quer que eu faça o teste? Será que ele tem mesmo razão?Será que ela me enganou durante todos estes anos?

Está nervoso, angustiado. Não pode voltar atrás. Procura o pai, desta vez vai lhe pedir que desista da ação. Não quer expor a pessoa que ele mais adora na vida, a sua genitora. Prefere conviver, para o resto da sua vida, com a “dúvida”, aquela que atormentara e atormenta o seu pai até hoje Ele, por sua vez, desistiria da ação de alimentos. Pronto! Tudo estaria sanado. A resposta, entretanto, é dura e seca: - Não, não vou desistir, vou até o fim, pois não vou morrer com esta dúvida cruel que me desgasta, que me afastou de você, que me deixou pior do que sou em termos de pessoa.

O “rebento” sai dali frustrado, vai ter que expor a sua genitora, a sua avó, ele próprio. O seu mundo vai se desmoronar. Dirige o carro sem rumo, quer pensar, quer saber o que fazer. Sabe que não pode se negar a fazer o exame, afinal pretendendo ser um advogado já sabe que não poderá fazer isto, não vai começar a sua vida jurídica com um tamanho erro provocado por uma atitude, talvez impensada, influenciada pelas duas mulheres que odeiam o seu pseudo pai. Para o carro em frente ao mar, fica ali muito tempo parado vendo se as águas podem lhe dar uma resposta, se ele consegue ver através dos olhos turvos pelas lágrimas.

Anda pela praia, grita, pede ajuda a Deus. Pede que lhe mostre o caminho. Horas mais tarde entra no carro e dirige-se para a auto-estrada, dirige em alta velocidade. De repente o carro derrapa, ele está sem o cinto de segurança e é lançado para fora do veículo, caiu do lado errado da estrada e o carro que vinha atrás do seu passa por cima do seu corpo. Pronto! Não ha mais dúvida alguma, ninguém precisa mais se machucar, ele morre como filho daquele pai que lhe nega este direito, o de ser filho, e com a dúvida de ter sido enganado pela sua própria mãe.

Agora, os pais choram a sua morte, que foi causada exatamente pelos dois. Fruto de uma vingança idiota de duas pessoas que nunca se amaram, que cultivaram o ódio em todos os momentos da vida, que arquitetaram vinganças uma para a outra, mas a vida lhes deu a vingança maior, que é passarem o resto das suas vidas lamentando a dor de não saber o que  é“ter um filho” o que é ser, efetivamente “pai” e “mãe”.

Este é um caso que medeia entre a ficção e a realidade, mas real do que fictício. Se resolvi, apesar da sua tristeza, contá-lo, o faço como um “alerta”. Uma mentira começa e segue a sua trilha, vai aumentando e se desenvolvendo, cria braços e alcança quem nada tem a ver com os que a inventaram. Portanto, pensem bem antes de tentar fazer uma mentira se tornar uma “verdade”, em muitos momentos da vida não se pode “sofismar”, não vale a pena, porque “é possível enganar parte do povo todo o tempo, é possível enganar todo o povo parte do tempo,mas jamais se enganará todo o povo todo o tempo” (Abraham Lincoln)

“A wulombe ri nandziya ha roche” : Provérbio changana – etnia moçambicana- que significa: A verdade pode tardar, mas sempre chega.



sábado, 11 de dezembro de 2010

EMPANADA GALEGA


MASSA

1 Kg de farinha do reino

300gr de banha de porco

1colher de sopa de fermento biológico (Flechman ou Itaquara)

1 copo d´água com sal



RECHEIO

1 kg de tomate

6 pimentões maduros

1/2gk de cebola

1 1/2kg (camarão, peixe, galinha, bacalhau)



MODO DE FAZER

Misture os ingredientes da massa em uma bacia ou tigela bem grande até que tudo se transforme numa massa uniforme e lisa. Bata bem a massa, não tenha pena, para que ela fique macia. Deixe descansar por, mais ou menos, 1 hora.

Enquanto a massa descansa, faça o recheio. Corte todos os temperos em cubinhos e misture com o camarão, ou com a galinha, ou com o bacalhau, enfim, com o que tiver escolhido para o recheio. Refogue com azeite, sal a gosto, (cuidado se for bacalhau) se for galinha lembre-se que deve cozinhá-la e desfiá-la antes, para depois fazer o refogado com os temperos. O mesmo se aplica se o recheio for de outro peixe que não seja bacalhau (este não precisa ser cozido antes. Coloque algumas folhas de louro, pimenta e, se gostar, coloque um pouco de açafrão. Deixe refogar até que os temperos amoleçam um pouco; não deixe despedaçar. Retire do fogo e deixe esfriar, é importantíssimo que o recheio fique frio, do contrário, quando você colocá-lo sobre a massa, ela vai encruar.

Enquanto espera que o refogado esfrie, vá começando a abrir a massa. Divida em duas porções, e estire a primeira metade muito bem estirada, use o rolo de macarrão para isto, aquele velho rolo de madeira.

Unte uma assadeira, das grandes, ou pirex, como queira, com banha, polvilhe farinha, e cubra todo ele com a massa que acabou de esticar, tendo o cuidado de cobrir muito bem todo o recipiente, deixando que as sobras passem das beiras.

Estire a outra metade e reserve.

Coloque o refogado, que já deve estar frio sobre a massa que já esta na assadeira. Feito isto, venha com a outra parte da massa e coloque por cima, fazendo um tampão. Com as bordas da parte de baixo da massa feche ela toda, de modo que não fique qualquer espaço para o recheio sair. Com a parte que sobrar da massa, faça rolinhos e faça o enfeite que quiser sobre a massa. Faça uns furos na massa, delicadamente, com a ponta do garfo, regue com azeite, não tenha pena, e coloque para assar em forno a 180º. Regue com mais azeite por umas duas vezes enquanto estiver assando. Quando as paletas da massa começarem a ficar morenas e estaladiças, pode tirar do forno que a empanada está pronta, o processo deve demorar por volta de 1 hora, uma hora e vinte, vai depender do forno.

Não quero fazer um livro de receita, e nem estou me propondo a nada que se assemelhe a ensinar ninguém a cozinhar, até porque não sei, mas resolvi partilhar com vocês esta receita de empanada galega, porque é mesmo uma comida dos deuses, certamente que ibéricos.

Quem fazia esta empanada era a minha mãe, uma brasileira, baiana de Cachoeira-Bahia, portanto, muito mais chegada às comidas de influência africana de que ibéricas. Ela fazia as comidas de santo, como se chama na Bahia, os carurús em homenagem aos santos (orixás) carurú de Santa Barbara, carurú de São Cosme, avisando, para quem não tem intimidade, que o caruru não é só a comida feita com o quiabo, ele envolve, também o vatapá, a galinha, a farofia, o feijão preto, o feijão frade, arroz (que tem de ser grudado), milho branco. No de São Cosme ainda se coloca: banana da terra frita, acarajé, abará, cana de açúcar, rapadura, inhame, coco cortado, pipoca, abóbora, ovo cozido. Uma miscelânea da porra, que se não conseguir agradar aos santos, agrada aos comensais. Ela também era expert em feijoada; dobradinha, galinha de todas as maneiras, carneiro, cabra, bode, mal assado, cozido, enfim, ela cozinhava muito bem, quando os ingredientes apareciam. Imagine que ela conseguia dar gosto ao chuchu, porque fazia uma torta de chuchu com molho de tomate que era mesmo uma maravilha (tia Mary que o diga).

Pois é, minha mãe casou-se com um espanhol e aprendeu a fazer comidas espanholas, mas no que ela ficou expert mesmo foi na “empanada”. Ficou tão retada nisto que, a espanholada, parentes do meu pai, quando tinham festa em casa, festas que eram tipicamente “galegas”, pediam para que ela fizesse as empanadas, que nunca eram menos de 5, e a pobre coitada tinha que amassar uma enorme quantidade de massa, não sei como agüentava, pois aquilo dá uma canseira nos braços da zorra. A gente fica mole depois que faz uma só, imagine de cinco em diante.

Bom, comi muitas vezes empanadas feitas por minha mãe, mas ele ficou velha e não tem mais forças nos braços, por isso, um belo dia resolvi fazer uma seguindo a receita que tenho em um caderno que ela mandou fazer. As folhas estão amareladas, mas as receitas ainda estão nítidas. Fiz a zorra com recheio de bacalhau. Rapaz! Não nego não: o negócio ficou bom mesmo. Meu amigo Pedro era só elogios, comeu que só. Depois fiz mais algumas vezes, mas como é um processo muito cansativo, só repito a dose em ocasiões muito especiais. Talvez, quem sabe no Natal,  vamos ver.

Se tiverem coragem de seguir a receita, experimentem, e saibam bem porque minha mãe virou, para a galegada, a “Rainha da Empanada galega”. É que ela conseguiu misturar sangue e amores, o seu de baiana nata, com o adquirido pelo amor, o espanhol.

E viva a Balicia (Bahia e Galicia)

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Motivos

Quando eu tinha sete anos minha família foi morar em Camaçari. Deixamos, às pressas, quase fugindo, a nossa casa da Imperatriz, na qual o meu pai também tinha o seu negócio – um armazém bem sortido com os mais diversos produtos. Uma espécie de supermercado embora sem a arrumação física que hoje eles apresentam. Evidentemente que era um pequeno comércio de bairro, que tinha um enorme nome verde e amarelo – BRASIL- era este o nome do estabelecimento, que até bem pouco tempo existia no mesmo local. Acho que o Brasil, à época, não queria liames com a Espanha, e resolveu expulsar o “Espanha” do seu espaço.

Mas não quero falar da Rua da Imperatriz e nem do Armazém Brasil, de onde saímos, como já disse, quase que fugidos, com a minha mãe pegando o que podia do estoque ainda existente.

Minha mãe, uma mulher de coragem, que nenhum dos seus filhos herdou, tomou dinheiro emprestado a um tio galego "rico”, dando as suas preciosas jóias como garantia, e comprou a casa de Camaçari.

Tínhamos uma casa verdadeiramente maravilhosa, espaçosa, ventilada, com um enorme quintal, onde cultivávamos várias frutíferas, que nos salvaram da fome em muitas oportunidades. Tínhamos espaço para criar porcos, galinhas, patos. Só não colocamos uma vaca lá dentro porque nunca tivemos dinheiro para comprá-la, do contrário, ela também faria parte da nossa família e do nosso sustento.

O fato é que para sobrevivermos em Camaçari dependíamos: das aulas que minha mãe dava a uma porção de meninos das redondezas; da venda de guloseimas e artigos de armarinho que a minha mãe montou na nossa sala de visitas; das nossas frutíferas e dos nossos bichos, que eram criados e procriavam para serem comidos. Lembro-me perfeitamente das galinhas que quase nunca chocavam todos os seus ovos, porque eles serviam para a nossa alimentação. Só uma parte deles ficava para a próxima leva de pintos, o suficiente para garantir a sobrevivência nossa e do próprio galinheiro.

Não tínhamos água encanda, e tínhamos, todos os dias, de encher o tonel que reservava a água para o gasto diário. Economizávamos água quanto podíamos. O banho era, para os menores, na mesma água. Os maiores utilizavam a água dos menores para se ensaboar e uns dois canecos para o enxágüe, toda a água do banho, que era tomado dentro de uma bacia grande, ficava reservada para o sanitário.

Minha irmã mais velha estava interna em Salvador e, portanto, a colaboradora número um de minha mãe era eu, depois vinha meu irmão do meio, que quando não fugia para as suas travessuras de menino, ajudava nas tarefas. Eu tinha muitas, mas muitas obrigações mesmo; tinha uma responsabilidade imensa na organização e funcionamento da minha casa, acho que era porque minha mãe quis me dar o nome de “Amélia” mulher de verdade, foi-se o nome, mas ficou o estigma. Nessa época eu não estudava, porque minha mãe queria me colocar interna em um colégio bom e, portanto, preferiu que eu não fosse para o Grupo Escolar de Camaçari.

Minha rotina era: acordar e, de imediato, forrar minha cama e pegar a lata de água para ir à fonte e trazer tantos baldes quantos fossem necessários para encher o nosso reservatório. Como economizávamos muito a água, ele sempre estava pelo meio. O pior dia para a execução desta tarefa era quando minha mãe resolvia limpar este reservatório, porque ele tinha de ficar completamente vazio para ser lavado e ser cheio de água nova. Nesses dias eu passava o dia inteiro entre o tonel no nosso quintal, e a fonte que ficava no fundo do nosso terreno, mas fora da sua cerca. Muitas vezes tive de ser ajudada nessa tarefa.

Depois que acabava de encher o tonel, o que se dava lá para as 10 horas, comia alguma fruta, ou qualquer pedaço de pão velho que tivesse em casa, porque não tínhamos pão todos os dias, o dinheiro não dava, eu ia varrer e tirar o pó da casa. Fazia isto, religiosamente, em todos os dias, à exceção de quando ia lavar roupa no rio na companhia das minhas vizinhas, o que eu adorava fazer, porque neste dia eu tinha comida garantida. Elas sempre levavam o feijão já misturado na farinha para o almoço, que eram mesmo uma maravilha, uma espécie de feijão tropeiro. Eu lavava a roupa grande da casa, os lençóis e as toalhas, trabalho do qual nunca me queixei, exatamente por isto, porque além de comer bem, ainda me divertia muito tomando banho de rio, pois ficávamos lá até que a roupa secasse, e, enquanto esperávamos, ficávamos ali naquela água maravilhosa e transparente do rio. A roupa ficava branquinha e cheirosa, porque era “corada”, (estendida no coradouro) penso que é assim que se diz e escreve, enxaguada e colocada para secar em cima dos pequenos arbustos, que com os seus aromas, aromatizavam as nossas roupas.

Também deixava de limpar a casa quando tinha de ir para a casa de farinha do Sr. Baninho, ajudar a fazer a farinha. Todos os meses eu tinha este compromisso. Tinha de ajudar a descascar e ralar a mandioca e passá-la na peneira. O único serviço que não fazia, dado que ainda era muito pequena, era o de torrar a farinha naqueles imensos fornos a lenha. Meus braços não agüentavam o rodo que você tem de movimentar para misturar a farinha no forno de cimento e não deixar que ela pegue e nem queime e fique uniforme e estaladiça. Era uma coisa que também gostava de fazer, embora ficasse muito, mas muito cansativo mesmo, mas eu tinha de levar o meu pagamento, que era, dependendo da quantidade de farinha que fosse feita, uns cinco quilos, farinha que ajudou a engordar um outro meu irmão, que vivia pendurado na minha cintura, com as pernas enganchadas em volta do meu corpo. Não sei como não fiquei com um desvio na coluna, porque “farinha” pesa.

Tinha todas estas obrigações nos dias de semana, que eram completadas com as do final de semana: levar para a feira as frutas que podia para vender (abacates, limões, mangas, laranjas, cajus). Eu e meu irmão do meio fizemos isto muitas vezes, umas com a minha mãe, e outras vezes levada pelas vizinhas, o que não me dispensava de fazer a faxina total da casa quando retornasse e, caso não tivesse água suficiente, encher o tonel.

Tinha uma tarefa que me deixava extremamente cansada e que eu fazia com toda a má vontade do mundo, que era lavar as fraldas dos meus irmãos menores, mas aí eu já estava maior; minha mãe resolveu parir mais dois em Camaçari, no pequeno intervalo de um ano. Aquilo realmente me injuriava, mas não tinha alternativa. Levava a bacia com as fraldas para o fundo do quintal e ia buscar água na fonte até encher duas bacias, a que servia para ensaboar e a que servia para enxaguar.

Outra tarefa cansativa era limpar o “terreiro”, que minha mãe fazia questão que estivesse sempre limpo, como se a limpeza pudesse afastar a pobreza da nossa vida. A casa estava sempre arrumada, nada fora do lugar, acho que por isso peguei a mania “das limpezas” que me valeu, mais tarde, o apelido de “Maria espanador”.

Não sei bem como ainda da tinha tempo de brincar de amarelinhas, de gude com os meninos, e de ouvir estórias, inclusive a de um menino que tinha algum problema mental e que diziam que, em noite de lua, ele virava “lobisomem”, eu tinha um medo da porra, e, realmente noite de lua cheia não saia de dentro de casa de maneira alguma. Também tinha a estória da “mulher cavalo”, que ficou assim porque, segundo a lenda, tinha xingado a mãe de “cavala” e esta lhe disse: “cavala tu és de virar”. Ainda bem que nunca chamei minha mãe da “cavala”, e quando, na raiva, pensei em outros nomes para ela, ela não ouviu, até porque se ouvisse, não iria me jogar praga: fazia como sempre fez, quando eu caia na bobagem de desobedecer ou fazer qualquer errada; me batia, ou melhor, me espancava. Não sei se hoje ela não seria denunciada por maus tratos. Eu apanhava, aliás, apanhei muito, de palmatória, de cipó caboclo, de cinturão. Tive a cabeça partida por lata de óleo, por pratos, e por qualquer coisa que minha mãe tivesse na mão na hora do problema. Eu e meu irmão do meio, fomos caixa de porrada de minha mãe, que descarregava em nós todas as frustrações e revolta pelo que a vida lhe fez, pelo destino que lhe reservou, pela mudança radical da sua estória.

Já lhes falei do serviço de alto falante, que ficava instalado no poste da porta da minha casa, que ficava numa encruzilhada. Do outro lado da rua, lado esquerdo, estava o armazém do seu João, que tinha muitos filhos, um deles de nome Roque, que, quando ia lá para casa, à noite, quando sentávamos na porta para ouvir as estórias que minha mãe ou outras pessoas contavam, me olhava de uma maneira muito especial. Graças a Deus que não deu em nada, porque hoje Camaçari não é mais a Camaçari daqueles tempos idos; a Lama Preta, o bairro onde minha casa ficava, se perdeu na preta lama, e, certamente, como vocês podem bem observar, não nasci para viver na lama, tampouco em uma encruzilhada, que só era “do bem”, enquanto nós, eu e a minha família, despejávamos, com todas as dificuldades, amor e solidariedade, porque com todos os problemas que minha mãe passou, ela foi um anjo da guarda de muita gente, porquanto com os seus conhecimentos, que não sei bem como adquiriu, tirou do analfabetismo muito gente, por ser uma educadora nata; trouxe ao mundo tantos outros, pois se dizia parteira; tratou de ferimentos, porque tinha aptidões de enfermeiraa,alegrava crianças, porque vendia guloseimas,e ainda vestia pessoas, pois quando o tempo lhe sobrava ainda costurava. A “Gringa”, apelido que lhe deram, era mesmo virada na porra.

Pois é, agora vocês sabem alguns dos motivos que me levaram a ser esta  "preciosidade"! 

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Descobrindo Maputo

O sol jogava os seus últimos raios sobre a terra seca. Uma poeira vermelha flutuava no ar. Seu sapato preto estava vermelho, passou a andar sobre a grama, que também perdera a sua cor original e demonstrava todo o poder do sol naquela parte da terra. Aquilo não era nada, nem grama e nem coisa alguma, mas alguém lhe gritou: “Não ande na grama”. Insatisfeita, teve de sair mesmo, afinal, naquelas paragens, aquela mistura de terra com alguns fiapos de uma mistura verde e vermelha podia ser considerada grama.

A terra seca, vermelha e fina entrava no seu sapato, que já não tinha cor. Aquilo era mesmo um sacrifício para si, mas não havia outra maneira de chegar até o local onde fazia a sua pesquisa, pela qual valia o sacrifício.

Consegue chegar ao portão divisório do campus da universidade e a rua, não faz muita diferença: de ambos os lados a poeira é terrível, mas do lado de fora do portão, que na realidade não existe, tem o asfalto, esburacado, misturado com aquele barro seco, mas o asfalto diminui um pouco a poeira. Tira cada pé do sapato e balança o barro que se acumulou na travessia do campus.

Ela anda sozinha e preocupada, quer acabar logo a sua pesquisa, mas é impossível saber o que quer em tão pouco tempo, aquele arquivo merece a eternidade, tal o seu conteúdo, mas é impossível passar mais tempo ali, e ela tenha a ciência de que não conseguirá realizar nem trinta por cento do que se propos.

As pessoas passam por si. O colorido das capulanas das mulheres contrasta com tristeza que se denota nos seus semblantes. Muitas sentadas no chão, sem qualquer condição de higiene, expõem e vendem os seus produtos – folhas, tangerinas, milho, mandioca. São muitas e muitas, mas não se vê, ao menos naquela parte por onde ela passa, qualquer traço de inimizade, de concorrência. Ali a concorrência é tão somente pela vida. O pano, em que elas colocam as mercadorias, é encardido. A água com a qual elas molham as folhas para que não murchem é suja, algumas guardam a água em uma lata onde sentam, as ancas servem de tampa para este reservatório de água. Algumas têm crianças que lhes sugam o peito cansado e murcho, mas isto não é motivo para que elas não atendam algum cliente que se aproxime. O ambiente é sujo. Os pés foveiros da poeira vermelha encostam-se nos produtos, mas parece que ninguém liga, porque os compradores aparecem e levam as folhas, as frutas, alguns até comem  estas últimas sem sem lavar.

Aquele era um caminho pelo qual passava todos os dias, até descobrir que muitos outros existiam e que levavam ao mesmo lugar. A partir desta descoberta ia, a cada dia, trocando o caminho, não só pela própria novidade em si, mas para não passar pela avenida principal, sempre muito cheia de gente, ambulantes, bêbados, e também porque esta uma maneira de conhecer a cidade no pouco tempo que permaneceria nela.

As outras ruas em que andava não eram muito diferentes daquela primeva, mas havia menos movimento de pessoas e de vendedores de rua. Numa destas caminhadas encontrou o “peixe preto”, um peixe que é defumado e que se pode guardar por muito tempo sem que apodreça. O bicho é feio, horrível na aparência, mas, segundo a vendedora e uma compradora, de ótimo gosto. Não teria coragem de comer aquilo, a aparência é mesmo tenebrosa.

Pela rua vendedores de frutas, carrinhos cheios de banana e tangerina. Pelo chão, sentadas em um banquinho com um fogareiro à frente, vendedoras de “maçaroca”. Estão com a típica vestimenta da terra – a capulana. Falam entre si uma língua esquisita, as das suas respectivas etnias. Ha uma aglomeração delas, realmente a concorrência é a última coisa que poderia ser encontrada ali, assam as suas maçarocas e pronto, não disputam os clientes, eles chegam e compram e se vão a debulhar os grãos assados.

Esta na hora da oração dos muçulmanos. Muitos homens apressados passam por si e se dirigem para a Mesquita que fica no caminho por onde tem de passar. Muitos homens vestem túnicas brancas e usam o kufi (gorro para rezar). Muitos são indianos, as características físicas demonstram isto. A pobreza circundante contrasta com a imponência da Mesquita.

A avenida fervilha, esta na hora de voltar para casa, todos se apressam. Os chapas estão superlotados, mas ainda param nos pontos para pegar mais gente, que se comprimem ali dentro, mas querem mesmo é chegar a casa.

As vendedoras ainda estão a postos, no lugar onde existem paragens dos chapas elas se concentram mais ainda, tem fregueses fiéis, pois se vê o tratamento entre elas e os seus clientes.

Atravessa a última avenida que vai lhe levar diretamente à rua do hotel. O percurso é feito em uma hora e vinte minutos, aproximadamente. Quando chega ao hotel já não tem mais vontade de fazer nada, a não ser dormir. A caminhada é penosa, porque além da distância em si, ela vem trazendo o notebook, a bolsa, e, papeis; uns seis quilos. Sempre chega exausta.

Algumas vezes, antes mesmo de subir para o quarto, pede um uísque duplo e fica no hall do hotel olhando a movimentação. Constata que muitos hóspedes, inclusive dois espanhóis, estão ali para angariar mulheres. Muitas jovens entram e saem do hotel, algumas acompanham os hóspedes até o quarto. As cenas lhe deprimem um pouco, sabe que aquelas jovens estão se prostituindo e acreditando numa mudança de vida, que lhes esta sendo, sacanamente, prometida.

Não gosta dos dois espanhóis, até porque eles tratam mal os empregados do hotel, não que esses sejam exemplo de nada, muito pelo contrário, são como todos que encontrou: desatenciosos, sonolentos, descansados. Não se esforçam para nada: é como se os hóspedes precisassem deles, e não o contrário.

Acaba o uísque e vai para o quarto, toma sopa de saquinho, arriscando-se, porque ela é feita com a água quente da torneira do banheiro, nada recomendada para o consumo, mas não há outro jeito.

No final de semana, depois do meio dia do sábado, que é quando o seu começa, anda pelas ruas da cidade, descobre muitas coisas e lugares. Constata que há muito vigilantes, não se sabe para vigiar o que, porque como parecem pertencer à empresa de vigilância “sonolência”, nada está a ser vigiado.

Anda sem destino, mas com uma direção quase certa, a do mar, entretanto, quando passa pelo Jardim vê muitas, mas muitas mulheres mesmo concentradas. Estão todas de capulanas. Pergunta o que esta acontecendo, alguém lhe diz que elas são de Napula e que vieram para Maputo fazer uma manifestação, e estão à espera de algum representante do governo.

Olha para aquela cena assustada, as mulheres estão sujas, algumas dormem na grama, outras estão sentadas dando de mamar aos seus filhos, outras andam pelo jardim. Quer tirar fotos, mas fica inibida, tenta tirar sem que elas percebam, consegue algumas não muito nítidas.

Desiste e segue em direção ao mar, que, mesmo com toda a sujeira, conserva, bem longe da praia, a sua cor, cor que lhe dá a esperança, de que tudo neste país ainda vai mudar. É o que realmente espera.