terça-feira, 30 de novembro de 2010

Parado no tempo e no espaço

Ela olha o relógio pendurado na parede da sala. É lindo! Foi comprado em um antiquário numa cidade do interior da Bahia no Recôncavo Baiano.

É de madeira trabalhada, os números, em romano, são pretos e aparecem no visor de vidro que, nesta parte, é transparente; da metade para baixo é trabalhado tendo, tão somente, um retângulo para que se possa ver o pêndulo prateado.

Os ponteiros pararam às 11.55 de algum dia, ou noite, que ela não lembra, ou não quer lembrar. O relógio precisa de corda para funcionar, ela não sabe lhe dar esta energia, porque ela mesma esta a precisar de corda para funcionar. Quem tinha este trabalho, todas as manhãs, na sua casa era o seu companheiro. Sua mãe, até hoje, pergunta-lhe: “Quando fulano virá aqui para dar corda no relógio e em você?” Pergunta que ela não sabe a resposta. Sabe que, tanto quanto o relógio, ela precisa de corda para funcionar, ao menos no lado amoroso, mas fica parada, esperando tempo passar, esquecendo-se que ele realmente passa, e vai deixando no seu passar marcas das horas, dos dias, dos meses, dos anos.

O relógio continua parado, a sua mente quer que ele funcione, talvez até ele mesmo queira funcionar, mas ele também, apesar de não marcar as horas, vê o tempo passar e deve ter saudade do tempo que, mãos amigas o afagava em todas as manhãs, lhe dando vida, lhe dando força para marcar as horas e rezar a Ave Maria. É porque em cada quarto de hora ele acompanhava o seu irmão maior a rezar uma parte do primeiro verso da Ave Maria, que a cada hora se fazia completo. Agora ele está parado e nem rezar pode mais. As mãos carinhosas da manhã de todo os dias já não lhe afagam, afinal ninquem quer colocar as suas mãos num herege, que  nem rezar sabe mais.

O Relógio mudou de endereço, já não esta em sua parede de costume e já não disputa espaço e carinhos do seu amado com um semelhante que ficava em outra parede da sala. O seu amor também mudou de endereço, pois na separação dos, outrora, donos das paredes em que se instalaram, ele e o seu pedante semelhante, embora irmão maior, que apesar de mais novo na idade, era maior em tamanho, foi cada qual para o seu lado.

Na separação do casal os relógios que conviviam, não tão harmonicamente, porque sempre um, mais ousado de que outro, queria marcar as horas em momento errado. Um, o maior, estava sempre um minuto adiantado, fazendo soar a sua Ave Maria antes do "dim-dom" do seu irmão menor. É como se quisesse mostrar os seus dotes àquele irmão, que não crescera tanto quanto ele, que parecia não ter qualquer charme. Resistiram enquanto puderam, badalaram enquanto lhes deram corda, mas um dia pararam de funcionar. Um ficou com a mulher, até porque fora ela mesmo que o comprara, o outro ficou com o homem, e sabe-se lá se ainda badala. Se estiver no mesmo ritmo do dono, deve badalar, mas precisa de muito mais corda de que antigamente, afinal, mesmo sem que os relógios marquem as horas, o tempo passa e mostra os seus efeitos e agora ele deve entoar o “Cruz Credo”.

O dela está ali, esperando que alguém lhe dê corda, que alguém lhe lembre a sua função – marcar o tempo passar. Tal qual ele, ela não badala, pois nem com esforço isto pode acontecer, vez que, como ele, precisa de mãos carinhosas para lhe dar corda, lhe afagar, lhe dar vida. Ambos precisam de carinho, de quem lhes dê vida, de quem lhes ajude a mostrar a que vieram, e que lhes dêem o “prumo” necessário para funcionarem.

O Relógio continua parado em 11.55, parecendo querer dizer à sua dona que, ainda, há uma possibilidade de eles, ela e ele funcionarem, afinal, apesar dos números impares onde os ponteiros pararam, eles formam pares gêmeos, e gêmeos não se devem separar, muito pelo contrário, gêmeos querem ver o tempo passar unidos como todas as almas gêmeas que se encontram.

Talvez, neste momento, as almas gêmeas, sejam exatamente, o Relógio da sala da casa e a sua dona, ambos parados, mas unidos pela falta da alma gêmea que, o tempo, não marcado, separou.



Novembro de 2010















quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Igual em todo o lugar do mundo

Como em qualquer lugar do mundo, há um casal no restaurante. Ele lê o jornal, ela fala no celular. Ambos tomam Chivas Reagal, pelo menos a garrafa que está na mesa é esta, sinal de que não são pobres. Ela é bem mais moderna de que ele e tem um belo rosto e, para negra moçambicana, um corpo da zorra, porque não tem as ancas largas e nem culotes nas laterais, uma grande característica da negra moçambicana. Parece ser mestiça, porque tem a pele bem mais clara de que os moçambicanos em geral.

Dez minutos se passaram. Ele continua a ler o jornal e ela balança o copo de uísque fazendo tilintar as pedras de gelo, parecendo querer chamar a atenção dele, quem nem se abala. A solidão dos dois é visível.

Não falam nada. Da minha mesa continuo a observá-los.

Carril de camarão e quiabo no coco

O Restaurante é o Coqueiro, que fica na Feira Popular em Maputo, e onde se serve a melhor comida moçambicana da Zambézia que comi. Hoje é domingo e há musica ao vivo. Neste momento toca uma música bem antiga e o cantor, em seu moçanhol; canta: “luna que se quebra sobre las teneblas de mi solidad” Adoro a música, mas nem ela me tira a atenção daquele casal.

A mulher continua com o celular no ouvido. Ouve apenas, não diz nada. Fico pensando: Será que é um amante? Ela continua calada, apenas ouve e o marido segue, à sua frente, lendo o jornal. Parece nem perceber o que ela está fazendo.

Agora ele para e tira os óculos.

A comida chega. Neste momento fico com uma saudade danada de meu parceiro, acho que foi a música. Não quero chorar, mas as lágrimas insistem em saltitar dos olhos, querem escorrer e mostrar a minha saudade. Contenho-me, é melhor me concentrar na vida do casal.

Eles agora comem. A “moiça” quer ser fina, nota-se que não sabe lhe dar muito bem com os talheres, come com o braço em cima da mesa segurando a cabeça. Não diz nada, come, mas algo parece demonstrar a sua insatisfação.

A tela do celular é olhada, é um daqueles que tem tudo, da mesa posso ver alguns detalhes e a própria tela.

O homem come e, ao mesmo tempo, lê o jornal. A comida é churrasco, prato que se serve muito, tanto aqui Moçambique, quanto em Lisboa, (frango aberto grelhado na brasa); ele pega os pedaços do frango com as mãos.

Ele chama o garçom e pede vinho, quando o vinho chega tenho uma surpresa: “Monte Velho”, o vinho que costumo tomar em Lisboa, parece que eles são chics mesmo, não por causa do vinho, mas por ser em Moçambique.

Continuo ouvindo o senhor tocar o órgão, agora ele faz uma mistura, não é boa, mas é musica e eu gosto, descobre que sou do Brasil e toca: Ivete, João Gilberto, Claudia Leite, Bruno e Marrone, Martinho da Vila.

Peço uma caipirinha que esta cheia de açúcar. Tomo assim mesmo, porque o bar não serve caipirinha e fizeram apenas para mim. Continuo no meu posto de observação.

O casal agora, por força do frango que dá trabalho de destrinchar, falam algo. A distância não permite que eu leia os lábios e nem ouça o que falam, portanto não posso fazer uma estória a partir de, apenas, uma palavra.

A lady não mela a mão, come de garfo e faca, mas não tem jeito para isto. Tem uma mão enorme, proporcional ao tamanho da bunda. Larga a faca e mete a unha enorme na boca, alguma coisa da galinha deve ter ficado no dente. É melhor tirar, ainda que de unha e com toda a falta de educação possível, afinal uma galinha pode lenhar a outra, ainda mais quando esta tão próxima do dente.

Na mesa tem uma garrafa de água mineral, o vinho “Monte Velho”, frango e mais duas coisas que não identifico.

Agora eles falam, mas ela tem uma atitude agressiva que é demonstrada através dos gestos das mãos e na maneira de olhar para ele, não posso, entretanto garantir, isto pode ser, apenas, falta de educação mesmo.

A coisa tá ficando mais séria, chegam dois jovens, possivelmente, filhos dele, ela não tem idade para ser mãe deles. Os dois sentam e não cumprimentam nem o homem e nem a mulher como deveriam. Parecem que são “bem”. O rapaz e a moça estão bem vestidos e arrumados. Eles pareciam ter vindo almoçar, mas já são 15h20min. A jovem não coloca nada no prato, está deslocada, parece não gostar de nada que está ali. A jovem mulher do pai lhe pergunta se não vai comer nada, ela diz que não com a cabeça: a outra lhe pergunta mais alguma coisa, não percebo o que. Depois ela fala da maneira que servem os pratos, penso que ela tá falando exatamente o que eu falaria: “as axilas fedorentas ficam na cara do cliente”, e ficam mesmo quando os empregados vão servir a mesa simplesmente passam o braço na cara das pessoas, que, infelizmente, tem de receber aquela bafora de suor fedorento, uma porcaria, mas fazer o que.

A mulher mudou depois da chegada dos filhos do homem, parece querer conquistar alguma coisa, ou demonstrar alguma coisa. Não consegue nem uma coisa e nem outra.

Os dois jovens parecem ignorá-la, falam com o pai. A lady já dispensou a faca, já esta pegando a galinha com as mãos. Tenta falar mais uma vez com a jovem, que até se vira em direção a ela, mas continua muda.

Papai fala, todos escutam, até ela, a “esposa filha”.

O filho olha o relógio, parece dizer que já passou ali tempo demais.

Agora se vê bem uma aliança na mão da jovem, o que significa que ela é noiva. O seu rosto parece dizer, também, que quer ir logo embora dali. É impressionante o rosto dessa moça, o olhar de desprezo que ela lança à mulher do pai é demonstrado sem qualquer constrangimento. Não sei porque me lembrei de Lucynne grande, acho que porque a mulher do velho parece com Alcione, a cantora, acho que é o cabelo, porque na verdade ela não tem nada a ver com o corpo de Alcione, tampouco o rosto, mas penso que o cabelo e as unhas me trouxeram esta lembrança.

Estou entusiamada, já tomei mais caipirinha, já comi “carril de quiabo e camarão”, uma espécie de caruru de quiabo inteiro e com camarão fresco, com leite de coco e óleo de palma (dendê), agora a música é “este amor de ping pong, de pega-pega, de esconde-esconde de ficar longe! Eu não quis assim ela também não, mas aconteceu, coisas do coração”. A saudade do companheiro bate outra vez, mas volto ao casal correndo, não quero chorar e nem lembrar o que já não tem solução, o irrecuperável.

A senhora acabou de comer, esta calada, olha altiva para os lados, ela é uma “lady”, não tem que estar aqui.

Os jovens estão calados. O Velho ainda come. A mulher olha-o, balbucia algo. : É isto, aqui, alhures, onde for: é tudo igual.

Agora penso, vou deixar a vida dos outros em paz: O homem agora toca “Geórgia on my mind” Im listening.

Peço a terceira caipirinha- daikiri, o que quer que seja, doce ou não, vou tomando, mesmo resolvendo não prestar mais atenção ao casal, não quero sair antes dele, pois quero ver a saída.

Um homem sujo e fedorento entra no restaurante e senta-se numa mesa, acho que é algum fornecedor. Entra também um popye, que tem a perna quebrada, senta na mesma mesa

Acabaram todos de comer, todos calados. O homem diz alguma coisa. Não da para perceber o que. O gesto é de alguém que fala com muita certeza e que os jovens têm de acatar.

Agora preciso ver o final disto mesmo, peço mais uma bebida. As pessoas limpam a mesa, Os dois jovens dão risada de algo que a mulher diz, mas o riso é de puro escárnio, não é da piada, ou de qualquer coisa inteligente que ela possa ter falado, pode até ser que um dia faça isto.

Ela fala alguma coisa séria, todos agora prestam atenção, deve ser alguma queixa. Quando ela acaba de falar o homem simplesmente levanta a mão, como se dissesse. O que é isto? Não bem assim. Os jovens não dizem nada, riem de canto de boca, nada além disto.

A conta chega e o “pai de todos” para isto eles servem, paga a conta, toma o último gole de vinho, fala algo, entre dentes, com a “filha mais velha”, lhe pergunta algo; a jovem fala no celular e nem olha para ele. Simplesmente se embalança e nada mais.

O bêbado fedorento da mesa parece ser habituet ali. Volto para a família, agora pai e filha se falam, deve ser alguma queixa porque ele fica sério, não ri, e fala com ela alguma coisa.

Aguardo a saída de todos, que esperam apenas a conta

Do lado de fora do restaurante passa uma negra com os cabelos louros que desvia minha atenção, pois uma figura muito estranha. Não quero saber dela, o que quero é saber o final da estória da família aqui. Espero. Há uma discussão séria na mesa. Não adianta, ela não vai agradar nunca.

O popye vai embora, mas o bêbado e inconveniente fica.

A mulher quer agradar mesmo, devem estar todos a lhe sacanear. O pai fala algo, os dois jovens riem. A outra filha, a só dele, fica séria, o comentário parece não lhe ter agradado nada.

Ela continua a tentar dominar a estória, mas já e tarde, a conta foi paga. Nem mais um “Monte Velho, resolveria aquela estória.

O velho pai sabe ninguém precisa lhe dizer, da situação ridícula em que se encontra; se assim não fosse, e isto não é nenhuma coincidência, não estaria eu aqui a descrever esta situação.

O homem saiu, acho que foi fazer xixi. Ela ficou só com os dois jovens na mesa. Eles calados, ela a olhar para o lado contrário ao que eles estão.

Ela falava alguma coisa e eles parecem dizer-lhe que para eles ela não estava ali

Não queria, efetivamente, estar no lugar daquela mulher. Ela esta no espaço errado, com as pessoas erradas. Não assumiria aquela situação de maneira alguma, mas dinheiro faz qualquer coisa não é; quem sabe até “velho” virar macho.

O homem não volta, os jovens deixam o restaurante e ela sai dali sozinha, falando no celular; a sua válvula de escape e que para si deve dar-lhe “status”.

Pois é, esta é mais uma história comum atualmente. Parece que os homens, quando chegam aos cinqüenta e cinco em diante, querem provar a sua virilidade de qualquer maneira e acham que só conseguem isto com jovens que podem ser suas filhas.

Que Deus os ajude e lhes dê força para cumprir a missão que têm pela frente, afinal segurar a onda de uma jovem de 25 anos não é para qualquer um. É a luta entre o Cabo da Boa Esperança e o das Tormentas, este último, nesses casos, sempre, o vencedor.



Maputo, 15 de agosto de 2010

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

DESPOSSESSÃO! Nunca Mais

Quando a vida da gente dá uma reviravolta para pior, quando tudo parece dar errado, quando nada muda e nada acontece procuramos, de todas as maneiras, nos livrar dos males que nos afligem. Começamos por lembrar que Deus, efetivamente, existe. Pedimos todos os dias, imploramos, choramos, rezamos, vamos até as Igrejas. O católico-apostólico-romano se faz presente, em nós, com toda a sua força.
Como Deus só não basta, porque somos mesmo imediatistas, procuramos alternativas: tarôt, umbanda, espiritismo, mesa branca. A tudo quanto é merda, a gente tenta se apegar.
Fazemos tudo que nos dizem para fazer: De tomar banho de folha, quanto pior, podre, a banho de rosas. Comida para santo!  Ah! Esta nem se fala: caruru a São Cosme, caruru a Santa Bárbara, comida de quiabo para outro (sem azeite de dendê), pipoca para Omolú e tantas e tantas outras coisas. Os quiabos cortados de várias formas: em quadradinhos pequeníssimos – o de São Cosme; um cortado em rodelas – Santa Bárbara, outro enviesado e em pedaços maiores – o orixá que é representado pela cobra, acho eu. Acreditem, já fiz todos os três. Parece que não gostaram do tempero, pois to esperando resultados até agora.
Promessas a santos são incontáveis: Já andei de Piatã até a Colina Sagrada- Bonfim, umas quatro vezes. Continuo aguardando as providências do homem de lá.
Por ter muitos problemas, vocês já notaram, embora não tão meus assim, recorri a muitas coisas, não tenho qualquer vergonha de dizer. Vergonha é não tentar sair da merda em que se está, ou se a merda não é sua, tentar ajudar o outro a sair dela.
Por causa disto, por tentar mesmo ajudar todos os membros da minha família: eles não vão negar, conheci uma senhora, a quem só tenho até hoje de fazer um grande agradecimento – o de me ter dado a oportunidade de conhecer a minha "senhoria" aqui em Lisboa. No mais, lamento o dia em que esta cidadã entrou na minha vida.
Da primeira vez que a vi, lá na Bahia, em Salvador mesmo, fui por indicação de uma pessoa muito mística que morava no mesmo condomínio que eu.  A mulher atendia numa casa que ficava num outro condomínio bem próximo.  Certo que ela tem algumas manhas, não tenho a menor dúvida disto, pois a miserável, através das cartas e de uma tal  "Carmensita", uma entidade com a qual ela falava, me disse muita coisa de mim e para mim, muitos acertos, acertos mesmo.
Disse-me ela que eu precisava fazer algumas sessões de despossesão. Pense aí, despossessão. Tava eu possuída do "Diabo"? Que porra era essa? Não liguei muito para esta estória, sou descrente, mas, mesmo assim, sigo fazendo promessas, rezas, pedidos, acendendo velas, colocando comida para santos, aliás, tem um bom tempo que não faço isto. Todos os anos, no primeiro dia do ano, coloco o perfuminho de Iemanjá, mas acho que, de tantos que ela recebe, nunca deve ter achado o meu, ou então, se retou comigo porque, nos dois penúltimos anos, coloquei o perfume nas águas da Baía de Cascais, aqui em Portugal, do outro lado do Atlântico, e parece que a Iemanjá da Bahia não sai das águas mornas de lá: não deve gostar da temperatura das águas do Atlântico deste lado; são mesmo frias.
Bom o certo é que a mulher me convenceu pelo acerto de muitas coisas da minha vida, passada e presente. O futuro fica mais difícil, porque ele depende mesmo é de nós, não se enganem. Façam sempre o correto, lutem pelos seus sonhos, pelos seus ideais, porque ninguém recebe nada de graça. Ajude o destino. Você, querendo, pode até mudar ele. Acreditem que é verdade mesmo.
Pois é, mas, mesmo assim, eu comecei a mandar os membros da minha família para ela. Cada consulta no valor de RS 200,00 (duzentos reais). Tenho cinco irmãos. Acreditem se quiserem: paguei para todos, até a crente foi lá. De irmãos, paguei para filhos, tia, sobrinhos, primos, amigos, até para o meu companheiro. Recomendei a sacana para muita, muita gente. De tanta gente que mandei, ela começou a me cobrar 150, se alguém precisasse de uma nova consulta, que era paga, caso passasse o prazo de validade da primeira; é como médico, se passar trinta dias, nova consulta.
Claro, e evidente, que todos os membros da minha família que lá foram estavam possuídos. Nunca vi uma família assim, todos os infelizes tinham de fazer sessões de despossessão. Parece que andávamos nós todos, sem exceção, com o diabo no corpo. Eu, coitada, ou melhor, não tão coitada assim, querendo me ver livre de problemas, inclusive os financeiros causados pelos endiabrados pensei: "porra gasto agora, mas quem sabe eles saem da merda que estão e eu posso respirar um pouco".
O que fiz?  Paguei R$ 1.200,00 (hum mil e duzentos reais) por cada um que foi fazer a tal despossessão. Olhe que isto tem uns sete anos! Idiotice mesmo! Pois alguns, que por si só não conseguiram sair da "merda", continuam possuídos e me despossuindo.
Por uma extrema coincidência, tivemos um problema grave de doença na família. A pessoa estava, como qualquer um que tem um diagnóstico de "câncer", desesperada, e o desespero faz mesmo a gente acreditar em muita coisa, paguei o tratamento que a mulher disse que faria e curaria a pessoa. Coincidência ou não, uma operação que já estava marcada para uma retirada de um tumor no seio, com o diagnóstico de uma extração completa de uma das mamas, foi adiada, e a pessoa foi ter com um outro médico que disse não ser necessária a extração de todo o seio, até porque, segundo as ultras, acho eu, o tamanho do tumor tinha regredido. Minha crença na ordinária aumentou mais, e eu fui acreditando e mandando todos fazerem a tal despossessão.
Detalhe importante: as conversas eram gravadas e a pessoa lhe dava a fita para você ouvir. Um dia, ouvindo a fita que me foi dada, aparece, no meio da estória, a voz de um velho muito cansado, uma voz grossa, parecendo vim do além. Sabe quem era?  Nem lhes conto: a rotação errada no gravador. Era isto  que fazia aquele efeito.  Não sei, até agora, se houve algum problema técnico no meu gravador na hora da audição, ou se foi aquela  mulher que, para causar impressão mesmo,  fez aquilo no seu próprio gravador para a voz dela ganhar aquele som diferente.
Para ajudar os meus a recuperar a dignidade, pois, havia pessoas, como já disse: doentes, pessoas sem emprego, pessoas embora com emprego, cheias de dificuldade, outras com casamento acabando, outras com muitos e muitos desacertos; uma delas tinha, e continua tendo, uma enxaqueca braba, a bichinha fica de cama quando a droga aparece, paguei as "despossessões", querendo tirar o "diabo" do corpo e da vida dos possuídos, quando, na verdade, o que eu estava fazendo, e fiz, foi despossuir o meu bolso e fazer com que o da "mulher" possuísse. Paguei àquela "exorcista" o valor correspondente a um carro: ainda bem que foi o de um carro popular.
Acreditei tanto na desinfeliz que cheguei a agradecer a Deus, um dia tê-la conhecido, Pense aí, a que ponto chega a fraqueza humana, a incapacidade de lhe dar com problemas. Eu que, pessoalmente, não os tinha, a não ser os resolvíveis entre eu e o companheiro, entre eu e meu bolso, arrumei um de todo o tamanho, uma sacola sem fundo. Gastei para ver as pessoas felizes. Acho que a única pessoa que consegui fazer feliz foi àquela senhora, aquela pessoa enganadora, cruel até.
Todavia, se ela acredita mesmo no que ela vive a dizer, se as forças do bem podem tirar alguém da miséria, pode recuperar pessoas, mudar a vida de todos, também elas podem ver quando uma pessoa trabalha para o mal, quando ela engana as pessoas, quando ela tripudia da boa fé, vai ter a recompensa pelos seus atos, que espero seja mesmo proporcional ao mal que causou a muitos.  Aguardo que essa senhora, que um dia me disse, em e-mail, a respeito de um fato que ela negava ter acontecido, "que se aquilo fosse verdade ela teria deixado de ter os poderes que tinha" "que ela estava arriscando todo o conhecimento adquirido" cumpra a sua promessa, porquanto o sangue falou muito mais alto de que todas as informações errôneas do seu tarô e dos seus "guias".   
O gene é forte, o DNA não pode ser contestado, nem pelas forças físicas e nem espirituais. Ele serve para mostrar exatamente a realidade nua e crua, sem engodos, sem intermediários.
Vou continuar fazendo caruru de São Cosme e acendendo vela para os mais variados santos, sem dúvida alguma, mas o que jamais irá acontecer é ter de novo com esta senhora. Que Deus a tenha, ou então, que o Diabo a tenha possuído e que ela precise de alguém que cobre muito caro pela "despossessão".
Quanto à Iemanjá, vou continuar poluindo os mares, mui principalmente o da Bahia, pois vou seguir  colocando, no primeiro dia do ano, perfume nas águas. Eu e ela nos entendemos depois quanto ao local, mas é bom que acorde, ela e os outros Orixás: eu tô aqui aguardando as mudanças, tanto em minha vida quanto na dos outros, para melhor é claro!  

Lisboa, junho de 2010

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

MÁ YARA


Não percebo porque se esta a dar tanto valor ao que foi dito por uma estudante, má estudante de direito, sobre o Nordeste. A moça, certamente, nunca pensou que a sua opinião, ou melhor, a sua desopinião, fosse lhe proporcionar tanto destaque. Agora ela é conhecida no Brasil todo, lógico que os motivos não são dos mais relevantes, mas a fizeram conhecida; é capaz de se candidatar a vereadora ou deputada nas próximas eleições e, pasmem! Vencer. Se continuar a campanha que ora se instalou para sua promoção, com certeza, ela será eleita, por muitos, inclusive, aqueles que, sem a coragem que ela teve de falar do Nordeste, mas pensando exatamente como ela, votarão secretamente, que é a melhor maneira dos covardes se pronunciarem: atrás do anonimato. Ela, ao menos está um pouco à frente desses. A Má yara, acho que é seu nome, o qual já carrega o mal em si, agora não quer falar à imprensa, mas, certamente, daqui a uns dias poderá mesmo ser capa da VEJA, ou de qualquer outra revista importante, que poderá pagar-lhe por uma entrevista, que será lida por muitos que a apóiam, e até por quem não concorda consigo. Depois das revistas, virá a televisão e todos os outros meios de comunicação para promovê-la. Se ela não for “burra”, vai aproveitar tudo isto e, com certeza, o Sul terá outro grande representante quiça, no Planalto, desta vez, de lá mesmo, não sendo necessário tomar, por empréstimo, um nordestino.

Pode ser, e isto é bem provável, que ela apareça no programa da Ana Maria Braga para dizer o que ela gosta de comer; se é que come, pois vi em algum lugar, que ela mora sozinha e vive de ajuda dos pais, sendo que o pai não é o dela. Inventarão um sanduba, para dizer que é o que ela come, certamente com muitas folhas verdes, cenoura, coisas completamente lights e finas, afinal ela não nordestina, para comer farinha, carne seca, abóbora, mandioca, acarajé, sem gosto de nada, nem mesmo de um queijinho qualho, que ela jamais saberá o que é, porque não conhece o Nordeste, aliás, pode até ser que a apresentadora, para amenizar o que a moça vem passando, leve-a para conhecer todo o Nordeste, Bahia, Ceará, Alagoas, Sergipe,Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba. Será que ela sabe que estes são os Estados Nordestinos. Bom, se não sabia antes, a partir de agora com certeza saberá, porque alguém vai fazer este périplo consigo e lhe e mostrará tudo. Lhe dirá que Pedro Álvares Cabral chegou a Porto Seguro – Bahia, que a primeira Capital do Brasil foi instalada no Nordeste, na Bahia, também poderão levá-la à Cachoeira, na Bahia, para que ela veja “in loco” como foi a luta pela independência e como se preserva a cultura negra. Aprenderá muito mais coisas, sem ter qualquer gasto ou trabalho intelectual, porque a didática de ensino para ela será diferente da empregada em relação á aprendizagem dos milhões de brasileiros, inclusive nordestinos, que têm de ir a escola e aprender isto, mesmo passando fome .

Depois de Ana Maria Braga, quem sabe; a moça fará um tratamento psicológico, porque o que ela disse, certamente, foi fruto de sua vida dura, da separação dos pais, dos traumas de infância, etc. etc. Aparecerá um psicanalista, que estará presente, junto com ela, no programa de televisão que oferecerá o tratamento grátis, que de grátis não tem nada. O profissional, sem dúvida, que se promove, mas tem de pagar caro pelo oferecimento, por aparecer no horário, que até pode não ser tão nobre, aliás, para fazer este tipo de reportagem e de programação, nada tem de nobre.

Depois, alguém chama a moça para participar de um reality show, claro que sem nenhum dos participantes ser das plagas, “ou pragas”, do Nordeste, afinal nordestinidade pega, e ela não pode ser contaminada, pois será impossível que depois do contanto com um nordestino, ela não comece a gostar de Betânia, Caetano, Gal, Gil, Marizete Menezes, Ivete Sangalo, Chiclete com Banana, Dorival Caymi e sua prole, Durval Leles, até mesmo a Claudia Leite. Nelson Rufino com a sua “verdade”, Edil Pacheco, Tuzé de Abreu, Moraes Moreira, Raul Seixas, Netinho, Daniela Mercuri, isto para falar só de baianos, porque ela saberá, depois que tomar a aula histórico cultural sobre o Nordeste, que Elba Ramalho, Alceu Valença, Fagner, Gonzagão, Adilson Ramos, Reginaldo Rossi e tantos outros são nordestinos. Será que ela sabe que Djavan é das Alagoas? Estamos falando só de música, porque podemos dar muitos outros nomes de escritores, pintores, poetas, políticos, inclusive, ela que é do ramo “jurídico”, se conseguir lá chegar, terá ouvido falar, ainda que casualmente, de Orlando Gomes, Ruy Barbosa, Calmon de Passos, Texeira de Freitas?

E na Literatura, será que ela já ouviu falar de Jorge Amado, Graciliano Ramos, João Ubaldo Ribeiro?

Bom, certamente, isto também ela saberá após a aula histórico-cultural cujas matérias terão de ser decoradas para que ela tenha condição de responder às perguntas, já “perguntadas” e sabatinadas, que não admitem respostas erradas.

Depois vai participar do Reality Show, que se for mesmo reality, deverá expulsá-la logo na primeira semana, porque de acordo com as informações da família, a coitadinha é problemática, claro que devido a todos os problemas, que quase nenhuma pessoal normal tem, principalmente aqueles filhos de pais separados. Depois, ela será chamada, dependendo do que conseguirem dela em termos de “físico”, pois isto também pode acontecer urgentemente se ela for desprivilegiada da sorte neste aspecto, para aparecer nua em alguma revista, o que ela aceitará, sem qualquer dúvida, afinal esta é uma cultura do seu espaço.

Bom, aí ela já deixou a faculdade em que estuda, sim porque esta já não fará qualquer falta, porque a esta altura, o comentário que fez sobre o Nordeste já lhe deu tanto lucro, patrocinado por pessoas tão abestadas quanto ela, inclusive eu que estou perdendo o meu preciso tempo em escrever sobre este fato, que ela não precisará de um reles diploma de Bacharel. Assim ela abandonará os “bancos da ciência”, como diria minha mãe, afinal eles não servem para nada, e, como já disse antes, aliás, para ser político, chegar mesmo a presidência da República brasileira, não é necessário ter qualquer formação universitária. Ah! precisa mesmo é ser nordestino, é o que demonstra, ao menos, os últimos oito anos. Deixando a faculdade se candidatará a uma vaga, seja como vereadora, seja como deputada estadual. Candidatando-se, ganhará, olhe o Tiririca; e tomará gosto pela coisa fácil, e então, chegará a deputada federal, quem sabe senadora, defendendo o direito da minoria elitizada, que como ela foi agredida pelo povo nordestino que, segundo a sua análise promissora, elegeu a Presidente da República, que vai continuar um programa de retirar do sul do país para dar ao norte nordeste o que este, também, segundo ela, não merece, porque pobres, famintos, sujos, miseráveis, embora com força suficiente para fazer o que os, também de acordo consigo, da sua “elite sulina”, olhem que eu disse sulina e não suína, não tiveram capacidade: eleger o presidente da República Brasileira.

Vamos lá gente, falem mais desta moça! Dêem força á má-yara

Depois não digam que não avisei!

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Desencontro marcado

Estava ela sentada olhando o tempo que, naquele dia, parecia querer prolongar a ansiedade daquela espera.

Sabia, com certeza, que tudo ia acontecer conforme previsto, mas tudo era muito novo e diferente, o que lhe trazia certa insegurança.

Como seria ele? Ou seria ela? Será que estava na mesma ansiedade sua? Será que estaria preocupada e elucubrando coisas que não valia a pena pensar agora, quando a decisão estava tomada e que o momento se aproximava?

Sim, passaram-se 18 longos meses em intermináveis conversas na net. Se falavam todos os dias. Os assuntos eram variados, mas sempre divertidos. Pareciam ter feito um pacto silencioso de não falar de tristezas, noticias bombásticas, angústias.

Chegava a casa, todos os dias, vinda do trabalho por volta das oito da noite e começava a cuidar do que tinha de ser feito, tudo muito apressadamente, porque as dez o encontro estava marcado e ela tinha de estar ali, na frente da telinha. Aquilo era mesmo um vício, bom, na verdade, mas um vício. Vicio, como se sabe, não dá trégua, portanto não tinha folga em domingos ou feriados, nestes dias até conversavam mais um pouco e podia não ser no horário habitual.

Durante um ano e seis meses falaram de quase tudo o que fosse possível de ser falado e feito e vivido por pessoas normais. Viagens eram conteúdos obrigatórios. Filmes, shows, músicas, livros. Frank Sinatra, Michel Boublè, Santana, Gloria Stefan, Cesaria Évora, Dulce Pontes, Amália Rodrigues, Bethania, Gal, Caetano. Nunca falaram do impossível, nada que não pudesse ser alcançado, palpável. Nunca se preocuparam em perguntar se eram casados, se eram mulheres, o que faziam. Foram, aos poucos, pelas conversas, tirando, cada um, as suas conclusões, que nunca foram, como jamais seriam, nas circunstâncias, definitivas. A história deste encontro, como tantas outras, poderia ser mudada a qualquer momento. O pior, entretanto, neste instante, era a incerteza do que iria encontrar. Um homem? Novo? Velho? Um menino? Uma mulher? Como seria?

Escusaram de enviar fotos ou de usar a câmara, usavam apenas as palavras, às vezes coloridas querendo sublinhar uma frase, chamar atenção, nada, além disto. Nenhum símbolo outro, nada de pieguices, nada de demonstrações de afetos, enfim, não eram ridículos.

Sentada no ponto de encontro, em frente a uma tulipa com cerveja, que não era bebida, foi pedida simplesmente para que não a incomodassem enquanto estivesse ali naquela longa espera. Esperava tentando segurar a ansiedade. Tinha chegado muito cedo, já começava a pensar, mas era ilusão pura, chegara dentro do horário e da maneira já prevista.

Ninguém disse como estaria, nenhum sinal. Sabiam, sem dizer nada, que no momento em que se vissem, ou melhor, que estivessem no mesmo lugar, reconhecer-se-iam.

O nome? Qual seria o nome real? Será que era este mesmo? Por que nunca disseram o primeiro nome? Por que sempre se trataram pelo apelido? O que estavam tentando esconder?

Pelas deduções, pensava que era um homem maduro, não velho, mas maduro, alto, com cabelos grisalhos e que gostava de ler, idealizou um professor universitário, com muito senso de humor.

“Poxa! Mas por que esta idéia fixa de conhecer um ao outro? Por que não deixar aquilo como estava? Será que não seria melhor manter esta familiaridade internáutica apenas? Se fosse uma mulher? O que faria? Como reagiria, pois já se sabia quase apaixonada, afinal naqueles meses todos alguém tinha fisgado a sua alma, o seu espírito, pior que isto, a sua imaginação”

Não se lembra de como surgiu a idéia deste encontro. Todavia sabia que ele teria de acontecer a qualquer momento. Quanto mais a hora se aproximava mais ficava ansiosa, mais dúvidas, mais perguntas, mais incertezas.

Para que aquilo? Por que não deixar as coisas como estavam? Era tão bom aquele encontro diário, era tão boa a certeza de que não estava só. Era tão bom ter com quem falar somente de coisas boas, como se a vida fosse feita só delas.

O seu copo, cheio de cerveja intocada ali na sua frente, era apenas um companheiro: precisava estar completamente sóbria, pois não queria perder nada daquele acontecimento.

Na mesa ao lado chega uma senhora, gorda, velha. Com certeza não é esta pessoa, ela não tem cara de que tem amigo na internet. A senhora senta-se e pede uma bebida e um café. Fica ali olhando para os lados como se esperasse alguém. Ela se desespera. “Meu Deus, faça com que não seja esta pessoa”.

Pensava para si “Já me arrependi de estar aqui. To ficando muito ansiosa. Que idiotice ter marcado isto”

Na mesa ao lado o celular toca, a senhora atende e diz onde está. Minutos depois um senhor velho e gordo aparece, senta-se, fala um pouco com a senhora e os dois vão embora. “Ufa, escapei desta”, pensa ela.

Uns dez minutos depois, outro sobressalto: Chega uma loura oxigenada, alta, enorme, com um notebook e alguns livros na mão. O coração para: “Puta que pariu! Isto não pode acontecer. Eu não ia me enganar tanto. Será? Olhe a sacanagem Deus, não faz isto comigo”.

A loura senta-se, por coincidência, na mesa ao lado e abre o computador, coloca os livros em cima da mesa. Não esta com cara de que procura ninguém, felizmente, mas, mesmo assim, ela fica olhando de soslaio as suas reações. A mulher liga o lap e escreve algo, está falando com alguém. Definitivamente, não é ela. Alivio!

Só faltam 8 minutos. O seu coração tá na boca, ta com vontade de se picar dali, não esperar mais nada, depois fala que teve dor de barriga, que ficou nervosa, sei lá o que, mas vai embora dali, vai sair daquela situação angustiante.

De repente entra um homem no restaurante. É um homem sem qualquer atributo, apenas é um homem. Esta bem vestido, mas nada que chame atenção. É baixo, tem bigode e traz uma sacola pequena na mão.

Ela pensa: “Não, não é esta pessoa. Um presentinho, inho mesmo, era o que comportaria naquela sacolinha, inha.” Não, a pessoa a quem esperava não compraria um presente para si, não sabia quem era ela, se homem ou mulher, nunca deixara transparecer o seu sexo nas suas conversas. Falar de comida, hoje em dia, não é coisa de mulher e todos sabem, portanto... Filmes românticos, um livro com uma historia mais sensível. Não isto não leva ninguém a determinar o sexo de outrem, assim, não compraria um presente, a não ser que fosse uma garrafa de vinho, sim vinho. Certamente, tanto ela quanto a outra pessoa, poderiam se dar de presente, aliás, falaram muitas vezes de vinhos, principalmente, portugueses do Alentejo.

Não, definitivamente não era quem esperava, até porque aquele homem parecia "habitué" naquele espaço. Entrou sentou-se numa mesa de canto junto a parede, tirou o jornal do sobretudo e ficou aguardando que o empregado lhe trouxesse a bebida que, sequer, pedira.

Mais cinco minutos de prolongada espera. Uma moça chega apressada e olha para todos os lados. Parece aflita. Olha o relógio, vai até o balcão do bar, fala algo com o garçom, que olha diretamente para ela, que tem um sobressalto: Será que aquela moça esta perguntando algo sobre mim ao garçom? “Não, certamente que não, é muito jovem para ter aquele tipo de relacionamento que ela tinha com a pessoa a quem esperava”. O garçom fala qualquer coisa e a moça sai correndo do restaurante. “Graças a Deus” diz ela para si; “escapei de mais uma”

O restaurante começa a encher, tá ficando difícil ver e analisar as pessoas que entram e saem. Por que tinha de marcar ali? Ali era um local onde as pessoas marcavam encontros apressados, tipo encontrar para ir a algum lugar, tomar o comboio, tomar o autocarro, tomar o barco para o outro lado. Não, não deveria ter marcado ali, aquilo era muito movimentado. Estava se perdendo no meio daquela gente toda que entrava saia, trocava beijos, abraços, cumprimentos.

Começa a se desesperar mesmo. “E agora? O que faço? Só faltam dois minutos, já pegaram todas as cadeiras da minha mesa, só resta uma, que é, espero, da pessoa a quem espero”

Oito horas. Nada. “Não vem, e se vem, não é nada pontual: Oito horas é oito horas, não oito e hum e nem sete e cinqüenta e nove”. Joga, discretamente, o líquido do copo no chão e pede outra cerveja ao empregado. Apesar da decepção, ainda tinha esperança de que alguém apareceria. Ficaria ali mais uns dez minutos, daria um voto de confiança.

Quando o garçom volta com outra tulipa de cerveja, alguém entra no bar-restaurante: “É ele, tenho certeza” diz ela. Um homem alto, cabelos grisalhos, muito bem vestido, de óculos, vem em sua direção. O seu coração para, aquilo era bom demais para ser verdade, tinha idealizado aquele homem. Será? As pernas tremem embaixo da mesa. Não consegue nem levantar o copo, não quer que ninguém perceba que esta visivelmente transtornada, como se fosse possível esconder a tremedeira. O homem chega perto dela e diz: - “Boa tarde. Posso sentar aqui, a senhora esta sozinha e eu estou esperando alguém, que, pelo visto, ainda não chegou, ou então não me esperou”. Esta estática, não diz nada, nem concorda, mas o homem senta-se.

Por alguns momentos nada é dito. Ficam ali os dois, ele de um lado e ela do outro. Ela tenta controlar-se. Acalma-se. Fica a espera que ele tome a iniciativa de dizer alguma coisa. Nada. Os minutos se arrastam. Ninguém diz nada. Ela olha para o homem que continua impassível sentado á sua frente. Nota que ele toma um uísque. Aguarda mais uns 10 minutos, já são oito e vinte. Se não é aquele homem, não vai esperar mais nada. “O que faço? Pergunto a ele se está esperando alguém. Pergunta idiota, é claro que está: ele já disse. E se ele não for a pessoa e lhe perguntar o que ela tem com isso?” Fica queta a observá-lo sem que ele note. Sente que ele a observa também, esta lhe estudando, querendo saber o que ela faz ali sozinha? O que fazer? Que atitude tomar?

Não toma nenhuma. Acaba com a cerveja e levanta para ir embora. O homem também acaba o seu uísque, e parece que, também, vai embora, pois chama o garçom para pagar a conta. Levanta veste o casaco, o homem faz o mesmo. Uma vozinha dentro dela manda que ela pergunte se ele espera alguém. Outra voz lhe diz. Idiota, não pergunte o que é obvio? Vá logo direto ao assunto.

Resolve não perguntar nada. Pega a bolsa e sai. É seguida pelo homem até a porta; dali, um segue para direita o outro para a esquerda. Ainda se vira para olhar para onde ele se encaminha, e com surpresa vê que ele também estava fazendo o mesmo em relação a si, todavia, decide: “Se ele não falou nada é porque não quis, vou embora. Isto para por aqui”.

Chega à casa aflita, decepcionada e cheia de incertezas maiores de que as anteriores. Não janta, não tem tranqüilidade nenhuma, só espera que dê a hora de costume para poder entrar no mensager e saber o que aconteceu. Por que não aconteceu, aliás? Dez horas da noite, entra no mensager, a pessoa já está lá.

- Olá! O que se passou, estava eu, até agora, onde combinamos te esperando?

- Eu também, cheguei atrasado, mas dei um tempo, tomei até um uísque, sentei-me à mesa de uma senhora muito interessante que bebia uma cerveja, aliás, pedi para que ela me deixasse sentar à mesa com ela, porque não havia outro lugar, mas sentei muito preocupado, porque como estava te esperando, você poderia chegar e ir embora achando que não havia ninguém ali sozinho a esperar por outrem.

Ela atônita diz: - Como é? Você é aquele senhor de cabelo branco, de óculos, de sobretudo, que chegou as 08h10min e pediu para sentar-se à mesa em que estava uma pessoa alta, de cabelos ondulados, de óculos, e roupa marrom.

- Sim, era eu.

- Pois é, e a senhora era eu.



Lisboa, 8.11.2010